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Jucelino Oliveira de Sousa

Presidente da Usina Coruripe

Op-AA-51

A estrutura do setor precisa ser repensada
O setor sucroalcooleiro ou sucroenergético, ou simplesmente o setor de açúcar e etanol, é, sem dúvida, um dos sistemas mais complexos, não apenas do agronegócio, mas de toda a economia brasileira. A simples dificuldade em denominá-lo já traz indícios quanto ao seu caráter de heterogeneidade.

Com uma cadeia de produção altamente complexa e diversificada e com múltiplos agentes, o setor praticamente é afetado por quase tudo de relevante que acontece na economia. Vejamos: somos afetados, obviamente, pelo que diz respeito à agricultura e à indústria no País; o comportamento do câmbio interfere nas nossas exportações e no estoque de dívidas do setor; participamos concomitantemente do segmento de alimentos, combustíveis e energia, sendo esses dois últimos fortemente influenciados pelas políticas públicas; somos dependentes da conjuntura interna, que afeta diretamente o humor do consumidor brasileiro praticamente na mesma proporção da nossa dependência das exportações; e, como se já não bastasse essa rede abrangente de variáveis, estamos espalhados por quase todo o País, sofrendo a influência das idiossincrasias das diferentes regiões onde a cana-de-açúcar é cultivada, incluindo-se as diferenças culturais, as diferenças de clima e de solo e as ocasionais maiores ou menores influências políticas que cada região venha a ter em determinado momento. 
 
A cereja do bolo no tocante à complexidade do setor veio com o boom ocorrido na última década. O grande volume de investimentos mudou a fotografia do setor. As empresas familiares tradicionais passaram a ter a companhia de empresas multinacionais nas mesas de discussão, e pequenas usinas, quase engenhos, passaram a sentar lado a lado com grandes grupos nacionais de capital aberto e até de empresas verticalizadas na logística, na distribuição de combustíveis e no trading de açúcar. Ou seja, o que já era complexo elevou-se a patamares quânticos.
 
Somem-se a essa complexidade, que é intrínseca ao segmento, as questões relacionadas à sua história, à sua cultura e às suas tradições, aspectos esses que, indubitavelmente, compõem o DNA do setor. Um histórico de intervencionismo por parte do governo, de protecionismo e de tratamento diferenciado marca fortemente o imaginário do consumidor e do poder público e ainda influencia a opinião pública, que, infelizmente, permanece enxergando o segmento com ressalvas. 
 
Desde seus primórdios, do tempo das capitanias hereditárias até os dias de hoje, a ausência de união no segmento tem sido uma forte característica. A inexistência de uma voz que represente de forma inconteste os interesses do setor traz dificuldades para que sejam produzidos resultados duradouros e não apenas a solução dos problemas da hora. Sem consenso, é muito mais difícil promover mudanças. Todos sabemos que, para os investimentos voltarem, precisamos de políticas de longo prazo e não apenas de ações para apagar incêndios. Objetivos difusos, conflitos de interesses e falta de objetividade inibem, infelizmente, a produção de propostas claras, de soluções abrangentes, de uma interlocução única, de uma percepção positiva por parte do consumidor e, principalmente, de eficácia quanto às iniciativas. 
 
A estrutura do setor precisa ser repensada. A miríade de associações, sindicatos, fóruns, grupos, seja de produtores de açúcar, etanol, energia, seja de fornecedores de cana, precisa ser reavaliada, reorganizada e modernizada levando-se em consideração o atual estágio e, principalmente, a perspectiva futura da economia e da política brasileira e da economia e da geopolítica mundial e, primordialmente, considerando a óptica do consumidor atualmente. Nossa estrutura e forma de agir não estão em sintonia com os tempos atuais, pois a percepção do consumidor e a forma de se conduzirem as relações público-privadas mudaram radicalmente. Olhando para o outro lado da mesa, não consigo identificar negociadores e articuladores menos preparados e menos organizados do que nós, muito pelo contrário. 
 
A indústria do petróleo, claramente contrária à agenda ambiental, pode ser criticada por qualquer aspecto, menos pela sua capacidade de articulação, comunicação e influência. O mesmo se observa no Sindicom, na indústria automobilística e na indústria de alimentos. Repito, a colcha de retalhos da estrutura que hoje representa o setor precisa ser repensada. Unidos, possuímos uma força inigualável, pouquíssimos setores da economia brasileira possuem tamanha abrangência. Fragmentados e desalinhados, continuaremos sendo presas fáceis e, possivelmente, permaneceremos nos contentando apenas com vitórias de Pirro, que simplesmente nos garantem alguma sobrevida e a manutenção do status quo que interessa apenas a uma minoria.
 
 Vivemos um momento em que quem se comunica melhor e mais rápido leva vantagem. A informação, mesmo quando correta, chega com atraso ou não chega aonde precisa chegar, não tem valor. Num ano em que a palavra mais representativa no mundo, segundo o dicionário britânicos Oxford, foi a expressão pós-verdade (post-truth, em inglês), que vem a ser um adjetivo que faz referência a “circunstâncias em que os fatos objetivos têm menos influência na formação de opinião pública do que os apelos emocionais e as opiniões pessoais”, me questiono se estamos realmente estruturados para as batalhas de comunicação que nos aguardam.

Não vejo o setor se comunicar no twitter e no Facebook, apenas para citar as mídias sociais mais populares, e, muito menos, se fazer presente nas mídias tradicionais. Infelizmente, quem não é visto não é lembrado, e o consumidor precisa ser alimentado de informações de forma clara e objetiva. Estamos perdendo a batalha de comunicação contra o lobby contrário ao açúcar e não conseguimos comunicar de forma eficiente as externalidades positivas do etanol. 
 
O jogo atual mais se assemelha a um tabuleiro de xadrez tridimensional. As habilidades atualmente necessárias para esse novo jogo não existiam no passado. Quando era garoto, eu era muito bom num jogo chamado River Raid, do console Atari – muitos da minha geração devem se lembrar. Pois bem, hoje em dia, eu não tenho a menor chance de vitória quando enfrento meu filho de 10 anos em qualquer jogo de qualquer natureza no console PS4. A plataforma mudou, as habilidades necessárias são outras. 
 
Somos um setor multifacetado. Rezamos para o Ministério das Minas e Energias e acendemos uma vela ao Ministério da Agricultura. Pedimos bênçãos à Agência Nacional do Petróleo e Biocombustíveis (ANP) e reverenciamos a Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Namoramos a Federação da Indústria de cada estado e a CNI. E ainda flertamos com as federações de agricultura e com a CNA. Subutilizamos os serviços do Sesi, do Senai, do IEL e do Senar, apesar de sermos grandes contribuintes de todos eles. 
 
Afinal, o que somos? Ou melhor, o que queremos ser? Uma estrutura matricial segmentada por regiões e por linha de negócios e subordinada a um comando único que tenha autonomia e representatividade pode ser uma alternativa. Desconheço setores onde muitos falam muito em nome de muitos. 
 
É importante ressaltar que, ao questionar nossa estrutura, busco apenas chamar a atenção à arquitetura atual, que, a princípio, me parece confusa, pouco ágil e inadequada às demandas modernas. Ressalto que, em nenhum momento, estou pondo em xeque as pessoas que, hoje, conduzem essa mesma estrutura. Nesse aspecto, creio que temos uma enorme vantagem, em função do excelente quadro de profissionais e de representantes que conduzem a nossa interlocução com os diversos stakeholders.
 
Na verdade, considero-os legítimos heróis, obtendo verdadeiros milagres diante da forma caótica como estamos organizados. Em suma, os jogadores são esses, o esquema de jogo é que precisa ser repensado. O momento é favorável, voltamos a ter algum diálogo com o governo e não podemos perder essa chance; o RenovaBio é uma grande oportunidade. É hora de nos despirmos de vaidades, de nos desapegarmos de interesses locais e menores e de focarmos nos interesses maiores do segmento, principalmente nos interesses de longo prazo, de maneira organizada e, principalmente, com um discurso alinhado. 
 
Vou finalizar contando uma pequena história. Em meados da década de 1970, na periferia de Lagos, na Nigéria, um garoto chamava a atenção na pequena vila em que morava. Com 15 anos de idade, o garoto já tinha 2,13 metros de altura. Era impossível passar despercebido quando passeava ao lado dos amigos nas ruelas de barro batido de seu vilarejo. Apesar de chamar a atenção pela altura, o garoto não era respeitado pelos demais.

Seu corpo magro, os longos braços, o rosto repleto de espinhas típicas da adolescência e a forma desengonçada de andar não faziam sucesso entre as garotas e muito menos indicavam que ele teria a velocidade e a agilidade necessárias para ser um exímio caçador. Ele era grande, sim, chamava a atenção também. Era respeitado? Não, na verdade era até motivo de chacotas. Um certo dia, numa ida ao centro da cidade com sua mãe para fazer compras, o destino sorriu para o garoto.

O treinador de basquete da Universidade de Lagos o viu na rua, ficou impressionado com seu tamanho e o convidou para praticar o esporte. Com muito afinco, treinos e disciplina, o garoto aprendeu a controlar seus movimentos e a tirar vantagem de se tamanho. Alguns anos depois, ele emigrou para os Estados Unidos, onde fez faculdade e acabou se naturalizando americano. O nome desse garoto é Hakeem Olajuwon, e seu currículo é impressionante.

Ele ganhou duas vezes o título da NBA (National Basketball Association) e foi o MVP (Most Valuable Player) nas duas finais que disputou. Ganhou também a medalha de ouro das olimpíadas de 1996 pelos Estados Unidos e, no mesmo ano, foi escolhido como um dos 50 melhores jogadores de todos os tempos da NBA. Ainda hoje é um dos oito jogadores na história da liga a ter mais de 20 mil pontos e 12 mil rebotes.
 
O currículo de Hakeem é 100% verdadeiro, já sua adolescência na África, não. Essa parte da história foi apenas uma licença poética. Ser grande sempre chama a atenção, porém, para ser respeitado, é necessário muito mais... É preciso planejamento, disciplina e, principalmente, coordenação nos movimentos.