Diretor do Centro de Cana do IAC
Op-AA-05
O setor sucroalcooleiro brasileiro vive um momento auspicioso. O aumento do consumo mundial do álcool associado à queda de subsídios ao açúcar, abre uma perspectiva única nesta próxima década. Esse cenário nos impõe algumas reflexões. O Brasil tem tecnologia agrícola disponível para sustentar o crescimento anunciado? Os principais grupos de pesquisa em cana-de-açúcar encontram-se articulados para enfrentar esse novo cenário?
O grande investimento realizado nas décadas de 70 e 80 passadas, ainda repercute nas instituições de pesquisa, através das lideranças que ainda hoje atuam na pesquisa canavieira. Somam-se a estes, os novos pesquisadores, principalmente, os da biotecnologia. A capacitação desenvolvida durante o projeto Genoma Cana, financiado pela Fapesp e Copersucar, envolvendo cerca de 40 laboratórios e 200 pesquisadores, foi uma grande herança para a canavicultura.
Um aspecto que deve ser considerado, é que o modelo de financiamento de pesquisa sofreu uma importante mudança. Parte dos recursos vêm de instituições de fomento à pesquisa, como o CNPq, Fapesp e Finep, disputando com inúmeras outras culturas, bem como outras áreas da ciência. Os critérios que definem as prioridades, muitas vezes não são favoráveis à cana.
Outro modelo que se tornou bastante importante, a partir dos anos 90, é o financiamento de projetos comuns ou em “rede de trabalho” por empresas do setor, viabilizando os principais projetos na área de melhoramento genético da Ufscar (variedades RB) e do IAC (variedades IAC e IACSP). Normalmente, tais recursos têm sido captados via fundações de apoio à pesquisa e têm dinamizado as pesquisas nas instituições públicas. A reorganização do CTC, a reestruturação do Centro de Cana do IAC, bem como a criação da Canaviallis podem ser sinais de mudança desse histórico.
Algumas questões surgem neste momento. Esta “nova canavicultura” usufruirá da tecnologia produzida nas ultimas três décadas, valendo-se dela para sua sustentabilidade? Nos últimos sessenta anos, a canavicultura paulista foi beneficiada pela introdução de variedades “estrangeiras” ou importadas de outras regiões do Brasil. Isto poderá ocorrer novamente, agora, no sentido inverso.
Os ganhos gerados na introdução de variedades podem parecer desprezíveis e estão associados ao grau de isolamento tecnológico da nova fronteira agrícola que se estabelece. Há dez anos, uma empresa da região centro-oeste iniciou um trabalho com o IAC para estudo de novos clones/variedades, para suas condições de cultivo. No ensaio que realizamos, verificamos que uma variedade, plantada em 30% da área, não adaptada às condições locais, produzia 29,4% menos açúcar, que outras testadas pelo IAC.
Imediatamente, essa variedade foi substituída. Em todas essas regiões de expansão, existe uma condição comum de estresse hídrico entre os meses de abril a outubro. Os programas de seleção de novas variedades podem se inserir aí. Esse trabalho requer a seleção de variedades mais adaptadas à região, cruzamentos dirigidos para a tolerância à seca, a introdução de famílias geradas via hibridação na região, a condução do processo de seleção e a experimentação para identificação de tipos superiores de cana para essas condições. Este trabalho pode levar mais de uma década.
O que fazer diante da urgência das decisões de empresas que se instalam na região ou de outras já instaladas, que ampliam suas áreas em até 20% ao ano? Não resta alternativa, a não ser investir em pesquisa que promova esse tipo de tecnologia. Nos últimos dez anos, os programas de melhoramento genético geraram mais de 50 novas variedades das siglas SP, CTC, RB, IAC e IACSP. Isso é uma munição silenciosa, disponibilizada para uma revolução tecnológica no setor sucroalcooleiro.
Variedades, que, em 1975, permitiam a extração de 90 kg de açúcar/tonelada de cana, foram substituídas por outras com rendimento médio de 120 kg. A produtividade agrícola, que era de 70 ton/ha, com a média de três cortes, atingiu, em 2004, em diversas empresas paulistas, 100 ton/ha na média de seis cortes. Entretanto, muito temos que caminhar quando assumimos que o potencial biológico da cana-de-açúcar é de 350 toneladas de colmo/ha/ano.
Se apenas 28% desse potencial (produção média de cana de 12 meses é de 100t/ha) é alcançado, com certeza, muito temos que avançar para minimizar os efeitos negativos de origem biótica e abiótica. O melhoramento da cana e a biotecnologia podem contribuir para esse novo avanço. Devido à complexidade genômica e citogenética dos híbridos existentes, os estudos genéticos são dificultados.
Uma das formas de contornar esse problema é a utilização da tecnologia dos marcadores de DNA, que tem revolucionado o melhoramento de muitas outras culturas, contribuindo para a seleção dos genótipos mais promissores em ensaios de hibridação do programa de melhoramento, bem como a identificação de genes relacionados a características de importância agronômica. Estes genes poderão ser incorporados em genótipos elite, por meio da transformação genética de plantas. O emprego de marcadores moleculares poderá também aumentar a eficiência da seleção no melhoramento e reduzir muito o tempo necessário para o desenvolvimento de novas variedades.