Para o setor sucroalcooleiro, a busca pelo aumento da produtividade é uma questão de sobrevivência econômica. Isso é possível através do plantio de novas variedades com maior resistência a pragas e doenças e mais bem adaptadas a diferentes regiões e condições climáticas. O caminho a ser percorrido é longo, e a biotecnologia tem muito a contribuir para que isso aconteça.
Vários países tiveram um incremento da produtividade nesses últimos anos, mas foi o Brasil que evoluiu rapidamente com a introdução de novas soluções em biotecnologia. Porém toda mudança provoca uma certa resistência por parte do setor, que questiona o seguinte: “Mas o uso da biotecnologia é seguro e traz resultados?”.
A resposta está nesses últimos 10 anos, em que o setor vem aplicando as melhores tecnologias, conseguindo elevar a produtividade dos canaviais. Empresas de biotecnologia, multinacionais e órgãos de pesquisa vêm trabalhando junto ao setor, possibilitando o plantio de milhares de hectares de mudas de qualidade.
Quando avaliamos a dimensão das áreas plantadas com mudas que passaram pelo processo do cultivo in vitro, seja para renovação de área, expansão de novas variedades, limpeza e aumento do vigor das plantas e formação de viveiros, temos uma resposta segura e satisfatória com os resultados alcançados. Uma frase que costumamos ouvir do setor é: “Sabemos da importância das melhorias no manejo e dos tratos culturais, mas, sem a introdução de novas variedades sadias e vigorosas, não teríamos o aumentado da produtividade “.
A biotecnologia vem trazendo benefícios para o setor, seja através de pesquisas voltadas para o melhoramento genético de novas variedades, seja do cultivo in vitro para multiplicação de plantas livre de patógenos e alto vigor vegetativo.
O melhoramento genético da cana-de-açúcar tem um papel fundamental no incremento da produtividade através do desenvolvimento de novas variedades, seja pelos métodos convencionais de cruzamento, ou pela transformação genética para incorporação de novos genes de interesse. O sequenciamento do genoma da cana abriu um leque enorme de oportunidades para o setor, e, futuramente, teremos canaviais mais produtivos adaptados a solos restritivos e com resistência ao estresse hídrico e às principais pragas e doenças.
Já o cultivo de mudas in vitro é uma técnica mundialmente utilizada para a propagação de plantas sadias e vigorosas. Trata-se de uma ferramenta de grande importância, tanto que o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) criou, em 2014, o National Clean Plant Network (NCPN), Rede Nacional de Plantas Limpas, para fornecer materiais de propagação vegetativa livres de patógenos das principais culturas, garantindo a competitividade global dos produtores dos EUA.
Temos outros programas na Europa que visam ao mesmo fundamento, a segurança da cadeia de fornecimento de mudas para os produtores. Já a Ásia vem se destacando como um grande player de cultivo in vitro, para atender à demanda de mudas para os seus principais setores econômicos e também para vários outros países.
Atualmente, as instituições de pesquisa e melhoramento de plantas de todo o mundo fazem intercâmbio de materiais promissores, através do envio de plantas in vitro, garantindo, assim, a circulação de plantas livres de doenças. Países como a Índia e a China vêm investindo na introdução de novos materiais genéticos in vitro e construindo laboratórios, através de iniciativas governamentais e empresas privadas, visando à ampliação do censo varietal.
Países como Guatemala, República Dominicana, Indonésia e Paquistão, que são produtores de cana-de-açúcar e possuem usinas de maior capacidade, já possuem seus próprios laboratórios de cultivo in vitro para atender à produção interna.
No Brasil, tivemos uma época de expansão de laboratórios dentro das usinas, porém quase todos fecharam devido à falta de mão de obra especializada e à baixa tecnologia existente na época.
Porém, na última década, a modernização da tecnologia in vitro e os investimentos das empresas de pesquisa RIDESA e IAC no lançamento de novos clones promissores e do CTC no desenvolvimento de variedades geneticamente modificadas abriram a necessidade da propagação desses novos materiais.
Com esse cenário, surgiram as biofábricas, que são laboratórios de cultivo in vitro para a produção de mudas em larga escala. Empresas multinacionais investiram em novas tecnologias de produção de mudas com base no cultivo de meristema, o que garantiu o fornecimento de mudas de qualidade para o mercado nacional. Nesse contexto, passamos a operar nesse seguimento para atender a crescente demanda de mudas de qualidade.
Mas como a tecnologia garante a sanidade dos materiais a serem multiplicados livres de patógenos, comparado com o sistema de multiplicação convencional, realizado por seguimentos de plantas?
Podemos observar, na foto tirada no microscópio eletrônico, bactérias (seta) que ocasionam doenças nos vasos condutores de um colmo de cana-de-açúcar, impedindo o crescimento da planta e, consequentemente, reduzindo a produtividade.
Há vários artigos científicos abordando os impactos das bactérias Leifsonia xyli subsp. Xyli (raquitismo-da-soqueira) e Xanthomonas albilineans (escaldadura-das-folhas) na produtividade dos canaviais, podendo causar redução de produtividade na ordem de 5% a 30% em determinada época do ano ou região, ou podendo chegar a níveis mais críticos, infectando todo o canavial. Essas bactérias podem ser eliminadas através da extração do meristema.
O meristema é a região da planta em intensa atividade celular, com alta capacidade de regeneração e pequena quantidade de patógenos. Essa região é formada pelo domo meristemático e vários primórdios foliares e, quando extraídos corretamente, garantem uma produção de mudas de alta qualidade.
Porém essa tecnologia exige recursos, como mão de obra especializada e conhecimento científico. Além disso, um dos maiores desafios é a necessidade de investimento em melhorias do processo produtivo, tornando-o mais eficiente e competitivo quando comparado ao método convencional de propagação. Devemos reforçar que o uso de gemas laterais para a formação das mudas, mesmo que acompanhado do tratamento térmico, não é eficiente para garantir mudas de boa qualidade.
Para o raquitismo-da-soqueira, o tratamento térmico vai ajudar a eliminar ou abaixar o inóculo das bactérias presentes nas gemas, mas, para a escaldadura-das-folhas, o tratamento térmico não é eficiente, e ainda não temos nenhum tratamento químico para o controle da doença.
Nesse caso, a produção de muda de cana in vitro, através do cultivo de meristema, é o único caminho para a eliminação desses patógenos e oferece uma rota segura para a formação de novos campos livres de doenças.
Hoje, o Brasil tem a maior área plantada com mudas in vitro de cana-de-açúcar no mundo, podendo ser áreas de expansão via meiose para acelerar a introdução de novas variedades e áreas com novas variedades, convencionais ou geneticamente modificadas. Essa realidade nos dá a certeza de que o setor continuará crescendo.
A biotecnologia já é uma realidade para muitas usinas e fornecedores de cana-de-açúcar. O uso de novas tecnologias exige mudanças e adaptação de manejo para garantir o sucesso na produção, porém, na avaliação dos resultados, a tecnologia garante incremento da produtividade, tornando o setor mais competitivo e sustentável.