Coordenador de Graduação da Engenharia Agrícola da Unicamp
Op-AA-05
O sistema de cana picada, mesmo sendo uma tecnologia ainda muito “jovem”, tende a consolidar-se como o processo padrão para a colheita da cana-de-açúcar, assim como ocorreu com o trigo, milho, soja e outros. Atualmente, podem ser relacionadas várias vantagens desse sistema de colheita, tais como: permitir a colheita da cana crua; apresentar custos de colheita competitivos e ser a única opção disponível no mercado, com oferta de peças e serviços suficientes, para viabilizar as operações.
Mesmo assim, cabe uma análise mais crítica da colheita, orientada à discussão de caminhos tecnológicos alternativos para os gargalos desse sistema. A colheita da cana envolve três operações simples, que são o corte dos colmos na base e no ponteiro e a retirada das folhas. No entanto, ainda hoje existe uma carência preocupante de processos que efetuem essas três operações, eficientemente.
O corte de base, se manual, envolve problemas ergonômicos, que afastam a mão-de-obra dos canaviais e continua a gerar tensões entre produtores e sindicatos. O corte de base mecanizado está associado a perdas importantes e contaminação da matéria-prima com terra, além de demandar potência em níveis 30 a 40 vezes superiores aos necessários para o corte dos colmos propriamente ditos.
O corte dos ponteiros freqüentemente não é realizado; no caso da colheita mecânica, por deficiência dos mecanismos e, no corte manual, porque prejudica a produtividade do cortador. O despalhamento foi historicamente resolvido através da queima, mas, à medida em que a legislação impede essa prática, verifica-se um aumento dos custos, pelo baixo rendimento no corte manual e pela baixa eficiência e altas perdas no corte mecânico.
Deve-se considerar que, dependendo das condições do canavial e das opções feitas para operar as colhedoras, em relação ao nível de impurezas, qualidade do corte de base e velocidade de deslocamento, as perdas estarão, na maioria dos casos, na faixa de 5 a 10 %. Para efetuar as três operações básicas, é necessário colocar os equipamentos no campo, e isto traz associadas outras restrições que podem ser consideradas severas numa análise da sustentabilidade do setor canavieiro, a longo prazo.
Uma primeira restrição está associada com a inclinação do terreno. Aceita-se, atualmente, que a expansão da cana deva acontecer em áreas planas. Este conceito, já consolidado, foi imposto pelos equipamentos de colheita. Fatores positivos, como solo fértil, curta distância à indústria, proximidade de rodovias asfaltadas e a presença de fornecedores culturalmente adaptados à produção de cana, deixam de ser aproveitados, em função do fator declividade do terreno.
A engenharia de veículos fora de estrada já dispõe de recursos, como tração e direção em quatro rodas, adequados para garantir, com custos competitivos, a mobilidade das colhedoras em áreas com inclinações superiores ao limite de 12%. Uma segunda restrição está associada ao tráfego intenso dos equipamentos de colheita nas entrelinhas de plantio. Já de longa data os especialistas em solos orientam-nos para conservar a estrutura do solo para conseguir manter níveis de produtividade elevados.
A colheita mecânica não está alinhada com essa recomendação. Embora a condição de pisoteio intenso praticado atualmente na colheita mecânica não possa ser eliminado a curto prazo, é necessário ponderar sistemas alternativos, envolvendo técnicas de controle de tráfego cujo desenvolvimento e implantação não dependem de resultados da pesquisa de fronteira e estão perfeitamente ao alcance dos recursos da engenharia e da capacidade de investimento do setor canavieiro.
As técnicas de controle de tráfego poderiam ser aplicadas com sucesso através das unidades de potência de bitola larga “gantries”, operando no esquema de tráfego controlado, e dessa forma, viabilizar o sistema de plantio direto da cana, com redução da compactação, dos custos e dos investimentos; diminuindo também o estoque de peças e simplificando a manutenção mecânica pela menor diversificação de modelos de tratores e implementos.
Verificamos correntemente que é pequeno o interesse das grandes empresas fabricantes de máquinas agrícolas pelo desenvolvimento de tecnologias específicas para o setor canavieiro brasileiro, sem que estas sejam apenas adaptações das já desenvolvidas para outros setores da agricultura, com maior potencial de mercado.
Parcerias entre usinas, pequenos ou médios fabricantes de equipamentos e institutos de pesquisa podem preencher adequadamente esta lacuna. É necessário que sistemas alternativos de mecanização da colheita sejam propostos e testados, para que seja, progressivamente, reforçado e consolidado o perfil sustentável da atividade canavieira.
A Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp vem desenvolvendo, com auxílio da Fapesp, uma proposta de colheita para as condições acidentadas da região de Piracicaba e seguramente tem a contribuir no tema controle tráfego, se for abordado. Trata-se de um desafio complexo, mas exeqüível, desde que sejam quebrados certos paradigmas para o qual apenas a comunicação e o debate podem dar início. Ignorar certos impactos ambientais pode, a longo prazo, comprometer os resultados das empresas, se surgirem no mercado concorrentes ambientalmente melhor estruturados.