Diretor Geral da NRG Consultoria em Energia e Meio Ambiente
Op-AA-13
A longo prazo, a sustentabilidade, da produção de etanol a partir da cana-de-açúcar tem, no aspecto ambiental, o seu calcanhar de Aquiles. Seu preço no mercado futuro de combustíveis está solidamente posicionado: a própria OPEP projeta para os próximos trinta anos, um patamar mínimo para o barril do petróleo de referência entre US$ 50 e US$ 60, como resultado do aumento dos custos de produção das novas reservas em exploração comercial.
Esse preço mínimo do barril de petróleo sinaliza um custo de oportunidade para o etanol, mais que suficiente para remunerar a sua produção a partir da cana-de-açúcar, nos moldes atuais. Na prática, esse preço significa uma margem, entre custo de produção e preço no mercado, de mais de US$ 20 por barril equivalente de etanol. Esse valor cobre, com sobra, as demandas sociais concentradas na produção agrícola, em função da baixa remuneração, tanto do capital empregado na terra, como no trabalho assalariado e temporário nela utilizado.
Se a referida margem vai ser distribuída pela cadeia produtiva ou vai permanecer concentrada nos elos de comercialização pós-usina, é algo que teremos de esperar para ver. Do lado ambiental, pode-se analisar os impactos do etanol da cana-de-açúcar, em dois níveis. No nível global, seu uso na substituição da gasolina resulta em ganho ambiental pelo seu balanço extremamente positivo de carbono.
Enquanto o etanol do milho fornece 1,1 carbono armazenado, contra 1 carbono fóssil consumido, o etanol da cana-de-açúcar fornece 3,8 carbono armazenado, contra 1 carbono fóssil consumido. Apesar dessa vantagem em escala planetária, nas esferas local e regional são onde residem os problemas. Na parte do cultivo agrícola, além das questões comuns às monoculturas, com seus impactos sobre a biodiversidade, preocupa a não observância do Código Florestal, no que se refere às áreas de preservação permanente e à Reserva Legal, além do uso persistente da queimada, como parte do método de colheita.
Os grupos empresariais com maior exposição ao mercado externo já buscam sua conformidade à legislação, mas essa ainda não é a prática dominante. Na área industrial, o principal problema é o tratamento da vinhaça, que não tem ainda um padrão aceitável, embora já existam tecnologias economicamente viáveis. A fertirrigação, uma válvula de escape criada para dar tempo à busca de uma solução, enquanto o solo e o lençol freático não se saturam com o acúmulo, particularmente, de Potássio, ainda predomina, apesar das crescentes evidências de sua inviabilidade.
A expansão da produção que ora se assiste é, sem dúvida, uma oportunidade para a superação desses problemas. Frente às preocupações com a pressão sobre o Cerrado brasileiro, a melhor solução é combinar a ação governamental e as iniciativas do setor privado, para dois objetivos imediatos: ordenar a expansão das lavouras de cana, através de um zoneamento ambiental, e incentivar a certificação ambiental.
O zoneamento do Cerrado é urgente, uma vez que antes mesmo da expansão da cultura de cana-de-açúcar, esse bioma já foi reduzido para algo entre um quinto e um terço da área original. Sua consecução depende apenas de um esforço coordenado de diferentes esferas de governo e dos entes federados. Para tal, basta vontade política. Coisa diferente disso é a certificação ambiental que, pelas iniciativas em andamento, necessita ainda de definições básicas.
Em primeiro lugar é preciso decidir o papel do Governo na certificação. Nesse ponto, é preciso ter em mente que a força dos sistemas de certificação vem do fato deles serem voluntários. Ou seja, a adesão de qualquer empresa a um dado sistema de certificação pressupõe sua disposição para a conformidade não só a leis e normas existentes, mas, principalmente, a padrões de produção, intra e extra fábrica, que vão além do que já é legalmente exigido.
Esse “plus” é que valoriza o certificado. Coerentemente, sistemas de certificação que se atêm ao estritamente legal tendem à banalização, como mostra a experiência das inúmeras séries ISO. Um segundo aspecto a levar em conta é que a certificação é, idealmente, um instrumento de mercado, voltado ao atendimento de demandas, que têm origem nos consumidores dos produtos certificados.
No caso do etanol, as demandas vão desde a garantia de que não há trabalho escravo na produção da cana-de-açúcar e do álcool, à certeza de que a produção agrícola não eliminou recentemente alguma floresta nativa. Evidentemente, combater o trabalho escravo e a derrubada ilegal de vegetação nativa são partes da obrigação do Estado, mas isso não significa que esse mesmo Estado tenha condição de garantir que algum volume de combustível em comercialização esteja livre destes e outros crimes.
Essa limitação é parte das razões pelas quais foram criados os sistemas voluntários de certificação: os consumidores pagam para que essa garantia seja dada por terceiros, legalmente vinculados aos pareceres e atestados que venham a emitir. Nesse momento, uma importante contribuição do Governo Federal viria da clara delimitação das áreas onde é desejável que ocorra a expansão da produção de cana-de-açúcar e onde ela não é desejável.
Isso representaria uma orientação clara para as dezenas de empreendimentos que – na falta de diretrizes – tem de tomar suas decisões sobre localização industrial e área de influência agrícola, correndo riscos desnecessários. Essa orientação, por sua vez, facilitaria muito o estabelecimento de sistemas de certificação independente.