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Alexandre Enrico Silva Figliolino

Diretor da Abag - Associação Brasileira do Agronegócio

Op-AA-40

Vamos ter fé

Nas relações comerciais humanas, costumam acontecer três tipos de situações: a primeira é o ganha-ganha, que é a situação ideal e altamente sustentável, porém necessita de muita inteligência, diálogo e visão de longo prazo para vigorar; a segunda é o ganha-perde, que é até normal de acontecer, face à ambiciosa natureza do homem, que sempre procura extrair o máximo nas suas negociações.

Normalmente, essa relação não se sustenta em longo prazo; e, por último, o perde-perde, fruto da burrice, da falta de compreensão e do diálogo entre as partes, que é insustentável até no curto prazo, pois não beneficia ninguém e é totalmente irracional. Infelizmente, o que observamos no tratamento ao setor sucroenergetico pelas políticas públicas, no que diz respeito à definição do papel do etanol na matriz de combustíveis e da biomassa na matriz de geração de energia elétrica, nos faz acreditar que estamos em meio a um perde-perde sem precedentes, como procuraremos demonstrar a seguir.

Os números de importação de gasolina mostram gastos de US$ 3 bilhões em 2012 e US$ 2,2 bilhões em 2013, redução conseguida graças ao aumento da mistura de etanol anidro na gasolina, de 20% para 25%, e ao aumento da competitividade do etanol hidratado em relação à gasolina. As importações de derivados são, hoje, de montantes bastante expressivos e representam perdas de empregos aqui no Brasil. Esses volumes importados de gasolina poderiam ser substituídos por produção de etanol, gerando renda, empregos e impostos localmente.

Além disso, essas importações, em face da não paridade com os preços internacionais, causaram uma perda à nossa Petrobras de R$ 1,6 bilhão em 2012, R$ 1,1 bilhão em 2013, e são estimadas perdas de R$ 2,9 bilhões em 2014.

Essas perdas ocorrem num momento muito ruim para a empresa, que se encontra em meio ao grande desafio de colocar o pré-sal em marcha, demandando investimentos de grande montante, em valores ao redor de R$ 100 bilhões por ano. Com isso, a Petrobras tende a apresentar níveis de alavancagem, no importante ratio dívida/EBITDA, superiores a 3,5 – ameaçando sua condição de investment grade.

Sem falar que toda essa situação causou relevante perda do seu valor de mercado. Hoje, é menos da metade do que já chegou a valer no passado.

Portanto essa política retro-oitentista, de segurar inflação via represamento de preços, está causando um claro perde-perde para o setor sucroenergetico e para a Petrobras. Alguns membros do governo, movidos por interesses não claros, insistem em que essa política beneficia o consumidor. Será? Na falta de investimentos que estamos vivendo, o que será da oferta futura de etanol? Então, de que adianta um fugaz benefício de preços contidos no curto prazo, que, no longo prazo, causarão escassez, redução de oferta e, eventualmente, explosão dos preços artificialmente contidos no passado? Isso é bom para o consumidor no médio e no longo prazo?

Outro aspecto nefasto dessa política é o rombo que está causando nas contas externas brasileiras, dado o peso que a importação de combustíveis vem tendo na balança comercial, que vinha apresentando saldos superiores a US$ 20 bilhões até 2011 e que, hoje, ameaçam ficar negativos ou, no máximo, no zero a zero neste ano. Lembrando que nossa conta corrente deve atingir déficits por volta de US$ 80 bilhões, numa clara deterioração dos antigos bons fundamentos da economia brasileira, e ajudam a ameaçar o grau de investimento do Brasil também.

Ademais, todos sabem da importância do agronegócio brasileiro nas exportações, com volumes próximos a US$ 100 bilhões. Açúcar e etanol representam 14% de participação e despontam como o terceiro item mais importante da pauta, atrás apenas dos complexos soja e carnes.

Outra situação que causa perplexidade é o extremo descaso do governo com a produção de energia elétrica oriunda de biomassa. O setor, hoje, oferta ao SIN (Sistema Interligado Nacional) apenas 1.720 MW médios, quando, potencialmente, poderia exportar o triplo desse volume e, num futuro próximo, muito mais, pois o potencial é muito grande.

Mas, infelizmente, uma visão de curto prazo que privilegiou excessivamente a modicidade tarifária alijou, nos últimos anos, essa e outras fontes dos leilões de energia, principal porta de entrada para o sistema elétrico nacional e que propicia contratos de longo prazo, imprescindíveis à obtenção de financiamentos. Nosso crescimento recente de oferta de energia ficou excessivamente concentrado na fonte eólica e nas grandes geradoras hidráulicas, todas cada vez mais distantes dos principais centros de carga do sistema, causando elevados custos de transmissão.

Atrasos na construção e na interligação ao sistema foram observados, levando a elevados prejuízos, em função da situação atual de escassez de chuva que enfrentamos. Na realidade, faltou uma visão de longo prazo, que, além da modicidade tarifária, levasse em conta outras externalidades positivas, inerentes a demais fontes, incluída aí a biomassa.

Hoje, além da ameaça de apagão, sofremos um enorme rombo nas contas do setor elétrico, que serão, em breve, colocadas na fatura do consumidor ou do contribuinte, que, mais cedo ou mais tarde, são os únicos a pagar essa conta. Isso devido à necessidade de se colocar em operação as famosas, caras, ineficientes e poluentes termoelétricas a óleo, algumas despachando com custos superiores a R$ 1.000,00 por MWh. Energia de reserva indo para a base do sistema. Uma vergonha para um país tão abençoado por Deus em termos de fontes de suprimento de energia e tão amaldiçoado por políticos e técnicos inconsequentes.

Sem falar que energia elétrica de biomassa e etanol, em conjunto, são as melhores alternativas para projetos nas regiões de fronteira agrícola, pois um ajuda a viabilizar o outro, e a produção de açúcar, nesses lugares, muitas vezes não se justifica, dada a precariedade logística para transportar esse produto em longas distâncias até o porto ou aos principais centros consumidores.

Se isso não é perde-perde, o que virá a ser, então?

O que devemos dizer para aqueles metalúrgicos das indústrias de bens de capital de Sertãozinho, que estão de braços cruzados, face à ociosidade das fábricas onde trabalham, por falta de encomendas, em função da ausência total de estímulos aos investimentos e de políticas públicas?

Outro ponto para destacar como situação de perde-perde é a desgraça logística deste País: fruto da incompetência e da falta total de planejamento e de capacidade de executar projetos. Esse caos não tem ganhador. Para se ter uma ideia de perda de produção durante o transporte: ficam nas estradas 40% de soja, 60% do milho produzido no Mato Grosso, e o açúcar consome, em média, 20% do preço FOB Santos, pois, para essa commodity, as distâncias até o porto são, felizmente, menores que a da soja. São números absurdos, que nos envergonham e tiram a competitividade do agronegócio brasileiro tão arduamente conquistada da porteira para dentro.

Mais um perde-perde que aconteceu, graças a visões autoritárias, estatizantes e anticapitalistas de total aversão ao lucro que dominou o pensamento de importantes cabeças de Brasília em um passado recente, foi aquele que empacou diversos programas de investimento em infraestrutura, que já poderiam ter ocorrido, rendendo bons frutos e retorno para o nosso País. Mas, quem sabe, depois de errarmos tanto, não tenha chegado a hora de colocarmos o trem nos trilhos e tentarmos rapidamente recuperar o tempo perdido.

Velho ditado: a esperança é a última que morre.

Vamos ter fé.