Diretor da Bioagência de Fomento de Energia de Biomassa
Op-AA-29
Em meados da década de 70, quando o termo segurança energética ainda não estava na pauta de nenhum governo mundo afora, o Brasil, pressionado pelos sucessivos choques de preços do petróleo, tomou uma iniciativa ousada e pioneira para alcançar não só a sua segurança, mas principalmente a sua independência energética. Éramos outro país, diferente do que somos hoje, e ainda mais diferentes do que poderemos ser.
Vencemos no passado da mesma forma que venceremos no futuro. A indústria sucroalcooleira nasceu, cresceu, cumpriu o seu papel de reduzir a dependência do petróleo importado em nosso País e hoje se destaca entre as demais pela sua enorme capacidade de adaptação e rápida resposta às perspectivas de crescimento.
A sua atratividade é reconhecida e evidenciada pela presença de grandes grupos econômicos internacionais em nossas fileiras, buscando aqui a alternativa de transição energética dos combustíveis fósseis do século XXI.
Há um paradoxo nos números conhecidos de todos. Desde 2005, quando o setor começou a crescer, com taxas de fazer inveja aos chineses, a capacidade de produção, tanto de açúcar quanto de etanol, parece não ser suficiente para atender à demanda dos mercados interno e externo.
O mundo mudou nesta primeira década deste novo século. Países que, até então, ocupavam um papel secundário no cenário internacional despontam agora como potências econômicas.
A renda está sendo mais bem distribuída, gerando aumentos significativos na demanda de alimentos e de energia, que passaram a ser vistas, pelos governos e empresas, de forma estratégica. Somos o maior e o mais importante supridor de açúcar no mercado internacional e podemos ocupar essa mesma posição em relação aos biocombustíveis.
Os balanços de oferta e demanda de petróleo e as demandas por alternativas sustentáveis criam um ambiente favorável ao consumo do etanol em larga escala em todo o mundo e não somente no Brasil.
As barreiras impostas ao livre comércio do etanol, até então justificadas para proteger as indústrias locais, nos países consumidores, vão gradativamente sendo eliminadas, sejam pelos aumentos dos custos de produção, a competição direta com os alimentos, ou a necessidade de reformas econômicas profundas desses países.
O etanol de cana-de-açúcar firma-se como o mais competitivo e o mais eficaz produto capaz de substituir os combustíveis fósseis e como importante fator de redução dos gases do efeito estufa, alinhando-se ao conceito de baixo carbono, que certamente será a força motriz do desenvolvimento sustentável deste século.
O reconhecimento pela agência de proteção ambiental dos Estados Unidos (EPA) do etanol de cana-de-açúcar como um biocombustível avançado reforça essa tendência.
A iminente eliminação dos subsídios ao etanol de milho e às barreiras tarifarias ao etanol importado nos Estados Unidos abre uma oportunidade sem precedentes ao crescimento da indústria do etanol. O setor sucroenergético ainda precisa atender à demanda de um mercado interno de combustíveis que se expande de forma acelerada, acima do ritmo de crescimento do País.
A forte presença do Estado nesse mercado, tanto na produção como na regulação, coloca em competição dois modelos distintos, que necessitam de marcos regulatórios mínimos e claros, para garantirmos o abastecimento da frota nacional e não corrermos riscos de vermos um país com o potencial de ser o grande supridor mundial de combustíveis tornar-se um dos maiores importadores desses produtos.
Gasolina e etanol têm produção, comercialização e gestão distintas. Recentemente, coube à ANP a tarefa de garantir a convivência dos modelos estatal e privada dentro das regras de mercado. Esse modelo, se bem definido, poderá gerar uma saudável e positiva concorrência pela matéria-prima entre açúcar e etanol nos próximos anos, pois se trata de mercados com fundamentos distintos e que muito provavelmente estarão desarbitrados entre si.
No modelo atual, sempre que for necessário ajustar os preços do etanol para conter ou acelerar a demanda, a gasolina absorverá essas flutuações de volume, resultando em ajustes na produção das refinarias da Petrobras em um curto intervalo de tempo. Sem uma política clara definindo qual a parcela que cada combustível terá no futuro e com a crescente demanda, essas flutuações poderão trazer consequências sérias ao abastecimento e ônus incalculáveis a ambos os setores.
Cabe ao órgão regulador desenvolver uma política de convivência entre gasolina e etanol, explorando as potencialidades de cada produto. Em um país de dimensões continentais, essas diferenças deverão servir como vetores dessa política, em benefício do desenvolvimento socioeconômico de cada região.
A cana-de-açúcar tem limites técnicos que a gasolina não tem. Tirar proveito dessa situação pode constituir-se uma vantagem competitiva que nenhum país do mundo tem.
O Brasil desenvolveu uma matriz energética em que os biocombustíveis são competidores e não apenas aditivos dos combustíveis fósseis, que reúnem condições extremamente vantajosas para ambos. Esse equilíbrio exige um pacto com a sociedade com a mesma determinação que um dia nos colocou na vanguarda dos combustíveis renováveis.