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Marco Aurélio Pinheiro Lima

Diretor do CTBE - Centro de Ciência e Tecnologia do Bioetanol

Op-AA-21

A fábrica de carbono brasileira

A cana-de-açúcar é uma eficiente fábrica de carbono, cujo potencial nós, brasileiros, aproveitamos como poucos. Há 500 anos, utilizamos o açúcar contido no seu caldo, formado por átomos de carbono, que um dia compuseram o CO2 atmosférico, para adoçar o nosso cafezinho. Além disso, no último século, passamos a fermentar o caldo dessa planta e a convertê-lo em combustível líquido.

Atualmente, as usinas brasileiras são capazes de ajustar suas produções de modo a fabricar mais etanol que açúcar - ou vice-versa, em uma proporção que varia de 40% a 60%, conforme as expectativas de lucro na próxima safra para ambos os produtos.
Não satisfeitos com essa versatilidade, descobrimos um uso para a biomassa da cana, que antes era desperdiçada ou parcialmente queimada no canavial. Continuou--se a queimar, só que agora dentro de caldeiras que produzem eletricidade.

Essa energia gerada pode garantir a suficiência energética das empresas do setor e ainda permite que possíveis excedentes sejam revendidos para redes de abastecimento de eletricidade. Termoelétricas a gás, carvão ou usinas nucleares já não fazem mais sentido em diversas regiões onde se planta cana.
Em tempos recentes, novas utilidades para a cana-de-açúcar surgiram através da tecnologia.

Graças ao empenho de cientistas, dos governos e da iniciativa privada - que passa a enxergar a possibilidade de maior êxito financeiro, começam a despontar projetos industriais, ou quase industriais, de etanol oriundo do bagaço de cana e de outros produtos criados pela indústria alcoolquímica.
Dentre esses projetos, podemos destacar um que, inclusive, foi tema de uma conferência no Ethanol Summit 2009.

Falo dos plásticos verdes. Fui o moderador da mesa redonda sobre este tema, na qual, três grandes empresas - Braskem, Dow e PHB Industrial, apresentaram seus produtos e estratégias nessa que se mostra uma promissora área de negócios.
Antes de abordar as iniciativas apresentadas, é preciso explicar melhor o que é um “plástico verde”. São assim chamados os polímeros feitos a partir de matéria-prima renovável. Estes, ao contrário do que muitos pensam, não precisam ser necessariamente biodegradáveis.

O polietileno feito de cana-de-açúcar, que tanto a Braskem quanto a Dow trouxeram ao Summit, é química e mecanicamente igual ao material oriundo do petróleo. Sua única diferença é que, ao invés de desenterrar carbono e o transformar em plástico, tais empresas se utilizam da biomassa - que absorve CO2 do meio ambiente, e a convertem em polímero.

Já o produto da PHB Industrial se diferencia dos demais. Esta fabrica o poli-b-hidroxibutirato (PHB), um plástico gerado por um processo fermentativo - via bactérias naturais, não geneticamente alteradas que se alimentam do açúcar contido na cana e acumulam o PHB dentro de suas células. Certas aplicações desse material, uma vez em contato com ambientes compostáveis, degradam-se dentro de, aproximadamente, 120 dias, segundo o Diretor Executivo da empresa, Sylvio Ortega Filho.

Os plásticos verdes podem substituir os convencionais em diversas situações. Do biopolietileno, por exemplo, é possível fabricar embalagens plásticas, como sacos de arroz e açúcar, fraldas descartáveis, engradados de bebidas, baldes, etc. Sem contar que, segundo os fabricantes, não há necessidade de adaptação nas atuais máquinas de transformação de polímeros em objetos plásticos, para se trabalhar com os plásticos de fontes renováveis.

Isso desobriga as indústrias a lançarem mão de vultosos investimentos em suas plantas fabris.
Feita essa apresentação, resta-nos responder à seguinte pergunta: por que empresas de grande porte - inclusive multinacionais, têm investido quantias substanciais de dinheiro em projetos que visam produzir plásticos, semelhantes ao que temos hoje no mercado, a partir da cana-de-açúcar?

Quem participou da mesa redonda sobre o assunto alegou como principal argumento para isso a tão discutida sustentabilidade.
Conforme informações repassadas pelos empresários no Summit, cada quilograma de polietileno feito de cana captura 2,5 kg de CO2 da atmosfera. No caso do PHB, a captura chega a 4,4 kg. Dados como esses levam alguns empresários a classificar seus plásticos verdes como “grandes aspiradores de gás carbônico”.

Um argumento como esse parece fazer a diferença a favor dos plásticos renováveis em uma nova realidade na qual, segundo o Presidente da Braskem, Bernardo Gradin, a sustentabilidade será cada vez mais demandada pelo consumidor final. “Ele é quem vai determinar, independente de regulamentações ou iniciativas das empresas, a velocidade de alterações de produtos, processos e negócios para algo sustentável”, afirma o empresário.

Entretanto, um olhar mais criterioso sobre esse tema pode revelar coisas interessantes. São frequentes, por exemplo, mudanças em processos ou produtos serem anunciadas pelas companhias como demandadas por questões ambientais ou sociais. Em muitos desses casos, se vê que o motivo real - e velado, de tal transformação é o fator econômico.

O caso atual dos plásticos verdes talvez se assemelhe, inclusive, à história do etanol brasileiro durante o programa Proálcool. Há 35 anos, o que realmente fez com que o nosso país investisse tanto na fabricação de carros movidos 100% a etanol, quanto na produção de álcool combustível a partir da cana-de-açúcar, não foi o discurso “vamos salvar o planeta”.

A principal motivação naquele momento foi o aumento considerável no preço internacional do barril de petróleo que dificultou a comercialização desse produto no mercado nacional.
Durante a conferência sobre plásticos no Ethanol Summit 2009, dois dos três palestrantes comentaram que a Petrobras tem tido dificuldades em suprir por completo a demanda nacional de nafta, substância derivada do petróleo e utilizada como matéria-prima na fabricação de polímeros e outros produtos da indústria petroquímica.

Haveria, segundo eles, um déficit de 30% no suprimento desse material. Isso pode ter contribuído significativamente para o desenvolvimento de plásticos e outros produtos “sustentáveis”, como o alto preço do petróleo, que, no passado, levou ao surgimento da atual indústria de etanol brasileira.
Já que a discussão circunda sobre a sustentabilidade, é preciso colocar outro ponto em discussão. Uma das primeiras palavras que nos vêm à mente quando se fala em plástico é lixo.

Como será que os produtores de biopolímeros veem esse assunto? Será a biodegradabilidade - que libera novamente na atmosfera o gás carbônico capturado pela cana-de-açúcar, gerando um ciclo, mais eficiente que os métodos convencionais de reciclagem?
É preciso lembrar que tais métodos possuem restrições, como, por exemplo, a impossibilidade de reaproveitamento de plásticos contaminados por certos tipos de materiais - hospitalares, orgânicos etc.

Acredito que uma resposta definitiva a esse assunto só será possível de ser dada - e precisa ser dada, quando nossos cientistas concluírem uma série de cálculos. Precisamos mensurar o nível de emissões de gases de efeito estufa envolvido no ciclo produtivo dos vários tipos de plásticos, temos que calcular o consumo de energia fóssil e renovável relacionado a esses processos - entre outros, se quisermos obter respostas conclusivas.

Entretanto, gostaria de comentar uma interessante alternativa comentada por Diego Donoso, Diretor da Dow. Ele alerta sobre a eficiência da reciclagem energética no assunto lixo, utilizando os resíduos plásticos como combustível na geração de energia elétrica ou térmica. “O lixo plástico é uma fonte de energia incrível. Cada 1 kg de plástico equivale energeticamente a 1 kg de diesel. Ao enterrar plástico, é como se enterrássemos óleo diesel”, declara Donoso.

O executivo da Dow conta que algumas nações da União Europeia, EUA e Japão têm construído inúmeras usinas de reciclagem energética, evitando que mais combustível fóssil seja trazido à superfície. No Brasil, algumas iniciativas nesse sentido têm aparecido nos últimos anos. Entretanto é preciso levar em consideração nessa conversa questões como o custo de implantação dessas instalações.


Gostaria de fechar este artigo com o mesmo tema com o qual o abri. O Brasil possui uma matéria-prima, a cana-de-açúcar, que é fonte de produção do tripé açúcar/bioetanol/eletricidade. O plástico verde surge com forte apelo ambiental e, de certa maneira, convida a indústria a explorar possibilidades de gerar outros produtos com alto valor agregado.

Esse potencial precisa ser investigado por nossos centros de pesquisas e empresas do setor. No Centro de Ciência e Tecnologia do Bioetanol - CTBE, que atualmente dirijo, iniciamos o desenvolvimento de um programa para criar uma importante ferramenta computacional que visa auxiliar nessa tarefa. Nós a batizamos de Biorrefinaria Virtual.

Através da simulação computacional de processos - elaborada em cooperação com uma rede de pesquisadores, indústrias e instituições de pesquisa participantes do programa, essa ferramenta avaliará a sustentabilidade econômica, ambiental e social de uma tecnologia em desenvolvimento. Os resultados dessa análise serão comparados a uma cadeia de produção padrão do setor de cana e, quando possível, validados por empresas e instituições atuantes nessa área. Desse modo, por exemplo, será possível analisar o nível de sucesso de novas tecnologias antes de se investir pesado em plantas industriais. Esperamos que essa ferramenta seja uma de nossas contribuições na busca por um melhor aproveitamento dessa impressionante fábrica de carbono que é a cana-de-açúcar.