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Irene Maria Gatti de Almeida

Pesquisadora Científica - Bactereologista do Instituto Biológico

Op-AA-24

Doenças bacterianas em cana-de-açúcar

No Brasil, a cana-de-açúcar ocupa posição de destaque no cenário sócioeconômico desde seu descobrimento. Naquela época, o açúcar era mercadoria escassa na Europa, privilégio dos grandes senhores e produto de grande valor comercial. A cultura foi trazida para o Novo Mundo, onde se desenvolveu muito bem, transformando-se em grande fonte de riqueza para Portugal.

Entretanto, com o estabelecimento dessa monocultura, apareceram também os problemas fitossanitários, com a utilização das mudas importadas diretamente na grande lavoura. Dessa forma foram descritas várias epidemias, cujas ocorrências foram contornadas com a substituição das variedades por outras mais resistentes. A primeira dessas epidemias ocorreu em 1863 no Estado da Bahia.

A doença denominada Gomose (causada por Xanthomonas axonopodis pv. vasculorum) causou prejuízos tão grandes, especialmente na obtenção do açúcar, que um cientista alemão foi trazido ao País especialmente para estudar a doença. Foi a primeira doença bacteriana em vegetais descrita no mundo, numa época em que não se concebia que bactérias causassem doenças em plantas.

No Brasil, além da epidemia de Gomose, devem ser ressaltadas ainda as do Mosaico (1920-1930), Carvão (décadas de 1940 a 1980), Ferrugem (década de 1980) e Amarelinho (década de 1990). Em cana-de-açúcar, doen-ças são muito importantes porque causam a degenerescência das variedades em cultivo, obrigando a sua substituição periódica.

Vale a pena lembrar que, entre as quatro doenças de maior importância na cultura em nível mundial, duas delas são causadas por bactérias: Escaldadura das Folhas (cujo agente causal é Xanthomonas albilineans) e Raquitismo das Soqueiras (causada por Leifsonia xyli subsp. xyli). Além das doenças bacterianas já citadas, a Estria Vermelha, responsável por sintomas de estrias avermelhadas nas folhas e podridão de topo e incitada por Acidovorax avenae subsp. avenae, a Estria Mosqueada (causada por Herbaspirillum rubrisubalbicans), encontrada apenas no estado de Pernambuco na variedade B4362, incitando sintomas de estrias vermelhas nas folhas, a Listra Bacteriana, cujo agente causal é Pseudomonas syringae pv. syringae, responsável por sintomas de estrias foliares avermelhadas também já foram relatadas no nosso país.

A bactéria Xanthomonas sacchari foi também isolada de plantas com sintomas de escaldadura. A identificação dos agentes causais das doenças não deve ser baseada apenas na sintomatologia apresentada pelo hospedeiro, visto que diferentes patógenos (como vírus, fungos, nematóides, insetos) ou mesmo desequilíbrios nutricionais ou fitotoxidez, podem induzir sintomas semelhantes.

Além disso, diferentes gêneros e espécies bacterianos podem ser responsáveis por um mesmo tipo de sintoma e uma mesma bactéria pode provocar mais de um tipo de sintoma. A correta identificação dos patógenos é importante também para os melhoristas, que trabalham na obtenção de novas variedades, muitas delas com ótimas características agronômicas, porém mais suscetíveis.

Doenças que já foram outrora importantes, como o carvão, a ferrugem, o mosaico, a escaldadura, atualmente só não representam perigo para a cultura porque a grande maioria das variedades utilizadas possuem boa resistência e/ou tolerância. O principal método de controle de doenças é o plantio de mudas sabidamente sadias. Atualmente, grande parte das mudas que irão compor um viveiro primário é produzida em laboratório, por cultura de meristemas, técnica que garante melhor qualidade, especialmente com relação à padronização de tamanho e garantia de sanidade.

O uso de variedades resistentes é também importante. Um bom preparo do solo, a eliminação de plantas voluntárias e restos de cultura são práticas que também devem ser consideradas, especialmente em caso de utilização de variedades mais suscetíveis. A realização do roguing para eliminar plantas doentes, a desinfestação frequente dos facões de corte também são medidas que devem ser observadas.

A colheita mecânica, portanto, pode servir de importante agente disseminador das principais doenças sistêmicas. O tratamento térmico das mudas é também importante. Quando da expansão da cultura no noroeste do estado de São Paulo, na década de 1970, a quantidade insuficiente de material propagativo de boa qualidade produzido em viveiros fez com que se recorresse a material proveniente de talhões comerciais, muitas vezes sem a qualidade fitossanitária necessária para formação de novas lavouras, agravando os problemas de sanidade da cultura.

Atualmente o processo se repete, com a expansão da lavoura canavieira para diversos estados do Brasil para atender à demanda internacional de álcool combustível. Um último ponto a ser observado é que deve haver certa diversidade com relação às variedades usadas nas lavouras. Todas as vezes em que foram observadas epidemias, havia o  predomínio de apenas uma ou duas variedades em uso, com danos muito mais significativos e de difícil recuperação.