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Marcos Cesar Gonçalves

Pesquisador Científico - Virologista do Instituto Biológico

Op-AA-24

Viroses: uma real ameaça

A cana-de-açúcar apresenta mais de 200 doenças, causadas por fungos, bactérias, vírus, fitoplasmas e nematóides, relatadas em diferentes países. As doenças causadas por vírus são responsáveis por grandes quebras no rendimento da cultura, devido principalmente às reduções no conteúdo de sacarose da planta. O mosaico da cana-de--açúcar foi uma das primeiras doenças de proporções epidêmicas a ser relatada numa cultura, no início do século XIX, descobrindo-se posteriormente a sua natureza viral.

Como exemplo mais recente de epidemias virais, na década de 1990, o amarelinho causou a substituição de uma das variedades mais produtivas da época, mas ao mesmo tempo estimulou a pesquisa científica para a elucidação da etiologia viral da então denominada síndrome do amarelecimento foliar da cana-de-açúcar.

Não se pode negligenciar a importância das doenças consideradas quarentenárias no Brasil, como o Fiji disease virus, além das doenças emergentes, de reconhecida ou provável etiologia viral, que devem ser monitoradas para evitar a sua introdução e disseminação no País. Muitos vírus podem ser introduzidos inadvertidamente em novas regiões, devido a infecções latentes, exigindo cuidados especiais no intercâmbio de germoplasma, por vezes contaminado. A seguir serão brevemente discutidas a distribuição e situação atual dos principais vírus da cana-de-açúcar.

Mosaico: O mosaico da cana-de-açúcar, causado, no Brasil, pelo Sugarcane mosaic virus (SCMV), ocorre em todos os países produtores da cultura. As perdas estimadas na produção variam grandemente dependendo do período considerado e da área cultivada, podendo atingir grandes proporções. Historicamente, esta foi a principal doença de etiologia viral da cultura canavieira no Brasil.

Atualmente, a doença está relativamente controlada no país, porém, frequentemente observam-se plantas sintomáticas na avaliação de novos clones  de cana em diversas fases dos programas de melhoramento genético e, ocasionalmente, em viveiros e plantios comerciais. O recente aumento da área plantada de milho, também hospedeira do vírus, associado ao cultivo na safrinha, têm proporcionado a sobreposição de ciclos da cultura e, consequentemente, a maior exposição ao principal afídeo vetor, que coloniza o milho.

Esses fatos têm contribuído para a maior disseminação e incidência do mosaico, além da manutenção da fonte de inóculo. Em conseqüência, novas estirpes do vírus, por vezes mais severas, estão se disseminando e o mosaico continua a ser uma das doenças com potencial de causar grandes prejuízos à cultura.

Amarelinho: O amarelecimento foliar da cana-de-açúcar, popularmente referido como amarelinho, tornou-se um problema para a cultura canavieira no início da década de 1990, no Brasil e EUA. Posteriormente, a doença foi relatada na maioria dos países produtores, causando significativo declínio no rendimento de cultivares importantes.

No Brasil, a variedade SP71-6163, altamente produtiva e uma das mais plantadas até o aparecimento da doença, foi a primeira a apresentar os sintomas, atingindo perdas próximas a 50% na produção, assumindo proporções epidêmicas no estado de São Paulo. O agente causal é o Sugarcane yellow leaf virus (SCYLV), um vírus recombinante na família Luteoviridae.

Recentemente, em Cuba, a cigarrinha Saccharosydne saccharivora foi descrita como a vetora do Sugarcane yellow leaf phytoplasma, atribuído como responsável por uma das formas do amarelecimento foliar.
S. saccharivora possui incidência restrita à América Central, Caribe e Índia, o que pode explicar a ocorrência restrita do fitoplasma a algumas regiões do globo.

Doenças Quarentenárias: Cabe a conscientização para uma potencial ameaça à cultura da cana no Brasil, o Fiji disease virus (FDV), gênero Fijivirus, família Reoviridae. O FDV é encontrado em várias regiões do globo produtoras de cana-de-açúcar, como Ásia, África e Oceania e constitui uma das mais importantes doenças virais da cana na Austrália e ilhas do Pacífico Sul. Epidemias da doença ocorreram na Austrália nas décadas de 1970 e 1980, ocasionando perdas de 50% em cana-planta e até 100% em cana-soca.

O FDV e seu principal vetor, Perkinsiella saccharicida, são considerados quarentenários no Brasil. A doença apresenta alto risco de introdução e potencial de disseminação no país, uma vez que a cigarrinha vetora já foi relatada na Colômbia e Equador.

Controle e manejo varietal: A principal medida de controle das viroses consiste na seleção e no emprego de variedades resistentes, associados à prática do roguing, especialmente para o mosaico, em viveiros de mudas. Os programas de melhoramento genético avaliam as diferenças de comportamento varietal quanto à resistência às principais viroses, informação que deve ser considerada na escolha das variedades a serem plantadas, de acordo com o histórico da região.

Deve-se atentar para o uso de mudas sadias no plantio, uma vez que, além da propagação vegetativa, os afídeos vetores dos principais vírus estão presentes em nossos campos e podem disseminar os patógenos em cultivares suscetíveis, aumentando gradativamente a porcentagem de infecção após cortes sucessivos. Por estes motivos, a cultura de tecidos, realizada de maneira eficiente, é altamente recomendada na propagação de mudas e pode ser útil no controle de viroses e outros patógenos da cana-de-açúcar.

O uso da engenharia genética, com a possibilidade de introdução de transgenes derivados do patógeno, conferindo resistência a clones elite, consiste em uma forma promissora e alternativa ao melhoramento convencional no controle das viroses em curto intervalo de tempo. Há diversas pesquisas bem-sucedidas nessa área, com resultados que podem ser aplicados num futuro próximo, porém ainda existem entraves no que diz respeito à legislação e à liberação para testes de campo e plantio comercial de cana transgênica.