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Zilmar José de Souza

Gerente de Bioeletricidade da Unica

Op-AA-63

Quantas Belo Monte há nos canaviais?
No dia 13/12/2019, foi publicada no Estadão uma interessante reportagem com o título “Depois de pronta, Belo Monte quer erguer usina térmica para compensar baixa produção de energia”. De acordo com o jornalista André Borges, após gastar R$ 40 bilhões para erguer a usina hidrelétrica (UHE) de Belo Monte (PA), um projeto que, desde o início, teve a sua viabilidade financeira questionada por causa da forte oscilação do nível de água do Rio Xingu, a responsável pela hidrelétrica quer construir usinas térmicas nos arredores da hidrelétrica, para complementar sua geração de energia, o que melhoraria a produtividade da usina, mas poderia afetar os níveis de custo e de emissões globais do empreendimento, a depender da fonte térmica a ser escolhida.
 
A usina hidrelétrica Belo Monte está localizada na região Norte do País, no município de Vitória do Xingu, próxima à cidade de Altamira (PA). A usina tem capacidade instalada de 11.233 MW, com previsão de geração de 40 mil GWh ao ano. Em potência instalada, a usina de Belo Monte é a terceira maior hidrelétrica do mundo, atrás apenas da chinesa Três Gargantas (20.300 MW) e da usina Itaipu (14.000 MW). Trata-se da maior usina hidrelétrica inteiramente brasileira.
 
Mesmo considerando que o principal potencial da bioeletricidade sucroenergética está no estado de São Paulo, distante mais de 2,5 mil quilômetros da usina Belo Monte, o fato mostrado na reportagem ajuda a identificar como o aproveitamento da bioeletricidade sucroenergética agrega atributos importantes para o Sistema Interligado Nacional (SIN), como tentaremos explicar a seguir. 
 
De acordo com a Unica, o valor esperado para o final da safra 2019/2020 é de 590 milhões de toneladas de cana-de-açúcar processadas na região produtora Centro-Sul, principal do País. A partir de dados da Empresa de Pesquisa Energética – EPE, considerando a disponibilidade atual de cana estimada pela Unica e descontando o atendimento energético das usinas no processo de fabricação de açúcar e etanol, podemos calcular o potencial técnico de exportação de bioeletricidade sucroenergética para a rede em 2019 e comparar com a sua geração efetiva.
 
Esse cálculo mostra que, se ocorrer o aproveitamento pleno da biomassa presente no setor sucroenergético (bagaço, palha, vinhaça e torta de filtro) para a geração de energia elétrica à rede, a bioeletricidade tem potencial técnico de 128 mil GWh, mais de seis vezes o volume ofertado estimado em 2019 (quase 21 TWh na região Centro-Sul), o que representaria atender a mais de 50% do consumo de energia elétrica da região Sudeste do País.

O potencial técnico total da bioeletricidade na região Centro-Sul (128 TWh) é mais de três vezes superior à geração anual prevista na usina Belo Monte (40 TWh), ou seja, respondendo à pergunta no título deste artigo: se retirarmos o que já ofertamos ao SIN (quase 21 TWh), temos quase três usinas do porte de Belo Monte “adormecidas” nos canaviais, apenas na região Centro-Sul do Brasil.

O interessante também é que a correlação entre a geração mensal da bioeletricidade da cana com a média das vazões naturais mensais (de 1931 a 2007) na usina Belo Monte é negativa, indicando que, quando a geração da usina Belo Monte diminui ao longo do ano, a geração de bioeletricidade da cana para a rede aumenta, lembrando que a bioeletricidade da cana é considerada no máximo sazonal, mas não uma fonte intermitente, trazendo previsibilidade no suprimento ao SIN, funcionando como “reservatórios virtuais” para as usinas hidrelétricas do País, inclusive Belo Monte. 

Essa complementaridade com a bioeletricidade da cana no Centro-Sul ocorre porque, na faixa média da bacia do Rio Xingu até o baixo curso, onde fica localizada a usina Belo Monte, o período chuvoso vai de fevereiro a maio, com o período seco ocorrendo principalmente nos meses seguintes (junho a dezembro). Esse perfil é bem parecido com a safra no Centro-Sul, que vai de abril a novembro, quando ocorre a maior parte da geração da bioeletricidade para o SIN. Em 2019, a previsão é que 76% da bioeletricidade da cana para o SIN tenha ocorrido entre junho e dezembro, na “entressafra” da usina Belo Monte.

O setor elétrico está passando pelo relevante e bem-vindo “Processo de Modernização do Setor Elétrico Brasileiro”, capitaneado pelo Ministério de Minas e Energia. Nesse processo, será estratégico tratar adequadamente os atributos da bioeletricidade, valorizando externalidades, como a complementaridade com a fonte hídrica, a não intermitência de sua geração, as emissões evitadas, os benefícios por ser uma geração distribuída, dentro de uma governança previamente estabelecida pelos agentes públicos.

Espera-se, no Processo de Modernização do Setor Elétrico, além de tratar adequadamente os atributos da bioeletricidade, a configuração de diretrizes de médio e longo prazo estimulantes para o setor sucroenergético, dentre elas:  

• Incentivar uma contratação regular e crescente para a bioeletricidade e o biogás: com preços remuneradores no mercado regulado e incorporando as externalidades da bioeletricidade e as características de cada projeto (retrofit; greenfield; aproveitamento da palha e bagaço; geração de biogás, etc.), além de fortalecer o mercado livre de energia elétrica.

Nessa diretriz, uma sugestão interessante é estimular sobretudo o retrofit das usinas sucroenergéticas, replicando a estrutura (inédita até então) dos Leilões de Energia Existente [e Nova] "A-4“ e “A-5" de 2020 (dedicados ao carvão mineral e ao gás natural), para o biogás/biomassa no setor sucroenergético, permitindo comercializar energia advinda de empreendimentos existentes, novos empreendimentos, ampliação de capacidade instalada e modernização de empreendimentos existentes, aumento de combustível e de eficiência energética.

• Promover ações transversais no setor elétrico, considerando os efeitos positivos sobre o setor sucroenergético: aumento da integração entre setores elétrico e sucroenergético, de forma semelhante ao esforço louvável de integração setor elétrico e gás natural, observando os impactos positivos de se estimular a bioeletricidade sobre o etanol e a Política Nacional de Biocombustíveis - RenovaBio (e vice-versa).

Observa-se que são grandes desafios para os próximos anos. Em 2020, a expectativa é que haja melhora no ambiente de negócios para a bioeletricidade, estimulando uma maior participação nos ambientes regulado e livre, contribuindo para acelerar o desenvolvimento dessa fonte de geração estratégica, fato que certamente ajudará também na criação das condições necessárias para agregarmos novos “reservatórios virtuais” renováveis, sustentáveis e complementares à fonte hídrica para o setor elétrico brasileiro.