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Adriano José Pires Rodrigues

Diretor-geral da CBIE - Centro Brasileiro de Infraestrutura

Op-AA-38

Muita intervenção e pouco planejamento

A opção pela intervenção, o abandono do planejamento e a falta de respeito ao mercado são a gênese do que denominamos de desorientação energética, política promovida pelo Governo Federal a partir de 2008. Ela caracteriza-se por medidas autoritárias de curtíssimo prazo, através de intervenções que derrubam qualquer planejamento das empresas. Se o governo praticasse o planejamento e não a intervenção, poderíamos ter criado um ciclo virtuoso de energia competitiva, de investimentos, de geração de empregos, de crescimento econômico. Os efeitos da política míope curto-prazista está produzindo estragos e criando grandes esqueletos em todas as áreas do setor energético brasileiro. Merece destaque o caso do etanol, que vem sendo prejudicado duplamente: punido pelo congelamento do preço da gasolina e pela desoneração da Cide da gasolina. A falta de planejamento chegou ao limite do absurdo ao desonerar um combustível sujo e importado em detrimento de um limpo, que gera mais empregos.

O setor, que antes da descoberta do pré-sal era visto como de grande importância estratégica, a ponto de o ex-presidente Lula anunciar que o Brasil seria a “Arábia Saudita Verde”, carece de investimentos e estabelecimento de políticas de longo prazo. No rastro da euforia do carro flex-fuel, as empresas do setor fizeram pesados investimentos, muitas vezes com financiamento externo. No entanto a baixa competitividade do etanol fez com que os consumidores optassem pela gasolina no momento do abastecimento, fazendo com que as vendas do derivado disparassem, enquanto as do biocombustível se reduziram nos últimos três anos.

As vendas de gasolina C pelas distribuidoras em 2012 foram 56% maior que em 2009, e as de etanol, 40% menor, comparando-se o mesmo período. De nada adianta o governo estabelecer uma política de incentivos aos carros flex-fuel, para fomento do setor de etanol, se ele continua a subsidiar a gasolina.

Com a redução da demanda, as empresas se viram em dificuldades financeiras, levando o setor a um ciclo negativo de falta de investimento, baixa de produtividade e queda de produção. Como consequência dessas adversidades, segundo a Unica, nos últimos cinco anos, 43 usinas foram desativadas e outras 36 entraram em recuperação judicial. Desde 2008, nenhuma decisão de instalação de nova usina foi tomada no País. Só quatro unidades estão previstas para entrar em operação até 2014, mas são projetos que foram decididos antes da crise.

O resultado é que, ao invés de nos tornarmos a “Arábia Saudita Verde”, passamos a não ter etanol, nem mesmo para suprir as necessidades domésticas. Em 2010, nos tornamos importadores líquidos de etanol. Enquanto o Brasil segue políticas intervencionistas equivocadas, nos EUA, os incentivos de longo prazo impulsionaram o setor de produção de etanol. Em 2000, as usinas americanas fabricavam apenas 57% do volume das usinas brasileiras, enquanto, em 2011, a produção norte-americana representou mais que o dobro da brasileira, 230%. Com o baixo crescimento da produção, o Brasil foi ultrapassado pelos EUA na liderança do setor. Os mesmos subsídios à gasolina, que tanto prejudicam o setor de produção de etanol, também vêm fazendo estragos na Petrobras e, consequentemente, em todo o setor de petróleo nacional.

 Essa política acabou com o planejamento da Petrobras. Com o anúncio do pré-sal, ela apresentou um ambicioso plano de negócios planejando investir mais de US$ 200 bilhões a cada cinco anos. Ao mesmo tempo, o governo intervém e congela os preços da gasolina e do diesel, justo no momento em que a empresa precisa fazer caixa. A intervenção do governo criou mais deveres para a Petrobras e tirou o seu direito de estabelecer os preços da gasolina e do diesel, seguindo a tendência do mercado internacional.  Ao vender combustíveis a um preço abaixo do mercado internacional, a Petrobras vem registrando prejuízos desde 2011, resultados negativos na área de abastecimento, que prejudicam a geração de caixa da empresa, atrasando investimentos e comprometendo o crescimento da produção brasileira de petróleo e gás. Como consequência, a produção nacional de petróleo está praticamente estagnada desde 2010, com queda de 2% em 2012 com relação a 2011. No mercado de derivados, a produção doméstica foi incapaz de atender completamente à demanda interna, e, a partir de 2010, o País passou a importar grandes volumes desses produtos. As importações de gasolina entre 2010 e julho de 2013 cresceram 395%.

O setor sucroalcooleiro vem sendo penalizado por uma política de stop-and-go, que atrapalha a previsibilidade, inibindo os investimentos e o crescimento da produtividade. O setor carece de uma política de longo prazo e de um marco regulatório estável capaz de definir tal política. Desde o seu surgimento, o setor vem sendo impactado por medidas que visam ao curto prazo ou à resolução de problemas alheios ao setor energético, como o caso dos problemas relativos ao balanço de pagamentos. Nunca houve clareza com relação à participação que o Brasil deseja para o etanol em sua matriz energética. No início da década de 70, após o primeiro choque do petróleo, a alta do preço dos combustíveis no mercado internacional levou o Brasil a uma crise em seu balanço de pagamentos. Como resposta, o Governo lançou, em 1975, o Programa Nacional do Álcool, ou Proálcool, com o objetivo de estimular a produção do etanol e, dessa forma, diminuir a necessidade de importação de petróleo e derivados.

Em sua primeira fase (1975-79), o programa foi orientado para a produção de álcool anidro, para a adição na mistura com gasolina, possibilitando a redução nas importações do derivado. Com o segundo choque do petróleo (1979-80), o preço do barril de petróleo triplicou em relação ao observado no início da década, fazendo com que as importações de petróleo passassem a representar 46% da pauta de importações brasileiras em 1980. Esse novo estrangulamento nas contas externas brasileiras levou à adoção de um novo conjunto de medidas com o objetivo de incentivar o consumo do álcool. Foi criado o Conselho Nacional do Álcool (CNAL) e a Comissão Executiva Nacional do Álcool (CENAL) para agilizar a expansão do programa, e desenvolveu-se o carro movido puramente a álcool. A proporção de carros a álcool, no total de automóveis de ciclo Otto produzidos no País, aumentou de 0,46%, em 1979, para 26,8%, em 1980, atingindo um teto de 76,1%, em 1986.

A partir de 1986, com o contrachoque do petróleo, os preços do barril de óleo bruto caíram de um patamar de US$ 30 a 40 para um nível de US$ 12 a 20. Essa nova realidade colocou em xeque os programas de substituição de hidrocarbonetos fósseis e provocou o abandono das políticas públicas que viabilizaram o álcool. Esse abandono coincidiu com um período de alta no mercado internacional de açúcar, levando as empresas a priorizarem a produção dessa commodity em detrimento do álcool, causando desabastecimento no mercado doméstico. A soma de uma conjuntura de gasolina barata com desabastecimento gerou uma perda de credibilidade para o programa, provocando a primeira grande crise do setor.

No início da década de 2000, o crescimento da conscientização ambiental ressuscitou o álcool como combustível, dessa vez batizado de etanol, e criou o biodiesel. Como a população ainda tinha em sua memória o desabastecimento ocorrido no Proálcool, a solução encontrada para melhorar a aceitação foi a introdução dos carros flex-fuel. No período 2005-2012, a frota de veículos ciclo Otto cresceu 63%, uma taxa média de 7,2% ao ano. A frota flex-fuel aumentou 14 vezes no período, enquanto a quantidade de veículo movidos exclusivamente a gasolina encolheu 22% no período. Dessa forma, a frota flex-fuel ultrapassou a de gasolina e respondeu, em 2012, por 57% do total.

A hegemonia do carro flex-fuel trouxe uma nova dinâmica para o mercado de combustíveis, já que grande parte dos consumidores passou a escolher o combustível que utilizaria no momento do abastecimento. O preço relativo dos combustíveis é o critério preponderante de escolha, o problema é que o preço subsidiado da gasolina distorceu o mercado e reduziu a competitividade do etanol. Dada a diferença de rendimento entre os dois combustíveis, só é vantajoso para o consumidor abastecer seu carro com etanol, quando o seu preço estiver abaixo de 70% do preço da gasolina. O etanol não tem sido, na média, competitivo desde o início de 2011. Em abril de 2011, o biocombustível se mostrou menos competitivo, alcançando R$ 2,30, aproximadamente 81% do preço da gasolina C na época.

O etanol foi duplamente punido, pelo congelamento do preço da gasolina e pela desoneração da Cide – Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico. A partir de junho de 2012, a gasolina teve a alíquota da Cide zerada, sendo totalmente desonerada. Assim, a falta de planejamento chegou ao limite do absurdo ao desonerar um combustível sujo e importado em detrimento de um limpo e que gera mais empregos.

A baixa competitividade do etanol está fazendo com que os consumidores optem pela gasolina no momento do abastecimento, o que fez com que as vendas do derivado disparassem e as do biocombustível se reduzissem nos últimos três anos. Além da competição desleal com a gasolina, que reduz as vendas e espreme a margem de lucro dos produtores, o setor vem enfrentando adversidades, também, em outras áreas. Desde a crise de 2008, o setor tem tido dificuldade em levantar recursos para investimento em ampliação, renovação e mecanização do canavial, e, para piorar, as últimas safras tiveram seus custos aumentados por problemas climáticos.

Como consequência dessas adversidades, segundo dados da Unica, das 330 usinas de açúcar e etanol da região Centro-Sul do Brasil, responsáveis por 90% de toda a cana-de-açúcar processada no País, 60 deverão fechar as portas ou mudar de dono nos próximos dois a três anos. Pelo menos, 10 deixarão de processar a safra 2013/2014 por dificuldades financeiras. O resultado desse panorama é que o setor vem perdendo produtividade. Segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e da U.S Energy Information Administration (EIA), no Brasil, nos últimos 5 anos, a produção de etanol de cana cresceu 29%, enquanto, nos Estados Unidos, o salto foi de 185% no etanol de milho.

Com a introdução do veículo flex-fuel, a indústria sucroalcooleira poderia ter aproveitado um imenso potencial. Considerando que todo o crescimento da frota flex-fuel, de 2003 até 2012, fosse abastecido apenas por etanol hidratado, teríamos um potencial de consumo, em 2012, de 34 milhões de metros cúbicos, mais de três vezes o consumo no ano.

Para o sucesso do etanol, é fundamental o crescimento da produtividade. A situação de stop-and-go, além dos custos gerados, não permite que a indústria invista em tecnologia. Portanto, se o crescimento do mercado de etanol tivesse sido contínuo, certamente estaríamos em outro patamar de produtividade. Não adianta cobrar produtividade do setor, sem continuidade e política de longo prazo. Assim, é preciso que o poder público trabalhe no sentido de estabelecer mecanismos capazes de incentivar os investimentos e garantir a previsibilidade. É fundamental a adoção de um planejamento de longo prazo, que crie políticas públicas que estabeleçam metas de participação do etanol anidro e do hidratado na matriz de combustíveis.

Ao invés de jogarmos pela janela a nossa vantagem comparativa como produtor de etanol, com planejamento, voltaríamos a dar previsibilidade aos produtores, tendo como benefício imediato o fim das importações de gasolina, voltando a estimular a inovação, a produtividade e toda a indústria local de fornecimento de bens e serviços. Com isso, acabaria o paradoxo atual de que, enquanto a venda de carros flex vai bem, a do etanol vai mal.

A falta de políticas de longo prazo e de incentivos corretos está gerando distorções e desequilíbrios nos diferentes mercados. O principal efeito tem sido o desalinhamento entre demanda e oferta internas, que se traduz no aumento das importações, desequilíbrio de preços relativos e redução de investimentos. Estamos desperdiçando uma enorme vantagem comparativa, que é a diversidade e a abundância de fontes energéticas. A correta exploração dessas riquezas, certamente, nos tornaria um país mais competitivo e eficiente. Atualmente, dependemos da importação em todas as áreas do setor de energia. A importação de combustíveis, como a gasolina, vem batendo recordes sucessivos, importamos etanol dos Estados Unidos, dependemos do gás da Bolívia e do GNL e da energia elétrica do Paraguai.
Para o melhor aproveitamento das potencialidades brasileiras, é preciso uma política que destrave esses setores e transforme a energia num insumo que proporcione vantagem comparativa em relação a outros países. Para isso, precisamos retomar o planejamento de longo prazo, através de políticas públicas que tragam de volta a estabilidade regulatória e a segurança jurídica. Só assim será possível atrair investimentos privados de qualidade e capazes de eliminar, de uma vez por todas, o tema “apagão” das discussões sobre o setor de energia no Brasil. Algumas medidas bem-vindas seriam:
• Fim do subsídio ao combustível concorrente (gasolina);
• Volta da Cide na gasolina;
• Estabelecimento de um marco regulatório estável, com regras de longo prazo;
• Definição de políticas fiscais e tributárias de incentivos ao uso do combustível limpo;
• Discussão da presença do etanol combustível (hidratado) na matriz de combustíveis;
• Definição de metas para a participação do etanol na matriz de combustíveis do País e da realização de políticas públicas capazes de garantir a previsibilidade do setor, de forma a estimular os investimentos e o crescimento da produtividade.