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Jaime Finguerut

Gerente de Desenvolvimento Estratégico Industrial do CTC

Op-AA-32

Eficiência energética

Faz parte da sabedoria popular um aforismo que deveria ser afixado no quadro de avisos da direção das empresas e inscrito na agenda pessoal das pessoas, já que é inerente à condição humana tomar decisões no dia a dia:  ”Quem não sabe para onde vai, nenhum vento é bom. Se ventar de um lado ou do outro, será sempre um vento ruim”.

Esse ditado, uma reflexão de natureza prática ou moral, explicita uma advertência que, ao longo de mais de 40 anos de existência, o CTC - Centro de Tecnologia Canavieira, sempre observou para orientar a pesquisa na produção de cana, açúcar e álcool, com especialização em biotecnologia e biorrefinaria, tornando-se, por isso, uma referência mundial.

Depois que o Brasil se firmou como o mais eficiente na produção do etanol, o mercado passou a cobrar redução do custo final de produção, que continua mais alto que o do combustível feito de petróleo.

Quando o Proálcool começou, a gente era tão ruim quanto o resto do mundo, produzindo 40 toneladas de cana por hectare. Entre 1985 e 1998, período com preço de petróleo em queda, o setor de açúcar e álcool foi obrigado a criar novas formas de produção, fator decisivo para que o CTC desenvolvesse tecnologia diferenciada.

O resultado é incrível. Hoje, ao conhecer uma usina qualquer, é possível que ainda seja barulhenta, com visual antigo e parede escura. No entanto aquele complexo é extremamente eficiente, chegando ao índice de 96%.

Já na Flórida, nos Estados Unidos, com moendas grandes compradas do Brasil, a eficiência cai para 91 a 92 %, porque não é prioritária, já que lá eles recebem subsídios. Quando se trata de rendimento, eles estão atrasados dez anos em relação a nós. No Brasil, é como se tivéssemos equipado um “fusquinha”  com motor de 300 cv para rodar a 200 km/h. Só que gastando menos combustível por quilômetro. Assim, como um “fusca” turbinado, nossas usinas são as mais eficientes do mundo.

Com a melhoria da tecnologia e a instalação de novas unidades e aumento das unidades produtoras, multiplicamos por quarenta a produção de álcool desde 1975. Depois que as usinas passaram a funcionar com mais eficiência – e ela ainda pode crescer mais –, o foco passou a ser o custo da cana, matéria-prima responsável por dois terços do custo da produção.

E, para isso, é necessário melhorar sua produtividade, e já fixamos como meta atingir 400-500 ton/ha, que é o limite máximo possível. Teoricamente, a cana poderia chegar a 800 ton/ha, desde que o local não tivesse nuvem, com duração média do dia e da noite, sem faltar nada no solo, nem ocorrer doença.

Mas isso está longe de ser uma cana comercial, pois toda plantação enfrenta limitações. Se 800 ton/ha é considerado exagero, já produzimos uma cana de jardim que chega a 345 toneladas por hectare, o que torna viável chegar a uma variedade capaz de produzir até 500 toneladas/hectare.

A cana é uma planta complexa. Quando se cruzam duas variedades, o resultado é que podem se adaptar a ambientes mais secos, com menos fertilidade e podem crescer bastante em solos e climas favoráveis. O “pulo do gato” mundial do CTC foi correlacionar o ambiente com a qualidade final da variedade. Testes foram feitos nas diferentes regiões do País, sempre observando condições do clima, solo (teor de nitrogênio, carbono)  e acesso à água. Hoje, as grandes multinacionais que dominam parte da agricultura estão vendendo o mesmo conceito.

Desde o início, o CTC passou a trabalhar com o conceito de ambientes de produção, local onde se produz cana e não outra cultura. Em 1979, lançamos as primeiras variedades de cana revolucionárias, depois de dez anos de cruzamentos e seleção. Em média, estamos lançando duas variedades por ano, após testes com doenças, locais e condição de produção, o que significa que melhoramos dois por cento ao ano. E só selecionamos uma variedade se for de 20% a 25% melhor.

No início do Proálcool, estávamos falando em 40 toneladas por hectare e, agora, já estamos com 80 toneladas por hectare. A gente está com dez por cento do limite máximo de potencial de produção. Colocar isso na prática é o desafio. O CTC entende que é preciso radicalizar esse conceito de conjunção de variedade mais ambiente, mapear todas as alternativas de adaptação de modo que a plantação possa expressar todo o potencial que tem.

Além de conhecer a latitude, a longitude e a quantidade de água, procuramos descobrir todas as variáveis que incidem, de alguma forma, sobre o crescimento e a produtividade da cana. Assim, temos imagens de satélites para observar o crescimento da plantação ou colocar sensores no chão e utilizar mecânica de precisão.

Além do geoprocessamento, devemos nos valer dos resultados obtidos com a nanotecnologia, maneira precisa de acompanhar  detalhes importantes do desenvolvimento da variedade em estudo. Quanto à adaptação da variedade, o CTC deu início à utilização dos “marcadores moleculares” - técnica já utilizada em outras culturas.

Quando alguém vende o sêmen do boi, por exemplo, informa as suas características genéticas. Da mesma forma, com os marcadores moleculares da variedade de cana – obtidos através de análise genética –,  o CTC tem segurança para orientar os cruzamentos.

São as canas produzidas por melhoria genética que vão se adaptar a um determinado ambiente. Hoje, somos obrigados a fazer milhões de indivíduos pequenos, que a gente chama de seedlings  (resultado de cruzamentos de sementes). De um milhão de amostras, obtemos duas ou três variedades produtivas.

Além de estudar o ambiente e a adaptação, empregar marcadores moleculares e utilizar práticas agronômicas, outra “bala na agulha” que o CTC tem é a transgenia, pois, desde 1991, dominamos a engenharia genética. Com esse método, além de identificar os genes da variedade, os que interessam podem ser clonados em outra variedade, propagando uma nova variedade resistente a pragas e insetos.

Temos que ter para cada evento uma autorização específica da Comissão Nacional de Biossegurança -  CNTBio. O CTC trabalha tanto na parte regulatória quanto na técnica, para chegar ao potencial da cana, uma das maiores produtividades (400-500) entre as plantas do mundo. A cana tem essa produtividade porque é uma gramínea, selecionada para competir com as outras.

Inclusive a capacidade de fazer fotossíntese da cana  (produção de oxigênio)  é maior do que das outras. Ela tem um tipo de fotossíntese chamado C4, enquanto as árvores, o trigo, por exemplo, tem C3.

Ou seja, quando eu tenho CO2 na atmosfera e luz, a cana é mais eficiente para produzir oxigênio. A cana tem uma longa história de evolução. Começou como um arbusto crescendo em qualquer lugar, produzindo por sua própria conta. Depois foi domesticada pelos seres humanos por causa de sua doçura e passou por locais diferentes do planeta, enfrentando clima de deserto, neve ou excesso de umidade.

Então, toda essa herança genética se manifesta nas variedades recentes, que estamos conhecendo cada vez melhor. Por isso, o know-how do Brasil vai ser usado em outros países. Vamos conseguir produzir o biocombustível usando muito menos área do que hoje, aumentando a produtividade da cana por hectare, produzindo oxigênio e aumentando a quantidade de carbono no solo, o que também ajuda a fixar a terra.