Diretor-geral do CBIE - Centro Brasileiro de Infraestrutura
Op-AA-34
O setor de etanol tem sido criticado pelo governo por não ser capaz de suprir a demanda nacional do produto, devido ao baixo crescimento da produtividade. Na realidade, o setor vem sendo punido por uma política de stop-and-go que atrapalha a previsibilidade, inibindo os investimentos e o crescimento da produtividade. Falta um marco regulatório estável que defina uma política de longo prazo.
Após o primeiro choque do petróleo, no início da década de 1970, a alta do preço dos combustíveis no mercado internacional levou o Brasil a uma crise em seu balanço de pagamentos. Como resposta, o governo brasileiro lançou, em 1975, o Programa Nacional do Álcool, ou Proálcool, com o objetivo de estimular a produção do etanol e, dessa forma, diminuir a necessidade de importação de petróleo e derivados.
Em sua primeira fase (1975-79), o programa foi orientado para a produção de álcool anidro para a adição na mistura com gasolina, possibilitando a redução nas importações do derivado. Com o segundo choque do petróleo (1979-80), o preço do barril de petróleo triplicou em relação ao observado no início da década, fazendo com que as importações de petróleo passassem a representar 46% da pauta de importações brasileiras em 1980.
Esse novo estrangulamento nas contas externas brasileiras levou à adoção de um novo conjunto de medidas com o objetivo de incentivar o consumo do álcool. Foi criado o Conselho Nacional do Álcool - CNAL e a Comissão Executiva Nacional do Álcool - CENAL, para agilizar a expansão do programa, e desenvolveu-se o carro movido puramente a álcool. A proporção de carros a álcool no total de automóveis de ciclo Otto produzidos no País aumentou de 0,46%, em 1979, para 26,8%, em 1980, atingindo um teto de 76,1% em 1986.
A partir de 1986, com o contrachoque do petróleo, os preços do barril de óleo bruto caíram de um patamar de US$ 30 a 40 para um nível de US$ 12 a 20. Essa nova realidade de preços baixos da gasolina provocou o abandono das políticas públicas que viabilizaram o álcool e pôs fim aos programas de substituição de hidrocarbonetos fósseis.
O período do contrachoque do petróleo, com gasolina barata, coincidiu com um período de alta no mercado internacional de açúcar, levando as empresas a priorizarem a produção dessa commodity em detrimento do álcool, ocorrendo um desabastecimento de álcool no mercado doméstico. A submissão da politica pública aos preços baixos do petróleo inviabilizou o programa do álcool, e o carro a álcool praticamente desapareceu do mercado nos anos 1990.
Com o crescimento do preço do petróleo a partir da segunda metade dos anos 1990 e a internalização desse aumento de 1998 em diante, através de uma fórmula paramétrica que reajustava o preço dos combustíveis em todo o início de mês, além do crescimento da conscientização ambiental, ressuscitou-se o álcool como combustível, dessa vez batizado de etanol, no início da década de 2000. Como a população ainda tinha em sua memória o desabastecimento, a solução encontrada foi a introdução dos carros flex-fuel.
O mercado de etanol voltou a viver uma franca expansão, da entrada do veículo flex-fuel em 2003 até a crise econômica mundial de 2008. Além da crise econômica que levou à falta de crédito, forçando as empresas a escoarem grandes volumes de etanol a preços baixos para se capitalizarem, o governo também anunciou a descoberta da camada Pré-sal.
Esses dois eventos – em particular, o anúncio do Pré-sal – levaram o governo a abandonar o projeto Arábia Saudita verde e adotar o Pré-sal como a grande solução para os problemas energéticos brasileiros. A partir daí, o preço da gasolina foi congelado na bomba e se iniciou um processo de competição desigual com o etanol.
O volume de investimentos em novas unidades produtoras, que era crescente, entrou em uma trajetória decrescente. Na safra 2005/2006, entraram em operação 9 novas unidades; na safra 2008/2009, auge dos investimentos, foram 30 novas usinas; mas, na safra 2009/2010, esse número diminuiu para 19 – um decréscimo de 36%.
Os anos de 2009 e 2010 foram caracterizados por um intenso processo de fusões e aquisições no setor sucroalcooleiro brasileiro. As aquisições foram realizadas, principalmente, por grupos estrangeiros, como Shell, BP, Bunge, motivados pela situação grave de financiamento dos usineiros e acreditando numa retomada do consumo de etanol no mercado interno e no potencial mercado externo.
As empresas brasileiras encontravam-se fragilizadas, com alto endividamento, falta de recursos em caixa, safras ruins e falta de liquidez no mercado, o que favoreceu esse processo.
Hoje, persiste o problema das usinas que se encontram em processo de recuperação judicial, que não estão conseguindo honrar seus planos de pagamento, por causa da redução da sua capacidade de geração de caixa, já que as margens foram reduzidas pelos custos mais altos. Estima-se que empresas em recuperação judicial controlem, atualmente, 37 unidades industriais, o que equivale a 11% do total de usinas existentes no País.
A explicação para as duas crises pelas quais passou e passa o etanol é a chamada política do stop-and-go. As idas e vindas, em particular os baixos preços da gasolina que estão presentes em ambas as crises, tiram previsibilidade do investidor, gerando custos e inviabilizando o aumento da produtividade.
Portanto, se o crescimento do mercado de etanol tivesse sido contínuo, certamente estaríamos em outro patamar de produtividade.
Segundo dados da EPE e da EIA, no Brasil, nos últimos 5 anos, a produção de etanol de cana cresceu 29%, enquanto, nos Estados Unidos, o salto foi de 185% no etanol de milho.
Em 2000, as usinas americanas fabricavam apenas 57% do volume das usinas brasileiras, enquanto, em 2011, a produção de etanol norte-americana representou mais que o dobro da brasileira, 230%. Com o baixo crescimento da produção, o Brasil foi ultrapassado pelos EUA na liderança do setor.
Qual a receita do sucesso americano? Previsibilidade. Até 2022, o governo norte-americano se comprometeu, por lei, a comprar 136 bilhões de litros de etanol a um preço mínimo de US$ 1,07, reajustados anualmente.
A questão da produtividade do etanol torna-se ainda mais importante quando se observa o crescimento da demanda interna por combustíveis automotivos, que teve crescimento maior do que o do PIB brasileiro. Em 2011, por exemplo, o PIB subiu 2,7% e, o consumo, 5,7%.
Um estudo do próprio governo conclui que a elevação da importação de gasolina, nos próximos dez anos, pode chegar a 671%, caso a produção de gasolina e de etanol não cresça no mercado interno.
Não adianta cobrar produtividade do setor sem continuidade e política de longo prazo, submetendo o etanol ao comportamento interno e externo do petróleo, e o pior: subsidiando a gasolina no País. Assim, é preciso que o poder público trabalhe para estabelecer mecanismos capazes de incentivar os investimentos e garantir a previsibilidade.
Os mecanismos seriam, por exemplo, o estabelecimento de metas de participação do etanol anidro e do hidratado na matriz de combustível, através de política públicas consistentes e que não se alterem quando ocorrerem mudanças de governo. O etanol precisa de uma política de Estado e não de governo.
Caso o governo insista em subsidiar a gasolina, uma forma de dar competitividade ao etanol seria a criação de uma Cide regulatória. Essa Cide compensaria o etanol, por meio do pagamento dado ao usineiro, equivalente à diferença entre o preço da gasolina no mercado interno e no externo.
Essa compensação teria caráter transitório e desapareceria no momento em que se igualasse o preço interno e o externo. Portanto essa Cide seria zerada, caso a política de preços da Petrobras passasse a seguir o mercado internacional.
Mesmo quando a gasolina e o etanol tiverem seus preços seguindo as tendências do mercado, é necessária a criação de uma Cide ambiental, cuja arrecadação seria repassada ao Tesouro Nacional. A gasolina deveria ser taxada por ser um combustível fóssil e poluente, e o imposto ambiental funcionaria como um desincentivo ao seu consumo.
Está na hora de o governo dar previsibilidade ao setor de etanol e compreender que etanol e gasolina não são combustíveis concorrentes, e sim complementares. O Brasil precisa de uma presença bem definida de ambos na matriz de combustíveis para garantir a sua independência energética.