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Laura Tetti

Diretora da JVL Consultoria

Op-AA-20

Quem fará o movimento salvador?

Interessantes esses nossos tempos. Até setembro de 2008 - e, note-se, que escapamos do fatídico mês de agosto - tudo parecia bem. Só que o mundo caiu! Não que não existissem uns e outros chatos, aos olhos da maioria, repetindo cansativamente o cantochão: assim não vai dar... desse jeito a coisa não se sustenta... não é possível continuar assim... Mas, venceu o gosto generalizado pelo deixa pra lá e não deu outra: mais do que cair, despencou-se na real.

Uma real que nem era difícil de perceber. Só uma distração imensa (e, talvez, desavergonhada), poderia acreditar que um mercado financeiro funcionando sem controle do interesse público, inventando dinheiro-fumaça em derivativos e jogo de apostas, sem a menor relação com a economia real e o sistema de produção, poderia não arrebentar.

Só os ingênuos (espertíssimos) poderiam achar que inflar os dividendos e o consumismo de uma elite mínima, achatando o consumo e a inserção econômica da imensa maioria da população poderia sustentar o funcionamento do sistema capitalista. Mas, sendo Maquiavel ou Polyanna os responsáveis pelo presente, o fato que interessa é que, daqui para frente, passa a ser burrice mesmo, gorda e descarada, a repetição dos mesmos jargões, dos mesmos modelos de negócios, do mesmo padrão empresarial do gosto dessa entidade abstrata (e hoje fracassada, demandando dinheiro e intervenção de governo), chamada “mercado”.  

Vamos começar pela governança. Aliás, Governança Corporativa, para chamar o conceito pelo nome e sobrenome. Governança é aquilo que as empresas de auditoria – hoje, na esmagadora maioria, desmoralizadas pela incompetência, quando não pela venalidade... – exigem de outras empresas interessadas em abrir seu capital e atuar no mercado.

O mesmo mercado que, também auditado pelas mesmas empresas, avalia as boas governanças, carregou todo o mundo para a crise atual e que se mostrou, antes de mais nada, uma grande feira livre de invenção e de imoral manipulação, em favor dos próprios operadores... Vamos encarar, não é simplesmente isso?

Algumas palavrinhas da moda política - econômica e social, exatamente porque não querem dizer grande coisa, pegam bem para os pobres de espírito e fazem bonito na boca dos que não terão o menor escrúpulo em levar sempre a maior vantagem. É o caso da “transparência”, da “blindagem” e também da governança. É preciso uma boa governança? Ora, o que é preciso é ser decente.

No básico, que de tão básico é bíblico: não faça aos outros o que você não quer que seja feito a você. Decência empresarial: com funcionários, com clientes, com fornecedores. Quando é preciso auditoria (ah! As auditorias...), estudo, seminário, workshop e falação para que a tal da governança corporativa realize-se, vamos encarar que está é faltando decência na liderança do empreendimento. Sem um padrão de decência dos líderes da empresa, todo o resto é jogo de cena.

É bem verdade que, como a crise agora evidencia, o sistema econômico que se configurou nas últimas décadas ficou tão anônimo, tão sem cara, tão desvinculado de nacionalidades e até dos setores efetivos da produção, que até o óbvio perdeu-se. O setor dos combustíveis, com sua principal estrela, o petróleo, é uma evidência disso. Um processo infindável de fusões, aquisições, junções e separações, privatizações, nacionalizações, sempre indo e vindo, não impediu a horrenda história sócio-política do petróleo e a também horrenda sinuca das suas consequências atuais (da Al Quaeda às mudanças climáticas...).

No campo dos combustíveis alternativos ao petróleo (e o nosso etanol é sempre o exemplo mais visível e viável), a contradição do sistema é cruel: como está pendurado e dependente da estrutura de produção e consumo do petróleo, o etanol acaba sendo empurrado a reproduzir os mesmos modelos: grandes grupos (cada vez mais anônimos e despersonalizados) e todo um movimento de aquisições, fusões e etc.

E aí está a grande ironia do processo: para crescer, o etanol tende a reproduzir o modelo de negócios da civilização do petróleo, só que é exatamente o fracasso desse modelo que abre espaço empresarial para os alternativos. Sem caminhar na esteira do petróleo, o etanol não existe? E na esteira do petróleo, o etanol afunda com ele? Contradição sem saída?

Estamos exatamente em um ponto de inflexão do sistema. Foi em um momento como esse que Henry Ford percebeu que era preciso remunerar seus trabalhadores de modo compatível com a aquisição dos carros por eles mesmos produzidos. A prática dessa percepção mudou (e salvou) o sistema capitalista. No caso do futuro empresarial dos combustíveis do mundo sem petróleo, quem, em qual país, fará o movimento salvador?