Nossos canaviais, nos últimos 20 anos, passaram por uma profunda transformação, devido ao grande incremento na produção de cana-de-açúcar e também à crescente utilização da mecanização em todas as operações agrícolas. As usinas ganharam escala, aumentaram seus períodos de safra, e a produção de cana no Brasil, segundo dados da Unica, passou de 240 milhões de toneladas, na safra 1994/1995, para 632 milhões, na safra 2014/2015, um aumento de 263% no período, com um crescimento médio anual de 4,9%.
No cenário da mecanização agrícola, passamos da colheita manual de cana queimada inteira à colheita mecanizada de cana crua em poucos anos e também introduzimos, de forma significativa, a utilização do plantio mecanizado, praticamente eliminando o plantio manual em nossos canaviais. Essa conjunção de fatores, em um cenário de preços desfavoráveis, levou as usinas a conduzirem suas operações, tanto no campo quanto dentro da unidade industrial, com restrições, que impactaram diretamente na forma como as operações eram conduzidas. Dentre todas as operações agrícolas, a que mais sentiu essa situação foi a colheita.
Podemos citar como exemplo das dificuldades enfrentadas pelos pioneiros na mecanização da colheita a falta inicial de equipamentos dimensionados para as nossas condições, visto que os primeiros foram importados de canaviais australianos, passando pelo aprendizado e pelo treinamento dos operadores, pela definição de parâmetros operacionais, pelo dimensionamento das bitolas dos equipamentos, pelo tipo de pneus a serem utilizados, entre outros problemas. O preço que pagamos por tudo isso foi uma queda da produtividade e da longevidade dos canaviais, que estão sendo retomadas graças às ações cotidianas das usinas, baseadas na observação e na experiência dos envolvidos na condução das operações.
Todas essas dificuldades, problemas e soluções adotadas durante a introdução e a consolidação da colheita mecanizada podem e devem ser aproveitados para a introdução da “nova colheita” que aparece no contexto das operações agrícolas da cana-de-açúcar: o recolhimento da palha através de enfardamento. O aproveitamento da palha, seja através da colheita integral ou do enfardamento, vem sendo introduzido em ritmo lento, devido às condições econômicas e regulatórias que envolvem o setor elétrico, e será introduzido de forma maciça na rotina operacional das usinas, e devemos evitar todos os percalços que ocorreram na colheita descritos anteriormente.
O momento atual é ideal para isso, pois possibilita a introdução gradual da tecnologia, analisando com cuidado cada etapa da operação, visando à solução dos problemas operacionais e a uma otimização dos recursos, resultando em menor custo de recolhimento, principal aspecto com relação à viabilidade econômica dos projetos de utilização da palha para a geração de energia elétrica. Muito foi feito nos últimos cinco anos por centros de pesquisa e fabricantes de equipamentos agrícolas com relação ao desenvolvimento dos sistemas de enfardamento, porém sempre existe espaço para a melhoria da operação, ainda mais quando temos uma cadeia de suprimento com diversas operações agrícolas e industriais, como é o caso do enfardamento.
Com relação às operações agrícolas, muita atenção deve ser dada à operação inicial, o aleiramento, pois dela depende a qualidade do fardo com relação à quantidade de terra e o desempenho de enfardadora, em função do tamanho da leira produzida. A determinação da umidade adequada ao início do aleiramento, o tamanho da leira e a altura dos dedos recolhedores com relação ao solo são os principais pontos a serem monitorados. No enfardamento, operação de maior custo em toda a cadeia produtiva, devemos tomar um grande cuidado com relação à limpeza dos atadores, pois consiste no sistema da máquina que causa a maior quantidade de paradas durante a operação.
Outro aspecto importante está relacionado à escolha do barbante, pois os de baixa qualidade impactam a densidade do fardo, a capacidade de trabalho da máquina e podem demandar muito retrabalho. Com relação ao recolhimento do fardo no campo e ao seu transporte para o carreador e seu carregamento em equipamentos rodoviários, a maior preocupação é relacionada ao manuseio adequado do fardo, evitando que os barbantes sejam rompidos e, consequentemente, que o fardo se desmanche durante o transporte.
A solução para esse problema consiste na escolha do equipamento adequado e no cuidado do operador durante a operação. Além dos cuidados específicos para cada operação descritos acima, o enfardamento possui características operacionais singulares, devido à impossibilidade de aleirar e enfardar durante as 24 horas, em função da umidade da palha. Dessa forma, essas duas máquinas devem estar com total disponibilidade durante as horas de trabalho, necessitando um planejamento de manutenção e de lubrificação sintonizado com esses turnos de trabalho. Cuidado adicional deve ser tomado com relação ao clima, pois, caso ocorra uma chuva após a formação da leira, o tempo para o enfardamento é muito superior ao tempo exigido para uma área sem aleiramento.
A ocorrência de chuvas também impacta o recolhimento dos fardos já produzidos, e devemos evitar que eles sejam umedecidos pela chuva e tenham seu poder calorífico reduzido. De forma geral, os cuidados diários necessários para a condução do enfardamento são ligeiramente diferentes dos cuidados durante a colheita, mas o acompanhamento próximo pelos gestores traz um aumento na eficiência e na qualidade.
O controle e o monitoramento do cotidiano das operações agrícolas podem contar com ferramentas adicionais às utilizadas atualmente pelo setor, como levantamento das perdas, controles operacionais, entre outras, pois existem algumas ferramentas muito utilizadas na área de gestão da qualidade industrial que podem ser utilizadas na gestão da rotina das operações agrícolas, com algumas pequenas alterações. Podemos classificá-las em dois grupos distintos: o primeiro, de ferramentas de controle e monitoramento, que contempla: Histogramas – gráfico que tem como objetivo mostrar a distribuição de frequência de uma variável medida em campo – e Controle Estatístico de Processo (CEP) – técnica estatística que envolve a coleta, a organização e a interpretação de dados para o controle de um processo durante sua execução, com o objetivo de controlar e melhorar continuamente a qualidade do produto, por meio das Cartas de Controle, gráficos que estabelecem os limites de controle de cada processo.
O segundo grupo consiste em ferramentas para identificação dos problemas e suas possíveis causas. As duas principais ferramentas são o Diagrama Ishikawa ou Espinha de Peixe, que tem como objetivo identificar as possíveis causas de um problema e seus efeitos, através da relação entre o efeito e todas as possibilidades de causa que podem contribuir para esse efeito, e o Diagrama de Pareto, que é um gráfico utilizado com ordenação das causas de perdas, mostrando as mais importantes. Outra ferramenta muito interessante utilizada na Gestão Enxuta, metodologia desenvolvida pela Toyota e que transformou a manufatura, é o Genba, que significa, em japonês, “local onde as coisas se passam” e designa o acompanhamento físico no local da operação, ao longo da cadeia de operações, com o objetivo de observar atentamente o que se passa e de detectar problemas e fontes de desperdício.
Todo o difícil percurso percorrido durante o aprendizado na colheita mecanizada pode e deve ser utilizado para acelerar o processo de introdução do enfardamento da palha, e um olhar cuidadoso na gestão do cotidiano, sempre acompanhando de perto a operação e a utilização das ferramentas descritas acima, pode elevar a qualidade e o desempenho delas, através da identificação dos problemas e, consequentemente, a sua solução.