Diretor Industrial da Usina São Francisco
Op-AA-10
A cana-de-açúcar propiciou ao Brasil e ao mundo a era da nova energia, da nova matriz energética, da nova indústria automobilística e do novo consumidor. Pense nisso: sem o álcool, a frota não estaria rodando com a mesma segurança de abastecimento com o petróleo batendo nos US$ 70 o barril. E o mundo estaria à beira de um ataque paralisante, não fosse o carro flex. Esse motor deu ao consumidor o controle do mercado de combustíveis.
Pela primeira vez, o homem é livre para escolher. E não se trata de escolher um entre vários derivados de petróleo, mas entre derivados fósseis e um renovável e limpo. Tudo porque a cana tirou do petróleo o poder de determinar a matriz energética do País. O álcool não veio para assumir essa posição de domínio, mas para complementar, diversificar e ser, perante a sociedade, a nova opção.
A matriz era dominada por uma fonte finita e poluente, agora, ela tem outro componente, de nova origem, determinada pelo clima, pelo solo, pela renovação constante - como a própria natureza. O Brasil vive uma fase de transformação jamais experimentada por sua economia agroindustrial. E o mundo sabe que não encontrará país como este, para produzir a energia renovável que ele precisa para não parar.
Os canaviais estão em cerca de 5,3 milhões de hectares, aproximadamente 5% das terras ocupadas com agricultura e pecuária, dominadas pelas lavouras de soja e milho e por pastagens. No Estado de São Paulo, principalmente na região de Ribeirão Preto, capital brasileira do agroenegócio, está a maior diversificação da paisagem produtiva: a cana convive com soja, milho, amendoim, café, laranja, algodão, arroz, feijão e fruticultura, além da pecuária.
Existem no Brasil 345 usinas, mas só 105 associadas ao Centro de Tecnologia Canavieira. CTC, em Piracicaba. É pequeno, também, o número de empresas que participam da pesquisa universitária e de institutos governamentais voltados para a cana e seus derivados. Configura-se uma situação perversa, da qual o setor não consegue se livrar – o investimento de poucos para o proveito de muitos. Daí, vem a preocupação inevitável de perda da vanguarda tecnológica para os EUA, que já produz tanto álcool quanto o Brasil, e em 2007 será auto-suficiente.
Essa expansão da agroindústria canavieira no Brasil esbarra, porém, na educação e na formação de profissionais especializados, que devem conduzí-la. Enquanto quase uma centena de usinas é construída em vários estados, com capital nacional e estrangeiro, o setor sucroalcooleiro já sente falta de técnicos capacitados para tocar esses investimentos, estimados em US$ 30 bilhões. A aposta é alta, mas esse é outro desafio para a atividade.
Jamais a história do Brasil atraiu tanta e tão diversificada onda de aplicações. Pela primeira vez, depois de exatamente um século, um produto de tecnologia nacional fez o Brasil tornar-se o centro das atenções e da cobiça mundiais – do avião de Santos Dumont, que sobrevoou Paris em outubro de 1906, à consolidação do álcool como melhor alternativa energética desde o advento do petróleo, nada aconteceu na economia brasileira, para despertar tamanho interesse internacional.
É duro constatar: o estudo para conhecimento do mais importante segmento do agronegócio não tem acompanhado sua expansão, em todos os níveis de responsabilidade. Por exemplo, o investimento dos empresários em pesquisa e desenvolvimento, da lavoura à indústria, chegou a 2% do faturamento e está em menos de 1%. O ganho de produtividade era o maior da economia brasileira: 5% ao ano. Fez do Programa Nacional do Álcool, o Proálcool, o único do país a dar certo.
Enquanto pesquisa e desenvolvimento ocuparam espaço importante no organograma do setor, este chegou a deter tecnologias de perfil invejável - ainda as conserva. O álcool proporciona 156 vezes mais emprego do que o petróleo equivalente. Um carro movido à gasolina gera um emprego, enquanto um carro a álcool gera seis.
Considerada toda a cadeia produtiva da cana, são 22 postos de trabalho. Mais: a produção do veículo a álcool gera empregos na cidade e no campo, nas montadoras e concessionárias e, nas lavouras e usinas. Não há segmento da economia que se compare em desenvoltura e abrangência. Traduzido em recolhimento de impostos, diversidade, convívio e barateamento de outras culturas, responsabilidade social e benefícios socioambientais, o Brasil chegou a uma fonte única de biomassa, de inimaginável autosustentabilidade. A cana-de-açúcar se basta.
Ela não é apenas a cana, álcool e cachaça, mas produz também eletricidade, plásticos, medicamentos, papel, ração, fertilizantes, tecidos, proteína, próteses, alimentos, ceras, combustível - seus derivados substituem, saudáveis e limpos, 75% dos petroquímicos. Não poluem, até limpam o ar. A cana conserva o solo. Quem fala em monocultura de cana não enxerga. Monocultura que oferece dezenas de subprodutos?
Agora, assistimos à sua “Marcha para o Oeste”, levando e produzindo riqueza perene e multiplicadora. Em nenhum desses caminhos, os canaviais desmataram para se instalar. Ao contrário, a cana, onde quer que se fixe, recupera o solo, conserva a terra, evita erosão, recompõe a fertilidade com seus próprios elementos: vinhaça, torta de filtro, rotação de culturas com leguminosas...
E é fundamental salientar que todo esse desenvolvimento e prestígio vem, exclusivamente da garra da iniciativa particular brasileira, superando obstáculos e interferências oficiais e interesses estranhos ao Brasil e aos brasileiros. Alcançamos esse estágio investindo em educação e transmissão de conhecimento. É nossa maior conquista. O mundo a reconhece, precisamos reconhecê-la e aprimorá-la, também.