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Valmir Barbosa

Consultor Sênior da Datagro Alta Performance

OpAA71

Uma visão das políticas e tecnologias aplicadas no setor sucroenergético
Nos últimos 20 anos, a produtividade do milho no Brasil cresceu cerca de 70%, da ordem de 3.000 para 5.000 kg/ha, enquanto, nesse mesmo período, a produtividade da cana cresceu cerca de 15%, de 68 para 80 t/ha em 2009, e depois caiu para 76 t/ha atuais. Nesse período, os acontecimentos mais marcantes no setor foram a expansão da mecanização da colheita da cana sem queima e a persistente crise relacionada à expansão da área e do número de usinas de cana, associadas a fatores externos. Mas gostaria de atentar para um fator interno. 
 
Muitas empresas e produtores fizeram a mecanização da colheita e do plantio apenas adquirindo máquinas, sem preparar o canavial, os operadores, os gestores, a manutenção e as tecnologias de produção nesse novo ambiente. No final dos anos 1980, já projetávamos a eliminação da queimada, a mecanização e a necessidade de pesquisa e desenvolvimento da produção nesse novo ambiente. Veja que não era simplesmente “colheita sem queima”, mas sim produção. 

Faço essa abordagem da colheita porque é usual nas usinas, há muitos anos, a colheita atrair muita atenção. Pois é a operação da entrega do produto, é de raciocínio lógico, de senso comum, é uma operação intensa, é a interface com a indústria e, especialmente, está perto do caixa. Porém, nos últimos anos, com a exclusividade da mecanização, envolvendo altos custos e complexidade, essa tendência cresceu. As atenções se concentraram na colheita. 

Logo pela manhã, os diretores fazem ao seu gerente várias perguntas sobre a colheita, alguma sobre plantio e raramente sobre tratos, e o gerente faz o mesmo com os supervisores, os supervisores com seus líderes, até os estribos nos campos e o chão das oficinas. Nas reuniões, gasta-se longo tempo discutindo detalhes da colheita e um tempo apressado e impaciente sobre tratos e plantio, pois a reunião “desvia para detalhes técnicos”. 

Passa o tempo e, na colheita, aparece a frustração com os tratos e o plantio do ano passado. E, ainda, muitas vezes, a frustração aparece não pelo inconformismo da baixa TCH, mas sim pelo baixo rendimento da colhedora. Essa baixa produtividade causa estranheza porque não condiz com a disponibilidade de tecnologias. Hoje, temos tecnologia de informação e de equipamentos para fazer mapeamento da fertilidade e da adubação de precisão. 
 
Temos tecnologias de controle de doenças, defensivos avançados, etc. Mas as ocorrências de doenças continuam pressionando extensas áreas. Temos, atualmente, herbicidas para todas as espécies de mato. Temos equipamentos de alta capacidade, com avançada tecnologia de geoposicionamento e controle da aplicação. Mas continuamos a ter grandes extensões de canaviais com muita matocompetição. Até mesmo canaviais inviabilizados pela ocorrência de mato. 

Temos máquinas com tecnologias embarcadas, com piloto automático, com bitolas ajustadas, com pneus de alta flutuação, com avançados computadores de bordo. Temos ofertas e investimentos em treinamentos de operadores. Temos tecnologias e técnicas de geoprocessamento, tecnologias de satélite e softwares muito avançadas para a elaboração de projetos de plantio. E, ainda assim, temos grandes extensões de soqueiras com muitas falhas.

Ainda temos muitos talhões com manobras em cima da soqueira. Temos uma enorme e boa “caixa de ferramentas” para o plantio e, ainda assim, temos grandes ocorrências de plantios ruins e locais com baixa produtividade já no primeiro corte. Temos muita frequência de plantio com necessidade de replantio. Temos, nos lançamentos pelos programas de melhoramentos, portfólios com variedades cada vez mais produtivas e ricas. Os índices de atualização de variedades são progressivos. 

Mas frustrações com variedades em áreas extensas ainda são frequentes. E os teores de ART não evoluem. As perdas por frustrações ainda parecem maiores que os ganhos pela substituição. Temos inseticidas, equipamentos, softwares e aplicativos para todas as pragas. Mas as ocorrências, infestações e danos aumentaram e persistem. Para a gestão dos processos, temos ferramentas incríveis de AP, IoT, IA, etc. Mas, ainda assim, temos grandes extensões de canaviais muito ruins.  E então?! O que aconteceu? Ou está acontecendo? Nos últimos anos, muitas novidades foram desenvolvidas, mas, em sua maioria, essas novidades são ferramentas, não são práticas agrícolas. 

No final da década de 2000, simultâneo ao crescimento da mecanização e do ambiente de palhada, tivemos o início de uma “dança de cadeiras” em todos os níveis, por causa da expansão e retração do setor. Com mudanças nos objetivos, no capital, na direção, na operação, na orientação, no conhecimento, etc., que inclui rotatividade de funções, sem respeitar as habilidades e os conhecimentos técnicos dos profissionais. Apenas habilidades e boas intenções não são suficientes. Isso me lembra o professor Nadir da Glória, que, muitas vezes, me disse que “de boas intenções, o inferno está cheio”. Com isso, soluções dos problemas habituais foram perdidas e soluções para os problemas novos não foram bem desenvolvidas.
 
A rotatividade de pessoas cria um efeito oásis. Quando se tem uma liderança nova, é criada a expectativa de resultado diferente, como a visão de um oásis. Passa o tempo, e os problemas persistem, as tensões se manifestam, e o oásis esmaece. Um tempo foi perdido. O diagnóstico estava errado, trocar as pessoas não resolveu. Agora me lembro do sr. Maurílio Biagi pai, que dizia: “O administrador que espera encontrar homens prontos fracassará, pois, homens prontos não existem”.
 
A pesquisa e o desenvolvimento agrícola como iniciativa das empresas de máquinas e de insumos são fundamentais, mas ficam incompletos se não houver pesquisas da parte dos agricultores, pois devem ser eles os geradores de demandas e das inovações integradas aos processos para a produção de cana. Ou interfaces entre as diversas práticas. 

A P&D dentro das usinas é muito produtiva porque, embora com orçamentos muito baixos, são direcionadas, integradas e diretamente aplicáveis. Houve um tempo melhor. Os centros de pesquisa como o Planalsucar, o Centro de Tecnologia Copersucar e o IAC deram grande contribuição. As universidades tinham recursos e prestaram enorme contribuição com seus laboratórios, parcerias e professores como consultores e pesquisadores.
 
É sempre bom lembrar que a cana é a matéria-prima e, qualquer que seja o desenho, a cana precisa ser produzida. E sendo essa uma atividade agrícola, é bom observar a natureza da agricultura e do agricultor. A agricultura, por sua natureza, é a atividade humana que mais interação tem com o meio ambiente local. E o agricultor, independente do seu nível tecnológico e de suas ferramentas, precisa conhecer profundamente o ambiente local e as suas interações.

O bom agricultor acredita que é preciso fazer as coisas certas, na hora certa e do jeito certo para ter uma boa lavoura. Então, enquanto tentamos construir protocolos muito inteligentes, é preciso estabilizar e formar pessoas e investir em P&D para fazer evoluir o processo agrícola.