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Raffaella Rossetto

Diretora Técnica da Divisão APTA

Op-AA-24

Os avanços na tecnologia produção da cana: resíduos ou subprodutos?

Refletindo sobre os avanços da tecnologia na área do uso de resíduos para a nutrição da cana, verifica-se que, embora os resíduos continuem praticamente os mesmos, produzidos em maiores quantidades, mudaram-se muitos conceitos sobre o uso e a importância. A grande mudança acompanha a onda da sustentabilidade, na qual a reciclagem e menor geração no processo se somam a conceitos antes pouco observados, como possíveis contaminações ambientais provenientes de uso indevido, de lixiviação de íons ou emissão de gases de efeito estufa.

Sem dúvida, a questão ambiental não poderá mais ser separada da questão agrícola, de maneira que a convivência entre ambas se faz necessária. Nos últimos anos, também testemunhamos algumas oscilações com altas inesperadas nos preços internacionais de fertilizantes. Lembramos que o Brasil é muito dependente de importações de fertilizantes e que esse mercado é dominado por poucos países exportadores, numa situação similar à fragilidade do mercado de petróleo.

Mesmo com grandes investimentos, não atingiríamos autossuficiência na produção de fertilizantes, e a dependência de importações, principalmente de potássio, perdurará por muitos anos. Nesse contexto, os resíduos passaram a ter um status mais elevado. Deixamos (ou deveríamos deixar) de tratá-los como resíduos, no sentido que seu valor como fonte alternativa aos fertilizantes cresceu em importância e valor econômico. Também cresceu seu  status frente às exigências ambientais.

Reciclar resíduos e nutrientes marca ponto positivo nos Relatórios de Sustentabilidade do setor ou nas exigências para certificação orgânica. A cultura da cana-de-açúcar tem uma particularidade que a diferencia de maior parte das commodities agrícolas: os produtos exportados no sistema agroindustrial, o açúcar e o etanol contêm apenas C, H, e O, ou seja, os nutrientes minerais usados na produção do vegetal podem ser reciclados e permanecer no sistema.

Devido às extensas áreas de produção, a geração de resíduos na indústria canavieira é, por si só, impactante. Mas, pelo alto valor agregado, poderiam se constituir em matérias-primas para outras atividades agrícolas e industriais, a exemplo do bagaço, que, há muito tempo, é considerado um subproduto importante na produção de energia. Novas tecnologias de cogeração e de produção de etanol de segunda geração aumentaram ainda seu valor agregado. O mesmo poderá ocorrer com a palhada.

Nesse caso, o desafio será retirá-la do campo sem prejudicar os efeitos agronômicos tão benéficos da sua manutenção sobre o solo. A torta de filtro tem alto valor agronômico, por conter nutrientes e também alto teor de matéria orgânica de fácil decomposição. Considera-se que 50% do fósforo e do nitrogênio são rapidamente fornecidos para a cana--de-açúcar.

A outra parte fica na matéria orgânica recalcitrante, formando uma importante reserva, contribuindo para melhorar a fertilidade e garantir a sustentabilidade. Inovações no uso da torta de filtro ocorreram na adoção, em maior escala, da compostagem, que pode ser feita adicionando outros resíduos, como fuligem, gesso, vinhaça, restos de outras culturas, estercos animais, ou outras fontes de nutrientes, devendo-se verificar o interesse e a economicidade da mistura desses materiais à torta.

Foram desenvolvidos implementos e máquinas para revolver as leiras, a fim de facilitar a compostagem. Um sistema inovador é utilizado pela Usina São Martinho, SP, onde parte da torta é enterrada em sulcos, antes de  completar a compostagem, nas áreas de reforma, meses antes do plantio. Na época do plantio, os sulcos são novamente abertos no mesmo local, e a torta já se encontra decomposta, facilitando operações e evitando, assim, grandes pátios de compostagem.

Dentre as várias alternativas para o uso da vinhaça, a que mais se mostrou econômica e eficiente do ponto de vista agrícola é a fertirrigação dos canaviais. As inovações, em relação ao uso da vinhaça, caminharam em várias linhas: uma delas diz respeito a novas técnicas de irrigação, como o uso de barras irrigadoras, pivôs lateral e central e gotejo subsuperficial, buscando menores custos, menores perdas e melhoria nas aplicações. Outro aspecto diz respeito à legislação ambiental, que, em São Paulo, restringiu as doses utilizadas de acordo com a análise de solo e o teor de K já existente. 

Essa legislação visa prevenir possível risco de contaminação ambiental por lixiviação de íons. Como consequência, para reduzir custos de transporte, investe-se em concentração da vinhaça, que mantém a qualidade agronômica do resíduo. A produção de fertilizante orgânico peletizado, feito a partir de vinhaça seca, agregada à torta de filtro e outros nutrientes minerais, pode ser uma opção para a conservação da vinhaça e bom uso agronômico.

Com os conceitos de sustentabilidade cada vez mais arraigados no dia a dia do setor e com a maior cobrança dos impactos ambientais gerados, grande impulso foi dado ao gerenciamento ambiental nas empresas, que investem em capacitação. Hoje, é comum que uma usina tenha um setor exclusivamente dedicado ao gerenciamento do uso de resíduos e suas implicações ambientais, promovendo o uso agronomicamente adequado e ambientalmente correto.

O que se espera para os próximos anos? É possível que a legislação ambiental fique mais restritiva. E como estarão nossa responsabilidade como agrônomos ou nossa consciência como cidadãos? Acompanharemos os novos tempos? Será que poderemos definitivamente abolir a palavra “resíduos” e tratá-los apenas como subprodutos?