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José Campanari Neto

Diretor da MCE Engenharia e Sistemas

OpAA81

Inovações tecnológicas no setor bioenergético: cada dia uma novidade
Há poucos anos vivíamos num paraíso energético. A energia elétrica era barata e a sobra de bagaço era um grande problema. Havia necessidade de se dar um destino para toda aquela biomassa no final da safra. Chegamos ao ponto de instalar caldeiras totalmente ineficientes para incinerar o bagaço durante a safra.
 
Hoje podemos constatar como as coisas mudaram rapidamente. De um momento para outro o preço da energia elétrica disparou, tornando-se proibitiva a aquisição dessa energia da distribuidora. Rapidamente, nos movimentamos para tornar as unidades autossuficientes, caminhamos para caldeiras de maior rendimento térmico, com a pressão e temperatura do vapor mais elevadas, permitindo a instalação de turbinas a vapor de maior eficiência termodinâmica, mudando totalmente o balanço de massa e energia das usinas. 
 
Naquele momento, a “cogeração de energia elétrica” tornou-se a palavra da moda e obrigatória para todas as unidades, porém, ainda não sonhávamos em exportar energia elétrica para o sistema, uma vez que não existia a regulamentação necessária que viabilizasse essa comercialização.

Uma vez mais, tudo mudou com a regulamentação adequada para exportação de energia elétrica, e ouvimos falar em Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas), energia emergencial, autoprodutor, etc. 

Por outro lado, outras áreas indústriais começaram a se interessar pelo bagaço como combustível alternativo, como as extratoras de suco de laranja, fábricas de celulose, cervejarias e indústrias de alimentos em geral. Num instante, a tonelada de bagaço passou a valer mais que uma tonelada de cana. Quem diria que isto pudesse acontecer? A energia elétrica agora já era considerada o terceiro produto.

O tempo foi passando, e com ele a valorização das energias renováveis começou a fazer sentido. Passou a ser internacionalmente falada e aqui no Brasil não foi diferente. Agora, o mundo todo estava e está preocupadíssimo com as condições ambientais, valorizando as tecnologias de maior pegada de carbono e tratamento adequado de todos os efluentes industriais, de modo a tornar os processos industriais ecologicamente corretos.

Novamente a cana, esse vegetal extraordinariamente energético, está dentro do contexto da história, abrindo novas possibilidades e contribuindo para a sustentabilidade ambiental. Assim, sugiram novas alternativas tais como:
• caldeiras de feito fluidizado,
• biodigestão da vinhaça e torta de filtro para a produção do biometano,
• produção de amônia eletrolítica,
• produção de hidrogênio verde,
• destilarias a vácuo,
• filtros eletrostáticos em substituição a lavadores de gases,
• compressão mecânica do vapor, 
• etanol G2.

Na verdade, com a possibilidade de produção de excedentes de bagaço/energia elétrica, torna-se viável a instalação de processos eletrointensivos, principalmente aqueles relacionados ao segmento. Com tecnologia do leito fluidizado, a operação de caldeiras com bagaço de até 65% de umidade já não é mais um problema, lembrando que as demais tecnologias de combustão do bagaço limitam a umidade do mesmo em 52%. Assim, tornou-se possível operar sistemas de cogeração, mesmo em períodos chuvosos e tendo o bagaço armazenado ao tempo. A eficiência das caldeiras a bagaço aumentou nas últimas décadas de 60 para 91%.

Os atuais lavadores de gases estão começando a ser substituídos por precipitadores eletrostáticos, os quais já não mais utilizam água e possuem uma eficiência de separação muito superior, permitindo atingir a emissão de particulados nas chaminés abaixo de 50 mg/Nm3, contra os atuais 200 mg/Nm3, que os bons lavadores conseguem. Lembrando que, com esses equipamentos, as famosas ETALGs serão dispensadas.

A biodigestão da vinhaça e torta de filtro tornou-se uma realidade, produzindo um digestato com a mesma qualidade para a fertirrigação, porém não mais agressivo ao meio ambiente, com consequente produção de biometano, que poderá inclusive acionar a frota automotiva. Essa é uma nova tecnologia que vem sendo implantada e que, na minha opinião, em breve, será obrigatória para todos. É interessante observar que uma destilaria autônoma produz, com a biodigestão da vinhaça, metano suficiente para suprimir todo o consumo de diesel nas operações agrícolas, em até 4 litros diesel por tonelada de cana, ou seja, consegue-se produzir etanol sem consumir combustível fóssil.

Já a produção de amônia, com excedente de energia elétrica, poderá ser uma boa opção para produção de fertilizantes nitrogenados. Essa alternativa surgiu recentemente com o desenvolvimento de pequenos reatores para produção de amônia, coisa que no passado somente era possível com grandes reatores. Hoje, é possível produzir 1,0 t/h de amônia consumindo aproximadamente 10 MW. Na mesma linha desse processo, é possível a produção do hidrogênio verde.
 
Aplicação de destilarias operando sob vácuo já é uma realidade, trazendo forte redução do consumo de vapor no processo, vejamos:
• A destilaria hoje existente consome 3,5 kgvapor por litro de hidratado e 4,5 kgvapor por litro de anidro produzido. 
• A destilaria a vácuo consome 1,1 kgvapor por litro de hidratado e 1,8 kgvapor por litro de anidro produzido.

Isso representa uma redução significativa no consumo de vapor, o que trará consumo de vapor de processo abaixo de 380 kgvapor por tonelada de cana. A compressão mecânica do vapor, muito usada na indústria de celulose e açúcar de beterraba, começa a entrar, ainda muito lentamente, nos processos de açúcar e álcool de cana, objetivando sempre reduzir o consumo específico de vapor do processo. 
 
Essa aplicação visa, por exemplo, comprimir vapor vegetal de 1,1 kgf/cm3 para pressão do vapor de escape e, com isso, economizar vapor nos processos de destilação e cozimento. A aplicação deve ser estudada em cada caso, mas contribui, sem dúvida, para uma boa economia de energia térmica no processo.
 
Finalmente, com a chegada da tecnologia do Etanol 2G, as necessidades de economia de biomassa irão aumentar substancialmente, pois o processo prevê a transformação da celulose e da m-celulose em etanol, restando como combustível somente a lignina, que representa ao redor de 1/3 da massa do bagaço seco.

Assim sendo, haverá necessidade de complementação de biomassa para atender à demanda térmica da unidade, portanto haverá necessidade de utilização de palha de cana e processos muito econômicos. Como podemos observar, muitas alternativas tecnológicas surgiram e continuarão a surgir, o que nos dá, sem dúvida, uma visão muito positiva sobre o futuro, mostrando que o segmento sempre reagiu com muita determinação aos obstáculos.