Secretário da Secretaria de Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente
Op-AA-09
Em maio último, durante reunião da Comissão de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, foram lançadas três iniciativas internacionais pelo G-8, FAO e Fundação das Nações Unidas, para coordenar esforços, visando a produção e uso dos biocombustíveis. Este é apenas mais um sintoma da importância crescente que esta discussão vem assumindo, nos mais diversos fóruns internacionais.
Dois fatores colaboram para isto: a crescente alta dos preços do petróleo e seus derivados, devido ao aumento de consumo e instabilidade política em regiões produtoras, o que levou a se cunhar a expressão “segurança energética” como mote de debate, e a urgência em se adotar medidas para se deter o aquecimento global.
Este cenário coloca o Brasil em uma situação privilegiada, como detentor de um programa sólido de produção de etanol, de tecnologia altamente sofisticada e de terra disponível para produção de cana-de-açúcar e oleaginosas, destinadas à produção de biodiesel. Além da discussão sobre a instabilidade do fornecimento de petróleo e sua escassez progressiva, o aquecimento global coloca-se como um fator determinante na busca de substitutos para os combustíveis fósseis.
Passou o tempo das incertezas, quando se debatia a existência do fenômeno e sua componente antrópica. O que hoje está em pauta é o limite do suportável para o planeta, da forma como o conhecemos. E isto remete a medidas muito mais drásticas que aquelas associadas ao primeiro período de compromisso de limitação e redução de emissões de gases de efeito estufa, estabelecido pelo Protocolo de Quioto.
O atendimento ao mencionado primeiro período de compromisso, somado aos períodos subseqüentes, em fase de negociação internacional, exigirá, por parte de alguns países, iniciativas para a substituição progressiva da queima de combustíveis fósseis na geração de eletricidade, com investimentos crescentes nas fontes renováveis de energia.
No que se refere ao setor de transportes, responsável por parcela significativa das emissões, a única alternativa presente, no horizonte tecnológico visível, é o uso dos biocombustíveis, que, sem dúvida, vieram para ficar. Há exemplos concretos de ações nesse sentido. O Japão prevê a adição de etanol à gasolina, num teor de 3%. A União Européia está desenvolvendo uma política ambiciosa na área de biocombustíveis ou outros combustíveis renováveis.
Além da Diretiva 30, de 2003, que estabelece meta de 5,75% de biocombustíveis para 2010, no setor de transportes, foram lançados, em dezembro e fevereiro últimos, o Plano de Ação sobre Biomassa e a Estratégia de Biocombustíveis, respectivamente. Torna-se relevante mencionar que não será possível para o Brasil atender, isoladamente, à demanda que existe na área de biocombustíveis, até porque o mercado interno também deverá ser atendido de maneira eficaz. Portanto, outros países serão favorecidos pelo aumento mundial da utilização de biocombustíveis, e poderão aproveitar a experiência brasileira como parâmetro.
A partir desse contexto, a janela de oportunidade que se abre para o Brasil é imensa, seja na área de exportação ou na transferência de tecnologia, associada aos biocombustíveis. Há potencial para sua produção em diversos países da América Latina e Caribe, partes da África e Sudeste Asiático, abrindo possibilidades para uma inédita cooperação no sentido Sul-Sul, onde nosso papel será central.
No plano nacional, o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel, lançado por iniciativa do Presidente Lula, apresenta-se como a oportunidade de abertura de um novo setor econômico, intensivo em mão-de-obra e promotor da superação de desigualdades sociais e regionais. É considerável o potencial para colaboração ao desenvolvimento e redução da pobreza, principalmente por meio da criação de empregos, destacando-se as áreas rurais.
O Programa torna a agricultura familiar altamente relevante para o alcance dos objetivos pretendidos e estimula a inclusão social. Tudo isso em consonância com uma proposta concreta de redução significativa de emissões causadoras do efeito estufa, contribuindo para se minimizar os efeitos do que, talvez, seja hoje a maior ameaça ambiental que enfrentamos.
Muito se fala sobre os impactos ambientais da produção dos biocombustíveis. E com razão, pois a expansão dos cultivos para a produção de biocombustíveis requererá os devidos cuidados socioambientais. Os potenciais países importadores começam a sinalizar preocupação nesse sentido. Como qualquer atividade humana em grande escala, o potencial de impacto é sério e assim deve ser tratado, mas sem se perder de vista o seu significado mais amplo, lembrando que a alternativa a eles é a continuidade do uso dos combustíveis fósseis, principalmente o petróleo, cujos efeitos ambientais já se mostraram consideravelmente negativos e apresentam-se cada vez mais ameaçadores.
Como qualquer atividade de grande porte, cabe ao setor a busca de soluções mais adequadas, pactuadas como aceitáveis pela sociedade. O desafio reside em controlar e reduzir os danos ambientais, da melhor maneira possível. Cabe, portanto, uma análise equilibrada dos projetos de expansão da produção de etanol, tema desta publicação. Não se trata de olhar a cana-de-açúcar como ameaça a ser combatida a priori, nem como algo que deva passar despercebido, sem cuidados especiais.
Como qualquer monocultura, a cana pode ameaçar a biodiversidade, afetar os recursos hídricos e produzir contaminação pelo uso intensivo de agrotóxicos. A queimada praticada durante a colheita também colabora significativamente para a emissão de substâncias para a atmosfera, afetando a qualidade do ar e produzindo efeitos nocivos para a saúde. A expansão descuidada pode vir a potencializar estes efeitos nocivos, afetando negativamente o meio ambiente.
Mas, se olharmos em volta, poderemos observar práticas diferenciadas dentro do setor sucroalcooleiro, com efeitos ambientais significativamente diferentes. Isto abre a possibilidade de se articular uma agenda positiva entre o setor ambiental e os produtores, com a adoção das melhores práticas possíveis. Há uma grande disponibilidade de terras subutilizadas e de terras degradadas que podem ser usadas pela indústria canavieira. Já se observa no Estado de São Paulo uma substituição de terras usadas pela pecuária extensiva e pouco produtivas, pela cana-de-açúcar.
Um levantamento preliminar, realizado pela Secretaria de Meio Ambiente do estado, mostra um crescimento simultâneo da área plantada com cana e do rebanho bovino, indicando um uso mais intensivo dos pastos. Existem possibilidades imensas, ainda pouco exploradas, para se aproveitar, de forma racional, os vários resíduos, reduzindo os impactos ambientais e criando empregos de melhor qualidade.
Deve-se priorizar o estímulo de tecnologias, que visem o aproveitamento integral dos efluentes dos processos sucroalcooleiros, priorizando os usos de maior valor agregado para bagaço, palha e vinhaça. Um exemplo disso, é a iniciativa do BNDES de oferecer vantagens ao financiamento de caldeiras de maior rendimento, propiciando maior geração de energia elétrica para a mesma quantidade de bagaço queimado.
A geração de eletricidade, com baixas emissões, a partir do bagaço, propicia ainda a obtenção de créditos de carbono, por meio do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Muitas usinas já se utilizam desse Mecanismo. Dos 83 projetos de MDL, aprovados até junho deste ano pela Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, em âmbito nacional, 24 referem-se a projetos de cogeração com bagaço de cana, o que evitará a emissão de cerca de 3,18 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente, ao se considerar o primeiro período de obtenção de créditos de 7 anos.
Esse valor representa uma redução anual de cerca de 454.000 toneladas de dióxido de carbono equivalente. O uso intensivo do bagaço torna-se um incentivo para o abandono gradual das queimadas realizadas durante a colheita, diminuindo seus efeitos sobre a perda de nutrientes e qualidade do ar. Parte do setor sucroalcooleiro já usa o controle biológico para algumas pragas, o que permite o abandono progressivo de agrotóxicos, o que pode ser incrementado pela introdução de novas variedades de cana de maior tolerância a pragas.
Alguns setores produtivos usam os corredores ecológicos, formados por áreas de preservação permanente e reserva legal, entre seus cultivos, como uma estratégia benéfica de controle biológico, exemplo que pode ser seguido no cultivo da cana. Em suma, há diversas possibilidades a serem exploradas na criação de um pacto de sustentabilidade, que permita a expansão do setor, sem que se comprometa a qualidade do meio ambiente. Para tal, o momento é crucial para que se disseminem as boas práticas a serem seguidas, em uma discussão ampla, envolvendo os órgãos de controle ambiental, setor produtivo e representantes da sociedade.