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Marcos Silveira Buckeridge

Diretor Científico do CTBE

Op-AA-24

A conquista do etanol celulósico: um modelo brasileiro de inovação

Produzir etanol a partir de celulose é fácil. Apanhe aparas de papel, trate com ácido sulfúrico e produza glicose. Em seguida, neutralize o ácido e coloque leveduras para fermentar. Depois destile. Pronto! Foi produzido o etanol celulósico. Não há mistério. Porém os problemas aparecem quando se examina o processo mais de perto. Um deles é a que custo se pode produzir etanol a partir de celulose?

A biomassa que queremos usar no Brasil vem de resíduos de cana-de-açúcar, quimicamente bem mais complexos do que as aparas de papel mencionadas no simplificado exemplo. Os problemas não se restringem também apenas às questões técnicas do processo, nem tão somente à viabilidade econômica, mas deve ser, além disso tudo, ambientalmente correto. Buscamos um produto efetivamente sustentável.

Para chegar ao etanol celulósico “integral”, vários setores da sociedade terão que interagir, e a ciência é um dos mais importantes e urgentes. Isso porque a produção de etanol no Brasil esteve sempre focada no etanol de primeira geração. As variedades de cana-de-açúcar desenvolvidas foram desenhadas como  produtoras de sacarose.

Com a necessidade de aumentar a produção de energia renovável no mundo, acordou-se para o fato de que estamos jogando fora uma grande quantidade de açúcares que poderiam ser convertidos em etanol. A posição do Brasil no setor e a maturidade da ciência nos últimos 20 anos levaram o sistema de inovação brasileiro a atingir um patamar de ciência de primeiro mundo.

Isso foi obtido graças a investimentos. Envolveram-se, ativamente, por parte do governo, o estado de São Paulo, através da FAPESP, e o Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT, através do CNPq e CAPES. O investimento governamental no desenvolvimento de biotecnologia para a produção de etanol já passa de 150 milhões de dólares. 

Estamos realmente decididos a participar do jogo da ciência mundial não mais como coadjuvantes. Estamos produzindo inovação. Há, hoje, um conjunto de iniciativas de C&T no Brasil que se vem auto-organizando de forma incrível. A FAPESP oficializou o programa BIOEN, o MCT criou o CTBE, o Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bio-etanol.

Os governos federal e estaduais se uniram ao CNPq e lançaram o INCT do Bioetanol, que é cofinanciado pela FAPESP, e, recentemente, o Governo Federal lançou o Sibratec do bioetanol, que irá financiar projetos que envolvam a indústria. Naturalmente, compôs-se um verdadeiro Sistema Brasileiro de Inovação para o Bioetanol. 

Os projetos BIOEN e INCT se alinham na produção de ciência básica, atacando questões fundamentais que constituem gargalos para o processo de produção do etanol celulósico. Pesquisadores buscam a aceleração da produção de novas variedades e o sequenciamento completo do genoma da cana. Fisiologistas e biólogos moleculares de plantas estão se unindo para entender como as plantas de cana respondem à seca, como são feitas as fibras, como a cana consegue degradar a sua própria parede celular (onde ficam os açúcares que queremos obter).

Um grupo de especialistas em microbiologia se dedica a prospectar fungos produtores de enzimas que promovam a hidrólise (degradação) da parede celular e leveduras capazes de fazer fermentação a partir de açúcares com cinco átomos de carbono, algo que as leveduras que usamos hoje, nos processos de primeira geração, não conseguem fazer.

Um grupo de especialistas em proteínas e em carboidratos busca entender como funcionam os mecanismos ao nível atômico e molecular que determinam as interações entre as hidrolases e os seus substratos, os polissacarídeos. Assim, INCT e BIOEN podem ser considerados grandes produtores de conhecimento do sistema, pesquisado desde o nível atômico até o atmosférico.

O outro sistema que está sendo montado é o CTBE. Este tem caráter distinto do INCT e do BIOEN, pois o foco do CTBE é a aplicação dos conhecimentos básicos em processos industriais. O CTBE vem sendo montado de forma a ter um grupo de cientistas capaz de acoplar os dois sistemas para tirar o máximo possível dessa combinação.

O CTBE está montando uma planta-piloto desenhada para funcionar com um laboratório de pesquisas, onde cientistas podem testar hipóteses relacionadas a cada passo do processo de produção do etanol celulósico (pré-tratamento, hidrólise, fermentação e destilação). Esse sistema, usado de forma integrada, poderá acelerar consideravelmente a chegada a um processo de custo adequado e com alta tecnologia.

O Sistema Brasileiro de Inovação para o Bioetanol poderá se tornar uma das maiores façanhas dos cientistas brasileiros. Isso tornará o etanol celulósico viável. Depois do bagaço, virá a palha. Porém esse é só o começo, pois a cana tem um potencial maior ainda, já que compostos da cana podem se tornar produtos com alto valor agregado para os setores de alimento, medicina, cosméticos, papel, dentre outros.

O sistema de C&T brasileiro tem, assim, uma chance de ouro de mostrar que o investimento em conhecimento e inovação vale a pena, pois traz, de forma sustentável, divisas, empregos e desenvolvimento econômico. O mais importante é que o Brasil está aprendendo a fazer inovação de uma forma integrada, um estilo que poderá, se o investimento for constante, ser aplicado a outras áreas, tornando o País muito mais forte e próspero.