Me chame no WhatsApp Agora!

Alexandre Enrico Silva Figliolino

Consultor-sócio da MB Agro e Consultor da XP para agronegócio

Op-AA-59

Correndo atrás do prejuízo
Ao analisarmos os últimos 10 anos, sem dúvida o que não faltou ao setor sucroenergetico foram desafios de toda ordem. A mecanização impôs mudanças profundas na forma de conduzir a lavoura de cana-de-açúcar, e as mudanças não foram poucas, e exigiu uma curva de aprendizado bastante dolorosa.

O impacto na produtividade medido por TCH e ATR não foi pequeno, fazendo o ATR por hectare recuar de 12,5 t para número abaixo de 10 t na safra 2018/2019 e resultou  numa perda expressiva de competitividade do Brasil em relação aos seus maiores competidores no mercado internacional, a saber Europa, Tailândia e Índia, em relação a açúcar, e os Estados Unidos, pelo etanol de milho, para os quais perdemos a supremacia como maiores exportadores mundiais.
 
O congelamento de preços de combustíveis nos terríveis anos Dilma trouxe prejuízos enormes para o setor ao privá-lo de aproximadamente R$ 70 bilhões de receita, levando um número enorme de empresas a uma situação financeira bastante precária, que impacta fortemente sua qualidade operacional em face da restrição de crédito que sofrem e a consequente redução na capacidade de investir, num setor onde a necessidade de investimento é enorme e contínua.
 
Uma frase que ouvi outro dia e de que gosto muito é aquela que diz que no setor sucroenergético hoje os ricos estão ficando mais ricos e os pobres mais pobres, pois ela relata com exatidão o momento que estamos vivendo. Na ausência de um ambiente de mercado favorável em termos de preços do açúcar e do etanol, as empresas em dificuldades tendem a afundar cada vez mais, e os grupos bem geridos e com situação financeira adequada conseguem ultrapassar as fases de vacas magras, auferindo até margem de ganho razoável.
 
O fato de o açúcar ter hoje uma Europa mais competitiva, que pode exportar livremente, uma Ásia também mais competitiva e com enormes mecanismo de proteção governamental a seus produtores, torna os ciclos de vacas magras mais longos, e os de vacas gordas, mais curtos.
 
A enorme correlação que passa a existir entre petróleo e açúcar, nos momentos em que o Brasil volta a ser fornecedor de última instância de açúcar do mundo, em face da capacidade brasileira de alterar seu mix de produção açúcar/hidratado, é uma novidade que passou a existir a partir de outubro e que também contribui para o encurtamento das vacas gordas. Isso pela capacidade do shale gás americano em fazer crescer sua produção rapidamente e atender ao mercado a partir de determinado nível de preço.

A redução do preço do petróleo bate do RBOB, que, por sua vez, influencia o preço da gasolina no Brasil e, por consequência, define o quão competitivo o hidratado fica no mercado interno. Isso sem falar na taxa de câmbio, sendo que o real pode se apreciar bastante num momento de otimismo em relação ao Brasil e tornar a questão da competitividade nossa ainda mais séria.Todos esses ingredientes fazem-nos refletir que o mar não está para peixe, e a sobrevivência hoje no setor depende de as empresas fazerem uma enorme lição de casa, e vários grupos já o fizeram.
 
Todas as ações devem ser dirigidas a produzir com custos competitivos e auferir boas receitas por tonelada de cana moída, através de um robusto portfólio de produtos, com flexibilidade em fazer açúcar ou etanol, produzir o máximo de energia possível por tonelada de cana moída, atuar em alguns subprodutos, como levedura; o biogás, por exemplo, parece ser uma promessa de futuro. Além disso, uma gestão de risco primorosa só vem ajudar, na medida em que torna as receitas mais previsíveis, e deve ser executada com base numa previsão orçamentária que serve de base para tomada de decisão do momento de travar os preços das commodities e da taxa de câmbio.
 
Do lado dos custos, evidentemente o agrícola é aquele para o qual o maior foco deve ser dado. Níveis de produtividade têm um impacto muito forte no custo unitário e, sem dúvida, é um dos fatores a separar ricos de pobres, lembrando que temos níveis de ATR/ha variando de 6.000 a 15.000. É muita dispersão, e quem estiver abaixo de 10.000 deve, urgentemente, trabalhar em ações para melhorar isso: preparo de solo, plantio, manejo varietal, manejo de pragas e doenças, meiosi, espaçamento, estar em áreas de boa colheitabilidade, bom nível de utilização da frota agrícola, etc. Arrendamento e CTT são itens muito importantes para definição do custo agrícola, e a gestão desses itens é estratégico para o sucesso. 
 
O setor foi muito punido nesses itens nos últimos 10 anos, pois a expansão desordenada de usinas em várias regiões produtoras levou outras a buscarem cana cada vez mais distante de suas indústrias, além de pagarem cada vez mais por uma terra que rendia cada vez menos, e os impactos disso são enormes. Costumo dizer que, na cadeia produtiva da cana-de-açúcar, o único elo feliz são os donos das terras, que são os mais bem remunerados e, curiosamente, os que correm o menor risco. 
 
Na indústria, encontramos também uma dispersão elevada em termos de custos, mas nada semelhante ao agrícola. De qualquer forma, existem diferenças de eficiência recuperação industrial acima de 10% entre as melhores e as piores, o que é geração de caixa na veia.
 
A modernidade da planta influencia muito isso, pois, além da eficiência, temos diferenças grandes em termos de níveis de automação, não se esquecendo de que escala, nesse caso, também pesa na definição do custo unitário. No administrativo, é outro lugar onde escala é importante para definir custo unitário. Mas, sem dúvida, um organograma de cargos enxuto e com pessoas com adequada formação é muito importante.
 
Por último, a estrutura de capital com adequado nível de alavancagem é muito importante e decisivo para o sucesso. Os empresários, muitas vezes, não se dão conta do quão destrutivo de valor é a alavancagem financeira inadequada. E a destruição aumenta exponencialmente a partir de determinado nível. Além de restringir a quantidade de crédito, impede de acessar as melhores fontes de recursos. Gosto sempre de dizer que crédito é que nem colesterol. Tem o bom e o ruim.
 
Enfim, quem quiser continuar no jogo tem que correr atrás do prejuízo, atuando através de uma gestão profissional nos fatores endógenos e produzindo com custos competitivos. Os que não se adequarem serão varridos do mapa por uma onda de consolidação que está apenas começando.