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Tarcilo Ricardo Rodrigues

Diretor da Bioagência de Fomento de Energia de Biomassa

OpAA80

A situação é complexa e os investimentos elevadíssimos
O crescimento acelerado da construção de plantas de etanol de milho no País tem trazido à tona esse questionamento, pelo fato que ambas as matérias-primas produzem o mesmo combustível e, portanto, estão do lado do aumento da oferta, mas que, em última análise, ambos concorrem diretamente mesmo é com a gasolina nas bombas. Portanto, a questão não é de concorrência, mas sim de complementariedade.

Embora o produto final seja o mesmo, os sistemas produtivos são muito diferentes e seguem lógicas bastante distintas em sua viabilidade econômica. A indústria sucroalcooleira é centenária no País e a indústria de etanol de milho é relativamente recente, não tendo atingido uma década de crescimento consistente. O que impressiona na indústria de etanol de milho é a sua velocidade de crescimento.

Compartilhamos da mesma cadeia de suprimento e o potencial de demanda do etanol é muito grande e pode acomodar boa parte dos projetos anunciados para o etanol de milho.

O consumo de combustíveis do ciclo Otto no Brasil (veículos de passeio e comerciais leves) em 2023 foi de 62,0 milhões de m³, sendo 45,9 milhões de m³ de gasolina C e 16,0 milhões de m³ de etanol hidratado. Convertendo este volume em gasolina equivalente, temos uma demanda anual de 57,1 milhões de m³.

Hoje, a frota brasileira é composta de 80% de veículos flex, e, em uma situação limite, poderíamos ter toda essa frota utilizando etanol, gerando uma demanda potencial de 45,7 milhões de m³ de gasolina equivalente, que poderiam se transformar em um consumo de 65,2 milhões de m³ de etanol hidratado.  

A produção brasileira de etanol da safra 2023/24 totalizou 35,8 milhões de m³, incluindo o etanol anidro e hidratado, de milho e de cana. Olhando por este ângulo poderíamos dizer que há espaço para dobrarmos a produção atual de etanol, e nenhuma das duas culturas agrícolas fará sombra à outra ou impedirá o seu crescimento. A questão central é a competividade do etanol hidratado. 92% da demanda de etanol do Brasil está na região Centro-Sul, e, dentro da região Centro-Sul, os Estados de São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Minas Gerais e Goiás respondem por 93,2% do consumo da região.

O que estamos vendo é uma grande concentração da demanda em Estados produtores. Para expandirmos a demanda é necessário fomentar o consumo de etanol onde ele não é competitivo.

Refinando os cálculos apresentados, o consumo de combustíveis do ciclo Otto (veículos de passeio e comerciais leves) em 2023 na região Centro-Sul foi de 47,7 milhões de m³, sendo 33,2 milhões de m³ de gasolina C e 14,5 milhões de m³ de etanol hidratado.

Convertendo esse volume em gasolina equivalente, temos uma demanda anual de 43,3 milhões de m³ e, partindo da premissa que até 80% da frota poderia utilizar etanol hidratado, teríamos um consumo potencial de 34,4 milhões de m³ de gasolina equivalente, que poderiam se transformar em um consumo de 49,5 milhões de m³ de etanol hidratado.

Refinando ainda mais os cálculos apresentados, o consumo de combustíveis do ciclo Otto (veículos de passeio e comerciais leves) em 2023 nos Estados Produtores, onde o etanol é mais competitivo, foi de 35,2 milhões de m³, sendo 21,7 milhões de m³ de gasolina C e 13,5 milhões de m³ de etanol hidratado.

Convertendo esse volume em gasolina equivalente, temos uma demanda anual de 31,2 milhões de m³ e, partindo da premissa que até 80% da frota poderia utilizar etanol hidratado, teríamos um consumo potencial de 25,0 milhões de m³ de gasolina equivalente, que poderiam se transformar em um consumo de 35,7 milhões de m³ de etanol hidratado.

A produção atual de etanol hidratado, na região Centro-Sul, na safra 2023/24 foi de 20,5 milhões de m³. Hoje, o consumo de etanol hidratado na região Centro-Sul é de 16,0 milhões de m³/ano. Aparentemente, há um espaço para incrementar a produção, mas convencer 100% dos proprietários de veículos flex a utilizar etanol hidratado não parece ser uma tarefa tão trivial. 

A participação atual do hidratado no consumo do ciclo Otto é de 23,5% na região Centro-Sul, e a paridade média de preços entre o etanol e a gasolina, na safra 2023/24, foi de 64%, extremamente favorável ao biocombustível. O concorrente se chama gasolina e é com ela que o setor deve-se preocupar. E mesmo a despeito de ser um modelo de produção estatal, temos uma indústria petrolífera muito moderna e competitiva, com enorme capacidade de investimento.
 
Embora a decisão pelo combustível hoje se faça no posto de abastecimento, diversos fatores ainda influenciam a tomada de decisão do consumidor, mas em última análise é o fator preço relativo dos produtos que pesa na balança. Na esfera federal, as políticas públicas de diferenciação tributária estão devidamente ajustadas a favor do biocombustível. Na esfera estadual, existe uma uniformização do imposto incidente sobre a gasolina em todos os estados (alíquota ad rem e monofásica).

Para o etanol hidratado, somente os estados produtores (São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Minas Gerais e Goiás) têm alíquotas estaduais competitivas. 

Os demais estados da Federação não têm políticas tributárias que incentivem o consumo de etanol hidratado, e a consequência direta é que o consumo é majoritariamente atendido pela gasolina, que tem uma relação custo/benefício mais favorável que o etanol.
Esta é a grande barreira para a cana e o para o milho. Se a produção de etanol continuar a crescer sem a adequação tributária nos demais estados, rapidamente chegaremos à saturação do consumo nos estados produtores e a consequência será uma queda substancial das margens do negócio.

O desenvolvimento da indústria é bastante complexo. Do lado da cana-de-açúcar, temos a competição com o açúcar, com uma demanda crescente, em que o Brasil é o protagonista principal, com boa parte de sua produção voltada para a exportação. As limitações de preços impostas pelos preços do petróleo, pela taxa de câmbio e, principalmente, pelo controle de preços praticados pela Petrobras tornam muito difícil o crescimento sustentável da oferta de etanol.
 
Este fator afeta tanto a indústria de cana-de-açúcar quanto a indústria do milho. A grande diferença é que o etanol de milho leva uma vantagem dos baixos preços da matéria-prima neste momento. O preço da cana-de-açúcar sofre as consequências dos elevados preços do açúcar e onera os custos de produção de etanol, e, por outro lado, os preços do etanol são limitados aos preços controlados da gasolina.
 
Em uma análise de curto prazo, há muito mais espaço para o crescimento da oferta de etanol de milho do que para o aumento da oferta de etanol de cana-de-açúcar.

A situação é extremamente complexa e os investimentos são elevadíssimos. Diferentemente do mercado de açúcar, a presença do governo é muito pesada no mercado de etanol, seja pela política tributária, seja pela determinação do nível de mistura de etanol anidro na mistura de gasolina, seja na política de definição das metas do Renovabio. Tudo interfere e dificulta a visualização dos horizontes de investimentos para a indústria do etanol de milho e de cana-de-açúcar.