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Carlos Alberto Mathias Azania

Pesquisador Científico do Centro de Cana do IAC

OpAA70

Aplicação de herbicidas em cana-de-açúcar

Plantas daninhas são espécies vegetais dotadas de características de agressividade, que, quando estabelecidas em canaviais, interferem sobre seu desenvolvimento, podendo reduzir a produtividade agrícola, principalmente devido à elevada capacidade de competição pelos recursos do meio (nutrientes, água e luz) e pela produção de substâncias alelopáticas.


Nos cultivos com cana-de-açúcar Cynodon dactylon (grama-seda), Cyperus rotundus (tiririca), Ipomoea spp (cordas-de-viola), Merremia spp (cipós), Mucuna aterrima (mucuna-preta), Ricinus communis (mamona), Panicum maximum (capim-colonião), Urochloa decumbens (capim-braquiária), Urochloa plantaginea (capim-marmelada), Digitaria horizontalis (capim-colchão), Rottboelia cochinchinensis (capim-camalote) são as espécies mais frequentes. Quanto maior o tempo de convivência das infestantes com a cultura, maior será o impacto causado, sendo observados, em literatura, prejuízos de até 85% sobre as soqueiras e até 100% sobre a cana-planta.


Dentre as formas de controle, o químico, realizado pela aplicação de herbicidas, é amplamente utilizado devido ao baixo custo associado a benefícios interessantes. Nesse cenário, pesquisas com objetivo de apresentar herbicidas seletivos à cultura e direcionados ao controle das infestantes nos canaviais têm sido desenvolvidas no Instituto Agronômico (IAC). O conjunto de pesquisas culminou no desenvolvimento de um protocolo sobre o posicionamento correto de herbicidas nos canaviais.


O protocolo é sustentado sobre quatro importantes pilares: a identificação das plantas daninhas, a época da aplicação, a físico-química dos herbicidas e a dose a ser ministrada.  Assim que entendida cada uma das etapas, por parte do produtor ou técnico, sua vivência de campo é enriquecida e a possibilidade de usar mais corretamente os herbicidas é evidente.


Informações técnicas:
Na primeira etapa, sugere-se que o produtor monitore, todos os anos, a infestação de seus canaviais, de modo a identificar as espécies mais representativas na comunidade infestante. Para isso, o produtor deve agrupar os canaviais em subáreas de 50 a 60 hectares.


Definidas as subáreas, deve-se eleger um talhão para representá-la, no qual serão alocados, aleatoriamente, 3 a 5 pontos sem a aplicação do herbicida. Cada ponto, será um tratamento testemunha, que deve ter dimensão de no mínimo 7 linhas de 10 a 15 m de comprimento.


Dentro de cada tratamento testemunha, é importante que seja identificado o número de espécies de plantas daninhas que representa entre 90 e 95% da infestação do canavial. Geralmente, 4 a 5 espécies serão predominantes na comunidade infestante e, juntas, representarão até 95% da infestação (Figura 1).


Sugere-se que o levantamento a campo seja feito com intervalos de 30 dias até o fechamento do canavial, que geralmente ocorre próximos aos 120 dias do plantio ou colheita.  A forma de identificar as plantas daninhas é visual, seguindo adaptações feitas nas tabelas de cobertura vegetal existentes na literatura.


Para cada parcela testemunha, o profissional deve caminhar pela área e aplicar notas sobre a cobertura das plantas daninhas presentes na superfície do solo, a partir de escala com variação de 0 (zero) a 100%, sendo 0% correspondente à ausência de plantas daninhas e 100% para a total cobertura do solo pelas infestantes.


Exemplo: 85% de cobertura de solo, representa que 85% da área da testemunha esteja coberta por plantas daninhas. Na sequência, devem ser observadas as 4 ou 5 plantas daninhas mais presentes na parcela testemunha, atribuindo-se uma nota de 0 a 100% para cada espécie, de modo que a soma das notas não supere 100%.


Na segunda etapa, o profissional deverá identificar a época em que será feita a aplicação dos herbicidas. Nesse caso, sugere-se observar o histórico de chuva referente aos três meses seguintes à data da aplicação almejada. A importância desse critério é porque os herbicidas, no solo (herbicidas residuais), têm sua dinâmica facilitada ou não em detrimento da água disponível. Há herbicidas que precisam de mais água e outros menos, para sua dinâmica ser facilitada no solo.



Na cana-de-açúcar, nas regiões Centro-Sul do Brasil, as épocas do ano são segmentadas em período úmido, semi seco, seco e semiúmido (Figura 2). Como a necessidade de água no solo é diferente entre as moléculas herbicidas, torna-se necessário identificar a disponibilidade de água, para, então, elencar os herbicidas.

Finalizadas as duas primeiras etapas, o profissional deve confeccionar uma lista de herbicidas que têm eficácia de controle sobre as espécies levantadas e a época do ano em que se pretende aplicar os herbicidas.


A partir dessa listagem, se inicia a terceira etapa, que se resume em anotar as características físico-químicas dos herbicidas, particularmente a solubilidade em água (Sw), coeficiente de sorção padronizado para carbono orgânico (koc) e o coeficiente octanol-água (kow).


A solubilidade permite identificar se o herbicida precisa de maior ou menor quantidade de água no solo. No campo, herbicidas com menores solubilidades (até 350 ppm) precisam ser aplicados quando há maior umidade no solo (período semiúmido até o final do verão).

 

Moléculas com solubilidade intermediária (350 a 5000 ppm) são menos exigentes em água no solo (final do período de verão até o início do período semiúmido). Moléculas com solubilidade elevada (> 5000 ppm) precisam de menor quantidade de água para manter sua dinâmica no solo, geralmente aplicadas durante o período seco do ano (Figura 3).


O coeficiente de sorção padronizado para carbono orgânico (koc) também precisa ser observado na lista de herbicidas. Essa característica permite ao profissional conhecer a disponibilidade dos herbicidas no solo.


Geralmente, dentre os herbicidas usados em cana-de-açúcar, valores de koc inferiores a 600 mg g-1 indicam que a retenção das moléculas nos coloides do solo é fraca. Com isso, o processo de dessorção para a solução do solo é facilitado e garante o residual para controle.


O coeficiente octanol-água (kow) também é necessário ser observado, pois herbicidas que possuem kow >10 (log kow >1) são indicativos de que a molécula possui afinidade com lipídeos. Como são constituintes de membranas, a capacidade de penetração nos tecidos e nas células vegetais é maior, sendo indicativos de herbicidas de ação também em pós-emergência.


Finalizadas as três etapas iniciais e em posse do levantamento das plantas daninhas de maior predominância (etapa 1), o produtor deve retomar a listagem de herbicidas que tenham eficácia de controle (informação disponível na bula dos produtos ou com o fabricante). Dessa lista, devem ser descartados os herbicidas que não são compatíveis com a época da aplicação almejada (etapa 2) e, para auxiliar, basta ter identificada a solubilidade da molécula (etapa 3). Os herbicidas restantes, na listagem inicial, serão os que possuem solubilidade adequada à época de aplicação e às plantas daninhas levantadas.


Definidas as moléculas de herbicidas que comporão o manejo, as informações sobre o koc e kow podem ser utilizadas. Respectivamente, indicarão se a molécula terá residual no solo (efeito pré-emergência sobre as plantas daninhas) e se poderá ser aplicada também em pós-emergência. 


Para finalizar todo o processo, analisa-se a dose a ser aplicada (etapa 4). A quantidade do herbicida deve ser aplicada de acordo com a textura do solo: solos argilosos exigem doses mais elevas e solos de textura média ou arenosa, doses menores de herbicidas. As doses para cada tipo de solo são preconizadas pelos fabricantes e estão na bula do produto.


Os solos argilosos necessitam de maiores doses, porque parte das moléculas ficará retida nos coloides e parte permanecerá disponível na solução do solo. Ao contrário, solos médios e arenosos precisam receber menores quantidades de herbicidas, pois possuem menores quantidades de coloides, e os processos de retenção são diminuídos.


O processo de retenção aos coloides do solo e de dessorção (desprendimento) à solução do solo é fundamental para manter a capacidade pré-emergente do herbicida e ocorre durante a meia vida do herbicida (período em que as moléculas ainda não foram degradas por microrganismos). Enquanto houver molécula de herbicidas na solução do solo, o controle em pré-emergência está garantido.


Quando as sementes das plantas daninhas iniciam seu processo de germinação, absorvem água da solução do solo. Como em meio à água, há moléculas herbicidas (desorvidas), o efeito do produto inicia-se logo nas primeiras células do processo mitótico de desenvolvimento das sementes. O resultado é a morte das plantas daninhas ainda no estágio de plântula.


Considerações finais:
Ao identificar a flora daninha, a época da aplicação, a físico-química (solubilidade, pka, koc e kow) e a dose dos herbicidas, o profissional do agronegócio abrange critérios técnico-científicos que o auxiliarão no posicionamento do herbicida na cultura cana-de-açúcar. Com isso, as moléculas proporcionarão controles eficazes e seletividade sobre o desenvolvimento da cana-de-açúcar, além amenizar sua lixiviação e volatização e, assim, contribuir para a preservação dos recursos ambientais.