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Jaime Finguerut

Engenheiro Quimico Especialista em Fermentação e Diretor do ITC - Instituto de Tecnologia Canavieira

Op-AA-65

Ferramentas de inteligência para a área industrial
Ao receber a incumbência de escrever um artigo para esta nova plataforma digital multimídia da Revista Opiniões, comecei a pensar naquilo que li e estudei há vinte, trinta anos, naquele tempo como um hobby, sobre a natureza da vida no Universo. Talvez essa lembrança se deva ao título conter a palavra “inteligência”, que é uma característica importante de seres vivos que hoje colocamos também como característica de máquinas e sistemas, ou seja, Inteligência Artificial.

Mas o que é inteligência? Uma boa definição, entre muitas, diz, simplificadamente, ser a capacidade de um sistema de apreender a estrutura relevante de um campo de comportamentos. Veja que a inteligência pressupõe uma seleção daquilo que é relevante, e essa seleção obviamente tem de ser um grau acima da seleção feita por acaso, em função da informação recebida pelo sistema.

Veja também que apreender significa que o sistema tem de ser capaz de processar essa informação, de forma útil e satisfatória para o sistema. Quantos conceitos importantes num simples título de um artigo. Ao associarmos a inteligência ao comportamento, introduzimos ainda um outro conceito, o da cibernética, palavra que lemos frequentemente e associamos a computadores e máquinas automáticas, mas que se refere diretamente a controle e comunicação dentro de um sistema, portanto referindo-se ao seu comportamento. 
 
Na Wikipedia, encontramos: “A cibernética é aplicável quando um sistema em análise incorpora um circuito fechado de sinalização – originalmente chamado de relação 'causal circular' – isto é, onde a ação do sistema gera alguma mudança em seu ambiente e essa mudança é refletida no sistema de alguma maneira (feedback) que aciona uma alteração no sistema”.

Assim, vejam que interessante, o controle pressupõe uma mudança detectável (sensores), e essa mudança é respondida pelo sistema, através de uma ação sobre essa causa, através de um ciclo de feedback (ação do sistema sobre o próprio sistema). Norbert  Wiener, em 1948, ao definir essa nova ciência, encontrou precisamente a palavra que queria na operação dos grandes barcos da antiga Grécia. 
 
No mar, os grandes barcos batalhavam contra a chuva, o vento e as marés – questões imprevisíveis. No entanto, se o homem, operando sobre o leme, podia manter o olhar sobre um farol longínquo, poderia manipular a cana do leme, ajustando-a constantemente em tempo real, até alcançar a luz. Essa é a função do timoneiro.

Nos tempos rústicos de Homero, a palavra grega para designar o timoneiro era kybernetes, que Wiener traduziu para o inglês como cybernetics; em português: cibernética. Na definição de Wiener, vejam, o timoneiro é parte do sistema, apesar de tantas alterações imprevistas e imprevisíveis, ele vê (sensor) a luz do farol, ele age sobre o leme, de forma a sempre corrigir o rumo do barco onde ele está, e levá-lo ao destino (o objetivo da ação).

Generalizando todos esses conceitos para entendermos como vamos usar as ferramentas de inteligência, numa definição muito moderna de vida, temos que a vida seria um sistema que cumpre todos os quatro processos do estado “vivente”, a saber: dissipação, autocatálise, homeostase e aprendizagem.
 
Já vimos, desde o primeiro parágrafo, que estar vivo é aprender, através da inteligência, mas o que significam os três primeiros processos? Dissipação significa que, para um sistema estar “vivo”, ele precisa de uma fonte permanente de energia que possa “usar”, dissipando essa energia e aumentando a entropia (aumentando a bagunça do Universo).

Podemos também entender a dissipação de energia como uma forma de auto-organização de um sistema, por exemplo a criação de vórtices e a movimentação dentro do sistema, sustentando a sua existência apesar do atrito e da movimentação caótica. Autocatálise significa que o sistema tem a capacidade de produzir seu próprio catalisador, ou seja, tem a capacidade de manter reações que têm como um dos produtos o próprio catalisador que acelera a reação.

Por exemplo, na fermentação alcoólica conduzida por leveduras (seres vivos), todas as centenas de milhares de reações que ocorrem na temperatura quase ambiente, para que a população se mantenha viva, os catalisadores (enzimas) são todos, sem exceção, produzidos pela própria levedura, de forma dinâmica e controlada.
 
E a homeostase? Uma definição é a capacidade do sistema de manter a sua funcionalidade (e morfologia) e os seus ambientes internos dentro de limites, apesar das flutuações do ambiente externo. Isso é feito à custa de intensas trocas com o meio externo e da manutenção de reservatórios críticos, num processo chamado de estabilidade dinâmica.

Em termos mais práticos, a área industrial de uma usina de processamento de cana é, sem dúvida, um sistema aberto, pois recebe continuamente materiais e energia e fabrica produtos (e calor) e resíduos que também saem continuamente. Pelo que aprendemos, esse sistema tem inteligência? Com certeza, sim, desde que o homem (o operador) faça parte desse sistema.

Seria possível retirar o homem desse sistema? Sim, porém não temos ainda toda a tecnologia necessária. Teríamos a necessidade de imitar muitas das características dos sistemas vivos descritos acima. Por exemplo, teríamos de ter sensores que meçam tudo o que é relevante, teríamos de ter sistemas de seleção das informações geradas pelos sensores, teremos de ter sistemas cibernéticos que funcionem em laços fechados, ou seja, teríamos de ter atuadores e sistemas de controle extremamente espalhados e coordenados local e globalmente, além de uma supervisão que defina o que se pretende atingir, mantendo o sistema dinamicamente estável. 
 
Porém, ainda mais difícil, o sistema, mesmo dissipando energia, teria de se manter auto-organizado, se reconstruindo permanentemente e eventualmente até evoluindo através de processos autocatalíticos. Teríamos de ter moendas, caldeiras, turbogeradores, bombas, centrífugas, atuadores, etc., todos capazes de se manter funcionando sem o pessoal da manutenção.

Se as condições externas forem muito variáveis e ultrapassarem a capacidade de homeostase do sistema usina, esta poderá perder a capacidade de processar cana (morte). Um exemplo de algo que poderia imitar um sistema “vivo” na moenda poderia ser um sistema de robôs de aplicação de solda, sendo controlados pelo próprio torque da moenda, pois, quando o torque cai, é porque a pega é insuficiente e “falta” solda.

É claro que os robôs precisam se manter funcionais, e o material que eles usam tem de se manter através de reservatórios dinâmicos. As alterações de torque que não sejam por falta de “pega” na moenda precisam ser selecionadas e entendidas na forma de alteração automática de estratégias. 
 
A produção de etanol por fermentação já é um sistema vivo, porém deixado sem laços fechados (sem supervisão); o autocontrole feito pelas leveduras vivas tenderia a favorecê-las, ou seja, a produzir apenas mais e mais leveduras. Os sistemas descritos precisam de um timoneiro artificial, e isso já está sendo construído com softwares capazes de aprender, mas que ainda usam a interface humana. Quando serão autônomos? Em breve... Quanto custarão? Deixo para alguém do futuro responder.