Coautoria: José Brito, Advogado da MoselloLima Advocacia
A pauta verde representa a agenda prioritária dos setores econômicos e do poder público para os próximos anos, tanto na esfera do Poder Legislativo, através das deliberações referentes ao novo mercado de carbono, hidrogênio e patrimônio verde, como no Judiciário e no Executivo, com especial ênfase nas controvérsias relacionadas à interpretação e aplicação integral do Código Florestal Brasileiro, na insegurança jurídica associada à implementação do Cadastro Ambiental Rural – CAR, na delimitação da identidade ecológica para fins de aplicação de instrumentos econômicos, entre outros.
Nessa esteira, há um foco acentuado na estruturação e implementação do mercado brasileiro de créditos de carbono, notadamente, após a aprovação no Senado Federal do Projeto de Lei nº 412/22, que visa instituir o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa – SBCE, por meio de regras que se aplicam às atividades, às fontes e às instalações localizadas em todo território nacional que sejam emissoras ou tenham potencial de emissão de Gases de Efeito Estufa – GEE.
Na prática, a dinâmica do mercado segue a lógica da compensação de emissões, na qual aqueles agentes que ultrapassarem o limite previsto legalmente deverão reduzir suas emissões ou comprar créditos de carbono de quem possui excedente, estando apto a comercializar a sua cota como credor da compensação da emissão de GEE.
Nessa concepção, um crédito de carbono é unidade de medida que corresponde a uma tonelada de dióxido de carbono equivalente (tCO2e) sendo sequestrada ou não emitida na atmosfera.
A propositura define que os setores econômicos estarão sujeitos à regulação e à incidência da tributação, caso emitam acima de 25.000 tCO2e por ano, condicionado ao cumprimento integral das obrigações elencadas pelo legislador, tais como apresentação de plano de monitoramento e relato de emissões e remoções, que serão regulamentados por meio de Decreto Federal.
Não obstante a inegável relevância do processo de descarbonização, tanto para o Brasil quanto para o contexto global, há de se reconhecer que o texto final do projeto aprovado, ainda, carece de tempo e aprofundamento das discussões, visando maior amadurecimento técnico e jurídico e, sobretudo, tangibilidade operacional do mercado.
Dentre os principais desafios identificados, está a dispendiosa incidência da carga tributária, particularmente, no que se refere ao Imposto de Renda – IR, bem como o alto custo vinculado às exigências para emissão de relato e certificação, o que na nossa visão representa um contrassenso à ideia de incentivo mercadológico.
Outro ponto que merece destaque, diz respeito à fragilidade do sistema de gestão e governança, com uma concentração excessiva da condução, direcionamento e regulamentação do iminente mercado sob a competência do Executivo Federal, agravada pela baixa participação do setor privado e sociedade civil no sistema proposto, com previsão de participação apenas em grupo técnico com caráter meramente consultivo.
Além disso, chama atenção a nebulosidade da Seção IV, do capítulo III, que trata das infrações e penalidades, sobretudo, quanto às métricas de aplicabilidade das onerosas multas elencadas, sem definição do agente responsável pelo processo administrativo próprio para aplicação das sanções. O que deve ser revisto e tratado com cautela pelos setores interessados.
Nesse contexto, é imperioso maior aprofundamento técnico nas discussões internas, na promoção de mais audiências públicas e de debates envolvendo os diversos setores econômicos, poder público e sociedade civil.
Assim, o tema poderá ser enfrentado de forma responsável, sanando lacunas e inseguranças jurídicas do texto, e oferecendo, através da regulação, um ambiente mercadológico mais robusto, com transparência nas metodologias para garantir a qualidade dos créditos.
Isso implica a estruturação de um sistema de gestão e governança sólido, a fim de evitar cair na vala no greenwashing e evitar a emissão dos chamados “créditos podres”, além da necessidade de maior clareza na operacionalização e incentivos para que o novo mercado se desenvolva com credibilidade e seja indutor de oportunidades no plano nacional e internacional.
O Projeto de Lei 412/22 foi aprovado no início do mês de outubro, por unanimidade na Comissão do Meio Ambiente – CMA, do Senado Federal, contemplando algumas emendas apresentadas, a exemplo da exclusão do setor agropecuário (produção primária), da regulação do mercado, não eximindo, portanto, agroindústrias.
Ato seguinte, conforme prevê o rito de tramitação, a matéria foi encaminhada à Câmara dos Deputados, a ser submetida à nova rodada de audiências públicas e debates técnicos para maior amadurecimento do tema, incluindo a possibilidade de recepção de novas emendas e ajustes no texto.
Da recepção na Câmara, a proposição foi apensada ao Projeto de Lei nº 528/21, que regulamenta o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões – MBRE, por sua vez apensado ao Projeto de Lei nº 2148/15, que estabelece redução de tributos para produtos adequados à economia verde de baixo carbono. Por se tratar de matérias semelhantes, está pronto para entrar na pauta de votações no Plenário em regime de urgência, sob a relatoria do Deputado Aliel Machado (PV-PR).
A projeção é de que haja uma espécie de “fatiamento” e atualização dos PLs, para que sejam firmados os marcos regulatórios do mercado de carbono brasileiro, tanto na modalidade regulada, quanto na modalidade voluntária. Nesse contexto, é relevante mencionar que no mercado voluntário, os créditos de carbono são denominados Reduções Voluntárias de Emissões – VERs, e a demanda é impulsionada por compromissos corporativos e estratégias ESG.
Na ausência de obrigações legais, os programas têm regras definidas pelo terceiro setor, no qual os compromissos de carbono neutro ou Net Zero são estabelecidos pelas próprias empresas, conforme padrões internacionais de governança climática. Para esse arranjo, os créditos são auditados por uma entidade independente, mas não estão sujeitos a registros da ONU e, por isso, não valem como meta de redução para os países que fazem parte do acordo internacional.
No mercado regulado, por sua vez, a demanda é estabelecida pela legislação definida por um governo e cria um ambiente de segurança jurídica e confiabilidade de investimento, sobretudo, por definir as metas e métricas de mensuração, relato, verificação e monitoramento das emissões e remoções de gases do efeito estufa na atmosfera, de modo a contribuir para que os países atinjam as suas NDCs, por meio de um novo mecanismo de mercado que estimula o desenvolvimento da atividade econômica de forma compatível com a política climática.
Segundo estimativa do Relatório de 2022 da Câmara de Comércio Internacional (ICC Brasil), o Brasil tem potencial para suprir até 28% da demanda global do mercado regulado de carbono e 48,7% do mercado voluntário até 2030, com geração de receita de cerca de US$ 120 bilhões.
É importante dizer que esse processo tem participação conjunta de diversos setores econômicos, como os setores de energia e etanol, que têm participado ativamente das discussões e do avanço de instrumentos que contribuem para o processo de transição energética do país.
Um exemplo é o recém-lançado PL Combustível do Futuro (PL 4516/23), que traz um conjunto de iniciativas para catalisar a descarbonização da matriz energética de transportes, para industrialização do país, e para o incremento da eficiência energética dos veículos.
Em paralelo, relevante menção ao Projeto de Lei nº 725/22, recém-aprovado na Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado Federal, que disciplina a inserção do hidrogênio como fonte de energia no Brasil e estabelece parâmetros de incentivo ao uso do hidrogênio sustentável.
Pela proposta, que agora será analisada pela Comissão de Serviços de Infraestrutura em votação terminativa, a ANP fica responsável por regular e fiscalizar toda a cadeia do hidrogênio.
Além disso, a proposição estipula a integração das operações de produção e distribuição de hidrogênio ao setor econômico de abastecimento de combustíveis no país, o que representa um passo significativo na busca por novas alternativas energéticas, diversificando as nossas opções e promovendo o desenvolvimento do setor.
Desse modo, resta claro que a abordagem da pauta verde representa o ponto de convergência entre os objetivos de preservação do meio ambiente e o crescimento econômico associado à baixa emissão de GEE, com o propósito de contribuir para o desenvolvimento social, ambiental e econômico sustentável, de modo a posicionar o Brasil no radar estratégico dos fornecedores de serviços e soluções que agregam os elos da cadeia, bem como, ocupar o merecido lugar de protagonista que lhe cabe nessa frente, com base no aproveitamento das vantagens que lhe são orgânicas.
Para tanto, é indispensável a integração dos diversos setores econômicos, para uma participação efetiva e coordenada, com um envolvimento ativo nas discussões, audiências públicas, reuniões temáticas e grupos de trabalho instituídos no âmbito do amadurecimento dos marcos regulatórios em destaque na agenda pública ambiental, a fim de apresentar suas propostas e perspectivas setoriais, de modo a evitar um cenário normativo impositivo, o esvaziamento do novo mercado em construção e chancelar a nossa potência como aliados da preservação ambiental e do combate aos desafios climáticos.