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Eduardo Pereira de Carvalho

Especialista do setor sucroalcooleiro

Op-AA-30

A fantástica perspectiva

Como nosso assunto é energia, tomo como referência um estudo feito recentemente pela BP sobre perspectivas energéticas para 2030. Temos 20 anos pela frente, o que não é nada. Daqui a dois ou três ciclos de cana, teremos uma população mundial estimada em 7,2 bilhões de habitantes, um crescimento de 24% em relação aos dias atuais.

O PIB dos países da OECD (a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) chegou, no ano passado, a US$ 40 trilhões, enquanto o dos países não pertencentes à OECD atingiu US$ 30 trilhões, perfazendo um total de US$ 70 trilhões. Para 2030, a BP estima que o PIB dos países ricos passará a US$ 60 trilhões e o dos não ricos, de US$ 30 trilhões para US$ 90 trilhões, perfazendo um total de US$ 150 trilhões, o que é um aumento de 115% do PIB do mundo, se não houver uma catástrofe.

O grande desafio será atender às necessidades desses bilhões de habitantes de condições de vida melhores, desejo de cada um de nós. Mas, muito mais do que nós, deseja o habitante rural da China, ou da Índia, ou da África. E como vamos fazer isso de forma sustentável e segura? Esse é um grande desafio.

Porque energia não é mais um produto, nem uma brincadeira. Energia é o sangue que corre na veia das economias, tudo depende da energia. Energia tem, portanto, do ponto de vista da economia, uma importância muito maior do que todos nós economistas até hoje atribuímos a ela.  

Até hoje, a classificação de energia, no contexto da teoria econômica, está muito mal feita. É porque ninguém consegue separar sua essencialidade para a nossa vida, e isso ocorre desde que o homem resolveu criar suas fontes de energia, já desde o antigo Egito.

Quando se criam formas artificiais de energia, de captação de energia, passa-se a desenvolver uma sociedade diferente, e a sociedade, a partir do século XVIII , é completamente diferente de tudo que existiu até então. A produção de biocombustível, e aqui estamos falando principalmente de etanol, mas não exclusivamente de etanol, deverá exceder 6,5 milhões de barris/dia de petróleo equivalente.

No ano passado, esse número foi de 1,8 milhão de barris/dia de petróleo equivalente, em relação ao consumo de biocombustíveis, incluindo etanol, que é a maior parte. Isso poderá acontecer se continuarem as políticas públicas de suporte a essas alternativas energéticas, se os preços do petróleo continuarem nos patamares dos últimos anos e se as inovações tecnológicas a que todos nós estamos assistindo prosseguirem na velocidade necessária.

As previsões continuam confirmando que os Estados Unidos e o Brasil continuarão a ser líderes absolutos na produção de biocombustíveis em 2030.

A maioria desses biocombustíveis a serem consumidos em 2030 continuará a ser de primeira geração. Depois de 2020, 40% do crescimento do consumo de demanda de combustíveis líquidos serão de biocombustíveis. No ano passado, esse número era de 13%; passará a 40% em 2020 e a 60% em 2030. Nunca, na história da economia, houve uma oportunidade dessa magnitude. Nunca houve uma coisa tão segura e tão certa.

Nunca se ouviu falar em condições de uma demanda dessa natureza que se apresenta como uma oportunidade de negócios. Quem não for capaz de enxergar isso como uma oportunidade única na história vai perder grandes oportunidades: de ficar rico, se for investidor privado; de gerar emprego e renda, se for governo; de gerar bem-estar, para todo mundo.

Mas por que nós paramos de crescer? Por que a produção estagnou? Apesar da fantástica perspectiva dos mercados açucareiros, o Brasil, exportou, no ano passado, 53% do total do açúcar comercializado no mundo, ou 28 milhões de toneladas. Em 1975, se exportava 1,2 milhão de toneladas. Apesar dos preços, qualquer curva de preço mostra onde é que estão os preços de açúcar ou de etanol. Escolham. Nós já vimos preços dessa natureza?

E, apesar de tudo isso, nós estamos em crise, estagnamos o aumento de produção. A que assistimos nos últimos anos, depois da crise de 2008/2009? A um dramático e fortíssimo processo de concentração da indústria no Brasil, apesar de ela continuar a ser sempre uma indústria otimizada pela sua base rural, tão importante que torna possível unidades não aglomeradas terem sua eficiência na gestão agrícola.

Essa concentração foi uma característica muito importante para a melhoria da situação financeira. Segundo dados do Itaú-BBA, a relação de dívida líquida para Ebtida, em 2006, na safra de 2006-07, era de 1,23%, um número baixíssimo, uma dívida baixíssima; no ano de 2007-08, esse indicador pulou para 7,1%, tirando o sono de qualquer banqueiro.

Na safra 2008-09, essa relação baixou para 5,5%, e para 3,78% na safra seguinte. Nesta safra, o Itaú estima, com base em uma amostra de mais de 80 clientes do setor – portanto uma amostra muito significativa – uma relação de endividamento sobre Ebtida de 2,2%, uma melhora substantiva na situação financeira, fazendo com que empresários e banqueiros possam dormir tranquilos.

Por que, então, essa estagnação, meus Deus? Eu acho que há um elemento importante em tudo isso, que é o câmbio. Em 2002, o real teve a maior desvalorização possível desde o seu surgimento, em 1994, mas depois teve uma valorização fortíssima.

Essa valorização do real só vai continuar, porque a posição relativa da economia brasileira perante o resto do mundo só tende a melhorar, porque nós temos condições melhores do que a maior parte dos nossos parceiros no mundo, e, consequentemente, isso reflete num afluxo de recursos importantes para o Brasil.  

Mas o amanhã me assusta ainda mais. Quando começarmos a extrair o petróleo todo dos 30 ou 40 bilhões de barris do Pré-Sal. E oxalá nós não venhamos a ter o fenômeno holandês aqui no Brasil, mas isso está associado a um brutal aumento e custos de 5,5 cents por libra-peso de açúcar bruto no porto de Santos – foi o número a que eu assisti quando eu fui para a Unica, em 2000 – , e eu também me lembro de um litro de álcool de R$ 0,14 centavos, como todos vocês se lembram muito bem.

E, portanto, a situação de hoje não remunera? Será? Sim, certamente, existe um número significativo de usinas que não serão remuneradas por qualquer preço, porque elas estão quebradas. Nós sabemos disso. E estão quebradas em um mundo onde, hoje, não dá mais para continuar a ficar assim, como era possível no passado.
Eu não tenho nenhum elemento para dizer o quanto isso representa, mas sei que existe um número importante dessas usinas, cuja única solução é uma brutal injeção de capital.

Esse recurso tem que vir de fora da unidade, tem que haver um processo qualquer dessa natureza, e isso reflete parte daquela “capacidade ociosa” dos 120 milhões de toneladas de cana que existe para se processar, mas não existe a cana, porque a primeira providência de quem está com o caixa curto é cortar os investimentos na cana.

E estamos assistindo, hoje, ao fim de um ciclo que veio de três anos, como assistimos em 2000, ao fim do ciclo 1997-99. Mas, nesse período, perdemos 25% em cana colhida em 2000 e, agora, vamos perder somente uns 10 ou 12%.

Portanto, o primeiro problema a resolver é dar um acerto geral na indústria, que está muito bem. Estamos ganhando dinheiro, aliás, há muito tempo não se via tanto dinheiro, por mais altos que estejam nossos custos.

É necessário um “clima” diferente, e ele está péssimo, e é isso que, para o economista, complica um pouco. Ele olha os números, analisa e conclui que o negócio tinha que estar “voando”, mas não está, por causa do “clima”. As coisas não estão bem, mas é difícil saber exatamente do que se trata. O governo não se sente bem. Nunca tivemos preços tão altos, e isso o incomoda.

O setor privado se incomoda com a reação do governo, que se mostra numa regulamentação absurda proposta pela ANP para autorizar investimentos em álcool – coisa que parece uma volta ao IAA. É um absurdo, um retrocesso, mas eu acho que há elementos mais graves do que isso. Há ameaças institucionais que assustam o capital, que inibe o investimento de etanol, e nos esquecemos de que o etanol está beneficiado por uma diferença na CIDE que incide sobre ele e na CIDE que incide sobre a gasolina.

Em São Paulo, se tem um ganho brutal no etanol pelo regime do ICMS, que permite que o estado seja o único onde ainda o etanol hidratado compete com a gasolina.

Sabemos que essa situação de preço de gasolina defasado não é tão constante quanto alguns alegam, o que nos faz pensar que já existe uma política importante de benefício ao etanol, a lei da mistura mandatória, que faz parte do nosso complexo. Enquanto setor privado e governo estiverem brigando, não vamos acertar a vida. Porque falamos de um produto para o qual as políticas públicas são relevantes.

Se nós queremos um ambiente saudável, sustentável e seguro em energia líquida, cuja única solução até agora viável economica e ambientalmente é o etanol de cana, é preciso que saibamos conversar. Sem isso, não há solução.