“[...] por sua própria natureza, os atalhos heurísticos produzirão vieses, e isso é verdade para humanos e inteligência artificial, mas a heurística da inteligência artificial não é necessariamente a mesma dos humanos.” Daniel Kahneman, Prêmio Nobel de Ciências Econômicas (2002).
A conquista tecnológica da automação de processos industriais foi emblemática para a sociedade e abriu novas perspectivas transformadoras a partir da alteração das condições operacionais de processos produtivos de forma automática, sem a intervenção humana. Além de ganhos econômicos e operacionais concretos, a automação das operações representa oportunidade integradora sem precedentes.
Essa integração aproxima diferentes níveis e áreas de atividade das empresas, que ganham sinergia e agilidade nas decisões, incluindo a cadeia de suprimentos, operações agrícolas e industriais, até o cliente final. A jornada da automação começa na segunda metade do século XVIII, com dispositivos simples e semiautomáticos, indicando que era possível e mais eficiente controlar variáveis operacionais automaticamente.
Com a evolução tecnológica nas indústrias, dispositivos pneumáticos permitiram controlar uma variável alterando outra: controlar uma temperatura, por exemplo, abrindo ou fechando uma válvula com base em regras simples de proporcionalidade entre variáveis. Qualquer iniciativa que se aventurasse além do controle monovariável com proporcionalidade ao erro da variável controlada já seria considerada controle avançado.
Os dispositivos de controle evoluíram para computadores sofisticados e inúmeras possibilidades de cálculos e algoritmos de controle tornaram-se disponíveis, inclusive sensores virtuais que complementam e até substituem sensores físicos tradicionais. A automação de processo de última geração já opera sistemas multivariáveis e preditivos como tecnologias consolidadas.
Recentemente, no setor sucroenergético, surgiram unidades industriais com elevado grau de automação, com COI (*1) centralizado e plantas de cogeração que integram turbinas de contrapressão com outras de condensação e caldeiras de alta pressão viabilizando a implementação de técnicas avançadas de otimização e controle.
A biorrefinaria de cana-de-açúcar favorece a busca pela otimização em tempo real, com algoritmos avançados de controle na busca por maior estabilidade operacional e melhores eficiências. A implantação de um programa efetivo de automação industrial deve considerar algumas premissas e recomendações que podem garantir o sucesso da aplicação das tecnologias digitais da Indústria 4.0 no contexto do setor sucroenergético.
a. Flexibilidade operacional: Cada solução adotada deve ser capaz de estabelecer comunicação simples e segura (cibersegurança) com outros sistemas e sensores de modo geral. Na prática, é necessário manter os sistemas com arquitetura aberta e disponível para agregação de novas ferramentas e tecnologias de controle, simulação e otimização, de acordo com as necessidades do negócio.
b. Modularidade: Em sinergia com a flexibilidade operacional, as soluções de automação e controle devem ser preferencialmente modulares. A possibilidade de utilização modular da tecnologia de controle, por áreas ou por seções específicas, estimula a melhoria contínua do desempenho industrial de forma sustentável, conforme avaliações objetivas dos resultados e consolidação das capturas a cada etapa.
c. Gestão operacional: Consiste no acompanhamento de indicadores de interesse (KPIs, Key Performance Indicators) para a definição de diretrizes operacionais e para a antecipação das principais tendências do processo.
A capacidade preditiva com antecipação de tendências do processo produtivo é, talvez, a principal contribuição da automação e da inteligência artificial (IA). Além dos balanços realizados pelo laboratório industrial das usinas, a aplicação crescente de ferramentas para controle em linha (*2) (on-line) nos processos industriais deve mudar a forma de operar as usinas. O controle em linha com sondas NIRS (espectroscopia de infravermelho próximo) e outras técnicas analíticas avançadas podem contribuir significativamente para a estabilidade operacional das indústrias, com melhoria de rendimentos e eficiências. Juntamente com o controle em linha, iniciativas de autocontrole (*3) asseguram rapidez e engajamento completo da operação na otimização operacional das unidades industriais.
A configuração de um sistema de automação avançada exige, também, alguma análise heurística para disponibilizar valores a serem carregados nos controladores e garantir tanto o desempenho quanto a segurança operacional. Além disso, a robustez do sistema pode ser assegurada através de sua capacidade de reagir a algum erro de instrumento, por meio de técnicas de reconciliação ou verificação de dados, como redes neurais adaptativas. Em todas as situações, é essencial manter equipes técnicas capacitadas para assegurar a excelência na sintonia de malhas e no acompanhamento dos resultados.
Na prática, a aplicação de IA aos processos industriais traz perspectivas concretas de ganhos. Essa tendência é confirmada, por exemplo, pela crescente densidade robótica que já atinge média mundial acima de 125 robôs por 10.000 operários.
No Brasil, ainda estamos bem abaixo da média mundial e muito distante de países líderes, como Coreia do Sul, Cingapura, Japão e Alemanha. A capacidade do Brasil de evoluir e integrar novas tecnologias de forma eficiente garantirá sua competitividade no longo prazo.
Mas escolhas tecnológicas não são decisões triviais. Ao contrário, representam exercícios de gestão de risco na busca pela excelência operacional e por melhores resultados, numa visão ampla e integrada do negócio no longo prazo.
Não aderir a novas tecnologias também é uma escolha e pode ter consequências irreversíveis; por isso, devemos estar sempre atentos e monitorar as oportunidades oferecidas pela evolução do conhecimento técnico. No setor sucroenergético, é provável que a manutenção industrial seja a próxima onda para acelerar a aplicação de IA nas indústrias.
A importância da manutenção industrial para o negócio, principalmente na gestão de custos e na disponibilidade industrial, justifica seu protagonismo na evolução tecnológica para o monitoramento dos ativos e das manutenções preditivas.
Com aplicação de conceitos de mecânica de precisão e inteligência artificial para assegurar as rotas de manutenção, as soluções serão cada vez mais integradas, rápidas e ágeis, como já vêm ocorrendo nas empresas líderes no setor.
Essa evolução é contínua; estamos predestinados a participar de ecossistemas que incorporarão novas tecnologias com velocidade crescente. Embora pareça paradoxal, as transições tecnológicas exigem ponderação e ousadia ao mesmo tempo, e cada país, cada indústria e cada setor deve construir estratégias próprias. Apenas não podemos ficar alheios aos movimentos que estão acontecendo.
1) COI: Centro de Operações Industriais.
2) Controle em linha: acompanhamento e controle do processo realizado por instrumentos colocados diretamente no processo produtivo, “em linha” com o fluxo produtivo.
3) Autocontrole: acompanhamento e análise de variáveis de processo realizado pelas equipes de operação, com o apoio e suporte das equipes de qualidade e laboratório.