Coordenador de Marketing da New Holland e Especialista em Tecnologia Agroindustrial do CTC, respectivamente
Op-AA-36
A cultura da cana-de-açúcar tem como característica uma grande habilidade em produzir biomassa, seja na forma de fibra (bagaço historicamente utilizado pelo setor) e caldo, seja como palha (folhas); entretanto a utilização econômica dessa biomassa ainda não é prática adotada por um número significativo de usinas e fornecedores de cana.
Estudos mostram que a energia contida nas folhas da cana-de-açúcar é praticamente a mesma presente no caldo (que será convertido em açúcar e/ou etanol) e no bagaço (convertida em energia térmica e elétrica para o processo industrial e/ou vendida como excedente à rede de distribuição de energia elétrica). Esses dados apenas reforçam a ideia de que a utilização da palha pode trazer às usinas uma excelente fonte adicional de receita ao caixa das unidades, tema central desta edição da Revista.
Em termos absolutos, estudos realizados pelo CTC mostram que cada tonelada de colmo de cana-de-açúcar produz, aproximadamente, 140 kg de palha em base seca, e, considerando-se os valores de produção de cana da região Centro-Sul do Brasil, na safra 2012/13, igual a 532 milhões de toneladas, a quantidade de palha disponível nesses canaviais é igual a 74 milhões de toneladas. Essa quantidade de palha seria suficiente para fornecer energia elétrica durante o ano inteiro para, aproximadamente, 10 milhões de residências.
Além da aplicação como combustível para queima em caldeiras e geração de vapor e/ou energia elétrica, outra importante aplicação da palha de cana é como insumo para a produção do etanol celulósico, na qual a palha pode ser utilizada diretamente no processo de hidrólise e/ou substituir o bagaço como combustível na caldeira, liberando-o para ser hidrolisado e transformado em etanol. Entretanto, apesar de seu enorme potencial de utilização, o recolhimento da palha requer conhecimento e tecnologias específicas para essa finalidade.
Esse conjunto de tecnologias e conhecimentos deve contemplar toda a cadeia de recolhimento, começando no campo e terminando na indústria. O primeiro passo é determinar a quantidade de palha que poderá ser removida dos canaviais mantendo a sustentabilidade da produção canavieira. Isso implica conhecimento de como o solo e o clima de cada local reagem aos diferentes níveis de palha remanescente com relação a dois fatores: erosão e produtividade. Com relação à erosão, estudos mostram que a cobertura tem relação direta com as perdas de solo.
Nos solos com coberturas vegetais superiores a 60%, praticamente não há perdas de solo por erosão da chuva. A produtividade da cana está diretamente relacionada com o ambiente de produção, ou seja, nos solos com maior disponibilidade de água e nutrientes, a produtividade será maior. Entretanto a resposta da produtividade à quantidade de palha remanescente varia de acordo com os ambientes, sendo mais sensível em ambientes mais restritivos.
Definida a quantidade de palha a ser removida, a próxima etapa será recolhê-la. Existem duas rotas para a realização dessa tarefa: a primeira consiste no transporte da palha junto com a cana nos equipamentos de transporte rodoviário. A colheita da cana é realizada com a diminuição da rotação dos sistemas de limpeza da cana, e a cana é colhida com maiores percentuais de palha. Nesse sistema, é recolhida palha com teores de umidade em torno de 40 a 45%. Na outra rota, temos a opção de recolhimento através do enfardamento da palha, opção mais viável do ponto de vista econômico quando os volumes de palha e respectivas distâncias são maiores.
No enfardamento da palha, a colheita é realizada normalmente, com sistemas de limpeza operando de modo regular, e a palha separada da cana é depositada no solo, onde permanece por um tempo para que sua umidade diminua até atingir 10 a 15%. O tempo necessário para essa secagem varia em função da região e da época do ano, sendo, em média, de 7 a 10 dias. Quando a umidade ótima é atingida, iniciam-se as operações agrícolas relacionadas ao enfardamento: aleiramento, enfardamento, recolhimento, carregamento dos fardos e transporte rodoviário.
O aleiramento consiste no agrupamento da palha em leiras triangulares, com espaçamento de 5 linhas de plantio de cana, e o modo como é realizado impacta na quantidade de impurezas minerais, adicionada ao fardo e no desempenho operacional da enfardadora, operação subsequente. A enfardadora recolhe a palha contida na leira, compactando-a em fardos retangulares de dimensões 0,9 x 1,2 x 2,4m e peso aproximado de 450 kgf, amarrados por um conjunto de seis barbantes longitudinais.
Esses fardos são depositados no solo conforme são produzidos, e uma carreta recolhedora de fardos realiza o carregamento automático, agrupando-os em pilhas, que serão descarregadas nos carreadores, facilitando o carregamento nos equipamentos rodoviários. Essa operação é de fundamental importância, pois evita o pisoteio excessivo dos canaviais e consequente compactação dos solos. A última etapa das operações de campo é o carregamento dos fardos nos equipamentos rodoviários, através da utilização de guincho frontal, que pode ser montado em tratores agrícolas ou em manipuladores telescópicos (telehandlers), para, então, transportá-los até a usina. A melhor opção de transporte de fardos é o rodotrem, formado por dois semirreboques e um cavalo mecânico, composição que pode transportar até 68 fardos por viagem.
Com a chegada dos fardos na usina, são necessárias diversas operações para a adequação do material à sua utilização, seja como combustível ou como matéria-prima para o etanol celulósico. Dentre essas operações, podemos citar o descarregamento dos fardos, a possibilidade de seu armazenamento, a remoção de impurezas minerais e a trituração até atingirmos a granulometria adequada. Soluções industriais para a realização dessas operações estão sendo desenvolvidas e, em breve, estarão disponíveis ao mercado.
Portanto a utilização da palha da cana-de-açúcar é uma potencial fonte de renda para as usinas e fornecedores de cana, porém diversos fatores devem ser considerados na elaboração de um projeto nesse sentido, sempre respeitando a visão de sistema de recolhimento, no qual existe uma relação entre as operações presentes no processo. Sistemas agrícolas para o recolhimento de palha já se encontram disponíveis no mercado, e o CTC está trabalhando para garantir a sustentabilidade do processo, através da recomendação da quantidade de palha que pode ser removida sem causar danos à produção, além de desenvolver solução de processamento industrial.