Os resíduos orgânicos, de forma geral, são um problema ambiental e econômico. Muitas vezes, grandes empresas dos mais diversos setores despendem quantias significativas de recursos para fazerem o descarte correto dos resíduos gerados em suas produções. O biogás é uma fonte de energia sustentável e renovável, obtido através da biodigestão, sendo um processo antigo e bem conhecido. Contudo, ainda é pouco aplicado para fins de tratamento dos resíduos orgânicos e da produção de energia.
A tecnologia pode ser aplicada nos mais diversos segmentos, podendo ser utilizada desde pequenas propriedades rurais a grandes agroindústrias. O processo em si é uma digestão aeróbica da matéria orgânica, resultando em biogás, digestato e lodo, os principais produtos da fermentação. O biogás é formado majoritariamente pelo metano, gás combustível, que pode ser aplicado de forma mais direta, em substituição ao gás de cozinha (GLP).
Para esse uso, o biogás pode ser empregado diretamente da saída do biodigestor, precisando apenas passar por um processo de limpeza de gases indesejados, como o gás sulfídrico. O biogás purificado resulta no biometano que pode ser utilizado em substituição ao gás natural (GN), uma vez que a sua composição será muito semelhante ao gás provindo do petróleo. Ainda se pode utilizar o biogás para a produção de energia elétrica, sendo essa a principal aplicação atualmente. O digestato e o lodo são excelentes fontes minerais, sendo que sua composição vai depender de qual matéria-prima/resíduo foi utilizado para a geração do biogás, e eles podem ser empregados em substituição aos fertilizantes.
A tecnologia de biodigestão já está bem madura para as grandes plantas que empregam resíduos, para pequenas propriedades, por se tratarem de plantas que não podem dispor de muita tecnologia, já que precisam ser de baixo custo. Ainda há necessidade de estudos que viabilizem um processo mais eficiente na produção do biogás. Também, há a necessidade de pesquisa para consolidação de plantas que utilizem matérias-primas dedicadas.
É importante lembrar que, apesar do grande potencial do Brasil para o tratamento de resíduos e produção do biogás, a tecnologia nunca ganhou visibilidade e foi, por muitos anos, negligenciada. Até bem pouco tempo, falava-se de biogás como sendo a tecnologia do futuro. Eu me questionava: por que uma tecnologia secular é apontada como sendo a tecnologia do futuro? E as respostas eram coisas do tipo: não há interesse, ou não se conhecia o verdadeiro potencial dessa tecnologia. Sim, porque não faz sentido um processo que, além de tratar os resíduos, ainda gera renda com a produção de energia e biofertilizante, o que propicia o fechamento completo do ciclo de produção, não ser empregada massivamente em todos os setores.
No Brasil, o emprego da biodigestão está concentrado no setor de saneamento e tratamento de dejetos suínos. O motivo se dá principalmente por razões ambientais. Até bem pouco tempo, não se enxergavam os benefícios de investir em plantas mais eficientes que maximizassem a produção do biogás. Contudo, com o desenvolvimento de tecnologias mais eficientes, uma demanda crescente por energia limpa e sustentável, o Brasil se voltou para resgatar a digestão anaeróbica. Recentemente, vi uma entrevista de Tamar Roitman, gerente executiva da Abiogás, em que ela afirma que o biogás não é mais uma tecnologia do futuro, mas que já é uma realidade.
Acredito que essa realidade só tem sido possível porque as grandes empresas conseguiram ver o verdadeiro potencial da biodigestão, sobretudo no contexto atual do ponto de vista ambiental, em que buscamos tecnologias mais limpas e mais sustentáveis. A biodigestão, para mim, não é só uma tecnologia limpa, mas, sim, uma tecnologia que limpa. Como mencionado no início do artigo, a quantidade de resíduos orgânicos gerada, seja na indústria ou nas grandes cidades, é gigantesca. Só os resíduos urbanos no Brasil estão na casa de 80 milhões de tonelada/ano.
Se, ao invés de lixões, ou até mesmo de aterros sanitários, esse resíduo fosse tratado por meio do processo de biodigestão, teríamos cidades mais limpas, acabaríamos com os problemas dos lixões e, ainda, seria uma fonte de renda, uma vez que a energia gerada poderia ser usada em prol da população.
Ainda sob o olhar da afirmação da Tamar, e, assim, partindo para os fatos, se hoje o biogás é uma realidade no Brasil, isso se dá principalmente porque a indústria sucroalcooleira tem investido cada vez mais nessa tecnologia para tratar a vinhaça e torta de filtro, gerando mais energia sem perder os nutrientes que já eram incorporados ao solo por meio da irrigação de vinhaça no campo. O interesse desse importante segmento industrial fortalece a biodigestão.
É importante lembrar que essa tecnologia foi resgatada, uma vez que já havia se tentado isso no passado. Na década de 80, porém, como já mencionado, o momento era outro. As condições atuais são muito mais favoráveis e as probabilidades de dar errado já nem existem mais. Tornou-se um caminho sem volta.
O investimento do setor sucroalcooleiro no tratamento dos resíduos por meio da digestão anaeróbica ainda tende a se expandir muito nos próximos anos, pois poucas plantas de biodigestão (no setor) estão em construção, menos ainda, já estão em operação, comparadas ao número de usinas de etanol que temos.
Ou seja, dentro da própria indústria sucroalcooleira há um potencial enorme para expansão, mas eu vejo além. Imagino que, diante do sucesso que já está acontecendo e com a tendência de ser ainda maior, outros segmentos, como a indústria de láticos, as empresas de produção de sucos, as cervejarias, entre outras, que, comparadas ao setor sucroalcooleiro, são menores, mas juntas geram uma quantidade muito grande de resíduos orgânicos, eles irão reproduzir essa iniciativa, pois os ganhos ambientais são notórios e os ganhos econômicos tendem ser, cada vez mais, mais significativos, uma vez que os produtos, como a energia e o biofertilizante já são tradicionais, mas a tendência de ganhos financeiros com o mercado de carbono tendem a se expandir.
Com certeza, o biogás veio para ficar, ele é uma fonte de energia limpa e sustentável, que não é competitiva com as demais fontes renováveis, visto que a sua principal fonte são os resíduos, sem dúvida, vai agregar mais sustentabilidade à matriz energética brasileira, que já é a mais renovável do planeta.