Presidente da Unica
Op-AA-43
Colaboração: Luciano Rodrigues e Zilmar Souza, Gerente de Economia e Análise Setorial e Gerente de Bioeletricidade da Unica, respectivamente.
Em tempos de ameaça de apagão, não podemos nos dar ao luxo de desperdiçar o potencial da biomassa da cana-de-açúcar. Com os riscos cada vez mais evidentes das mudanças climáticas, também não podemos nos dar ao luxo de não aproveitar o etanol para reduzir a emissão de gases de efeito estufa. Qual a energia que nos falta? Aproveitar melhor o que já temos!
O primeiro passo para ampliar a oferta de energia doméstica passa pelo melhor uso do potencial já disponível, especialmente no setor sucroenergético. Nesse contexto, chama a atenção o papel da bioeletricidade. Em 2014, a energia da cana-de-açúcar atingiu quase 21 mil GWh ofertados à rede elétrica, o que equivale a cerca de um quarto da geração da usina de Itaipu. Esse volume representa o abastecimento, por um ano todo, de quase metade da demanda de Portugal, ou duas vezes aquela observada no Uruguai.
Por ser produzida no chamado período seco e crítico do setor elétrico, a bioeletricidade gerada em 2014 representou uma economia de 14% da água nos reservatórios das hidrelétricas no mercado das regiões Sudeste e Centro-Oeste, responsável por 70% da capacidade dos reservatórios no Brasil. Considerando que esses reservatórios chegaram a 19% de capacidade, podemos afirmar que uma fonte limpa e renovável, capaz de poupar um volume significativo de água, já não tem um papel de mera coadjuvante no setor elétrico brasileiro.
No médio prazo, será cada vez mais complexo o aproveitamento do potencial hídrico remanescente no País e a construção de novas hidrelétricas. Logo, a biomassa de cana-de-açúcar desponta como uma opção importante e prioritária para fazer frente à crescente demanda nacional por energia elétrica. Segundo as próprias estimativas da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME), com a reforma das usinas e o pleno aproveitamento da biomassa da cana-de-açúcar, o setor sucroenergético poderia ampliar em seis vezes sua produção atual de energia elétrica sem precisar plantar um único hectare adicional de cana-de-açúcar.
O aproveitamento desse potencial passa pela promoção de leilões dedicados à biomassa, com contratação regular e contínua, além de preços condizentes com os custos para o processo de retrofit do parque termelétrico e do uso da palha, que atualmente é deixada no campo. O desenvolvimento de estudos para a conexão elétrica dos empreendimentos, a garantia dos direitos contratuais no ambiente regulado no caso de indisponibilidade dos sistemas de transmissão e distribuição, bem como condições mais adequadas para a aquisição de máquinas e equipamentos associados à geração e ao recolhimento da palha também são elementos importantes desse processo.
O cenário observado no setor elétrico não se distingue daquele vislumbrado para o mercado de combustíveis. As previsões realizadas pela EPE indicam que a oferta de gasolina deve ficar praticamente estagnada nos próximos anos, com a necessidade crescente de importação de combustíveis para o atendimento da demanda doméstica. Diante desse cenário, o País terá de escolher entre importar mais gasolina ou promover condições para a ampliação da oferta interna de etanol.
As consequências dessas opções são evidentes e conferem enorme vantagem à segunda alternativa, ante os benefícios evidentes decorrentes do maior uso do biocombustível, como a geração de empregos, a redução das emissões de gases de efeito estufa, a queda nos gastos com saúde pública, a ampliação da segurança energética, entre outros.
Em 2009, o etanol hidratado chegou a representar 30% da energia consumida pelos automóveis e motocicletas em circulação no Brasil. Em 2014, esse percentual atingiu apenas 17%. No total, a oferta do setor sucroenergético, contabilizando o etanol anidro e o etanol hidratado, caiu de 46%, em 2009, para 35% no último ano. Assim como no caso da bioeletricidade, o potencial para a expansão da oferta interna de etanol, no médio e longo prazos, é enorme.
O Brasil dispõe de condições singulares para a ampliação da produção do biocombustível. Além disso, os avanços no desenvolvimento de novas variedades de cana-de-açúcar, de novas técnicas de plantio e do etanol de segunda geração ampliam significativamente a viabilidade de crescimento da oferta. Para viabilizar um novo ciclo de investimentos no biocombustível, é necessário medidas centradas em dois pilares fundamentais para qualquer programa de energias renováveis: previsibilidade e reconhecimento das externalidades positivas associadas a essa fonte renovável de energia.
Essa indústria já mostrou que pode responder rapidamente com o aumento de sua produção. Contudo o País precisa definir urgentemente uma estratégia clara e estável sobre o papel do setor sucroenergético na geração de energia elétrica e na oferta de combustíveis limpos e renováveis. Sem uma política energética adequada, continuaremos queimando combustíveis fósseis para a geração de energia elétrica e importando gasolina para o atendimento da frota interna.