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José Tadeu Coleti

Diretor da Coleti Consultoria e Planejamento

Op-AA-05

Manejo da lavoura de cana-de-açúcar

A expressão manejo, do latim, é formada pela junção das palavras manus e agere, respectivamente: mão e fazer, representando o “fazer com as mãos”. Denota a necessidade de envolvimento, de proximidade e de um verdadeiro e permanente cuidado. Dentro de uma macrovisão do tema, podemos pontuar as principais dependências. O manejo da lavoura da cana é dependente de água, solo e planta. Trata-se do conceito de “ambiente de produção”, pano de fundo do manejo inteligente da cultura.

Outro fator de complicação para o manejo diz respeito às atuais plantações de cana-de-açúcar, muitas fruto de expansão atabalhoada, sem a preocupação com planejamento de longo prazo, não atendendo às solicitações dos diferentes “ambientes de produção”. Como ponto de partida, o manejo da época de plantio, com um ambiente de produção deficiente em água, com estiagem entre o final do outono até quase toda a primavera, típico do oeste e centro-oeste do Brasil, onde a época de plantio do chamado “18 meses”, que inclui de janeiro a março, não poderá comportar toda a área programada para o plantio.

Para fugir da estiagem prolongada, o plantio deve começar em abril e entra pelo inverno, o chamado “plantio de inverno”. Os canaviais implantados nessa época não sofrem solução de continuidade, não expondo a cultura ao acelerado crescimento do período chuvoso (dezembro a março), com ganhos significativos. Estudos na Usina PassaTempo, MS, (Striner, 2003), mostram que o plantio de inverno produziu 31,5 % acima do convencional, significando 9,85 THM contra 6,56 THM, alcançados apenas com a mudança da época de plantio, onde o fator água é o que mais pesa dentro do “ambientes de produção”.

Outros estudos, (Bittencourt, 1990), concluem que o suprimento de água, explica até 75% da queda de produtividade em cana-planta e 65% em cana-soca, enquanto a fertilidade natural do solo explicaria 25 e 35 %, respectivamente! Passemos agora para a moagem. As melhores produtividades da safra acontecem em canaviais colhidos na primeira metade da safra, coincidente com a maior disponibilidade de água no solo, evidência maior nas áreas de longa estiagem, onde a antecipação de safra pode garantir longevidade dos canaviais e produtividade razoável da safra.

Decisões dessa ordem implicam no plantio de variedades ultra-precoces ou a adequação de algum maturador químico. O manejo deve priorizar a colheita em áreas com maior retenção de água (solos de baixada, solos com horizonte naturalmente armazenador de água, pólos de aplicação de vinhaça), durante o período de maior estiagem, visando garantir brotação de soca.

Antecipação de safra também é o manejo indicado para pontos determinados da grande lavoura, nos quais a associação de estiagem com pragas de solo provoca as chamadas “manchas de seca”, mesmo que isto signifique redução do ciclo de 12 meses. Um outro aspecto que pesa muito na análise do ambiente de produção é a adequação dos tratos culturais da cana soca com o tipo de solo,  idade do canavial e época em que se realizou a colheita. Solos argilosos, com elevada umidade, resultarão em alguma compactação em virtude da colheita e demandarão um trato cultural com algum instrumento de escarificação mais profunda.

Os mesmos solos argilosos, em plena estiagem, pedirão para não se mexer em sua superfície, a fim de que não se perca o pouco de água que ainda lá existe. Se o canavial está dando seu primeiro corte, já recebeu a operação do “quebra-lombo” após plantio e na colheita não sofreu compactação, por que razão escarificar a soca em período seco?

O mesmo raciocínio pode aplicar-se a solos arenosos, até com muito maior propriedade! O fornecimento dos nutrientes básicos deverá ser adequado a este manejo de preservação da umidade. Inúmeros trabalhos têm demonstrado que a melhor época de resposta à adubação acontece no terço superior da safra, particularmente, para nitrogênio e potássio (Weber e Azeredo, 1999), o que sugere uma procrastinação desta atividade.

No mercado, já surgem os equipamentos de grande rendimento para tal operação, com a cana já mais alta, como é o caso de trâmpulos automotrizes. De outro lado, os australianos, que sempre colheram cana mecanicamente e convivem desde há muito com cobertura por palha, sugerem que os melhores resultados da adubação acontecem com as aplicações tardias, ainda que de forma superficial! São decisões de manejo que estarão exigindo mudanças de paradigma e que precisam ser enfrentados.

Lembremos que o surgimento de moléculas estáveis na seca e com efeito herbicida, viabiliza a procrastinação de uma série de tarefas até pouco tempo seria impensáveis, constituindo-se até numa verdadeira heresia agronômica. Assim posicionado, todo o capítulo de controle de plantas daninhas, importantíssimo no manejo da lavoura, passa a ser resolvido, numa combinação inteligente de práticas mecânicas e químicas.

A locação de variedades é outro item desafiador e insere-se como o terceiro elemento do ambiente – a planta. Toda uma revolução realizou-se no setor sucroalcooleiro do Brasil, nestes últimos anos, devido, principalmente, à contribuição de materiais melhorados pelos diversos centros de Pesquisa canavieira. A ponto de, em determinadas situações, deixar perplexo o responsável pelo grande manejo da Unidade Produtora.

Indiscutivelmente, o sucesso do negócio cana-de-açúcar está diretamente ligado ao bom aproveitamento das variedades disponíveis. Estudos apontam ganhos de cerca de 1,5% ao ano no período pós-45, proporcionados pelo conjunto variedades melhoradas-manejo (Hof-fmann, 1999). Costuma-se dizer que variedade de cana é o insumo de retorno mais rápido dentro de uma tecnologia já existente na unidade produtora.

Contudo, o manejo varietal é o que mais solicita interdependência com outros fatores: desde sua adequação à fertilidade do solo, resistência a stress hídrico, dimensão e extensão do sistema radicular, intensidade de florescimento, resistência a pragas e doenças, tombamento, colheitabilidade, entre outros.

O tema sobre manejo é bastante vasto e aqui estamos apenas externando nossa opinião sobre alguns pontos relevantes. Contudo, achamos oportuno explicitar a inserção do mundo canavieiro no imenso esforço dos países signatários da Agenda 21 (ECO-92), onde se propugnava o “estabelecimento de um pacto pela mudança do padrão de desenvolvimento global para o século XXI...”

E então se falava em “novo paradigma de desenvolvimento sustentável para a agricultura”... Ora, para se ter uma agricultura sustentável é necessário um manejo sustentável. E a FAO conceituava agricultura sustentável como aquela que “combina tecnologias, políticas e atividades, integrando princípios sócio-econômicos com preocupações ambientais, de modo que se possa, simultaneamente: manter ou melhorar a produção e os serviços (PRODUTIVIDADE); reduzir o nível de risco da produção (SEGURANÇA); proteger o potencial dos recursos naturais e prevenir a degradação da qualidade do solo e da água (PROTEÇÃO); ser economicamente viável (VIABILIDADE) e ser socialmente aceitável (ACEITABILIDA-DE).”

Vivemos esta realidade no setor sucroalcooleiro, talvez, de maneira dispersa e sem uma consciência explícita de sua contribuição na sustentabilidade geral da agricultura. Senão, vejamos. Listemos ações concretas que o setor oferece como contribuição:

a. o sistema cana crua;
b. a queima controlada;
c. a proteção dos mananciais com aceiros programados;
d. o repovoamento da mata ciliar;
e. as diferentes práticas conservacionistas;
f. o uso racional dos resíduos orgânicos;
g. o cultivo mínimo, tanto em planta como em soca, entre outros.

A principal contribuição está exatamente no produto final de toda essa movimentação agrícola: o combustível limpo, renovável e gerador de um ambiente saudável para seus usuários! Manejar a lavoura de cana com tal nível de consciência nada mais é que o cumprimento, na prática, dos preceitos internacionais propugnados para uma agricultura sustentável. “Tudo o que existe e vive precisa ser cuidado para continuar a existir e a viver... Uma planta, um animal, uma criança, um idoso, o planeta Terra...” (Boff, 1999).