Quando o Brasil lançou os carros flex-fuel, em 2003, a região Centro-Sul registrou uma safra canavieira de 298 milhões de toneladas. Com a retomada crescente do mercado de etanol hidratado e ótimas perspectivas de exportação do produto, houve enorme investimento no setor, com inaugurações de mais de uma centena de usinas. Com isso, em 2013 o País processou 597 milhões de toneladas de cana, um crescimento de 100% em 10 anos.
Entretanto, as boas notícias sobre investimentos na cana cessaram em 2014. Desde então, mantivemos praticamente a mesma área de cana, com moagem oscilando ao sabor do clima: acima dos 600 milhões de toneladas com tempo bom ou abaixo com clima adverso. Naquela década, diante do otimismo que o governo brasileiro propagou ao mundo, a resposta do setor foi alta e rápida.
Os produtores investiram e tornaram o Brasil candidato a ser o maior supridor de energia verde no mundo. Porém, não se observou a adesão de novos países à mistura do etanol na gasolina, e o excesso de oferta acabou sendo absorvido quase exclusivamente pelo mercado doméstico.
Isso causou o fechamento de dezenas de usinas e a entrada de novos players, entre tradings, distribuidoras e fundos, em socorro aos tradicionais empreendedores do setor sucroenergético.
Neste contexto, é importante salientar os prejuízos causados por medidas adotadas no passado, como o congelamento dos preços da gasolina, a mudança de mistura de etanol anidro, o aumento da carga tributária no etanol, alterações de metas e prazo para cumprimento do RenovaBio. Causaram insegurança jurídica e falta de previsibilidade, afugentando novos investimentos.
Em contraponto à oscilação verificada desde 2014 na moagem de cana, a demanda do ciclo Otto cresceu 15%, ou oito bilhões de litros em volume. Paralelamente, tivemos forte crescimento de investimentos na produção de etanol de milho, hoje com participação de 22% na fabricação total do biocombustível.
Para os próximos anos, devemos destacar, entre desafios e oportunidades para os biocombustíveis, a aprovação de vários programas que visam incentivar a participação das energias renováveis e a redução de emissões de CO2. Entre as principais medidas com esse objetivo estão o RenovaBio, o Programa de Mobilidade Verde e Inovação (Mover), o Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten) e a recém-sancionada Lei do Combustível do Futuro. Todas são iniciativas voltadas à atração de novos investimentos na produção de combustíveis renováveis, em linha com a transição enérgica que impõe metas de redução de emissões de CO2.
O RenovaBio, que estima a produção de 47 milhões de metros cúbicos (m³) de etanol até 2034 contra os atuais 30 milhões de m³ anuais, completou cinco anos promovendo a redução de emissões em relação à energia fóssil, gerando substancial receita com a comercialização dos CBios. Já o programa Mover vai estimular a produção e uso de carros híbridos no Brasil, e a recente sanção do Combustível do Futuro consolida o uso dos biocombustíveis como mistura, com o etanol anidro podendo alcançar 35% e o biodiesel 25%.
Assim, o setor sucroenergético, que até o passado recente tinha como base de sustentação a produção e comercialização de açúcar, etanol e energia elétrica, agora está diante de novas oportunidades. Uma das principais é a produção dos combustíveis sustentáveis de aviação (SAF, na sigla em inglês), que chegam com demanda global de 60 bilhões de litros para reduzir em 10% as emissões de carbono no transporte aéreo até 2030. Para atingir a mesma redução no Brasil até 2037, o Combustível do Futuro estabelece demanda de etanol para SAF entre 3,45 e 4,1 bilhões de litros.
O etanol de segunda geração (2G), cuja produção não requer ampliação de área cultivada graças ao reaproveitamento do bagaço e da palha da cana, pode impulsionar a produção de etanol em 50%. E o biogás e o biometano surgem como novas oportunidades de acordo com as diretrizes do Combustível do Futuro: os dois produtos deverão ser adicionados ao gás natural, de origem fóssil. A mistura de 1% começará em 2026 e terá o teto máximo de 10%.
Esses dois produtos renováveis têm enorme potencial de abastecer as empresas B2B que consomem energia fóssil, especialmente óleo diesel. Vale considerar ainda a oportunidade de gerar valor na produção de diesel verde, além do processo de estocagem de carbono na agroindústria canavieira.
É fundamental ressaltar a importância da conscientização da sociedade quanto à necessidade de proteger o planeta, que é a nossa casa, assumindo a responsabilidade pela redução das emissões. Para tanto, é preciso quebrar o paradigma entre a consciência e a necessidade. Ainda vivemos em um ambiente em que concordamos e nos preocupamos com a necessidade de baixar drasticamente as emissões, mas estamos resistentes e despreparados para pagar o preço justo pela redução.
Para exemplificar, a frota brasileira de ciclo Otto tem mais de 80% de carros flex equipados para o uso de etanol hidratado, mas apenas um quarto dela usa o biocombustível, sob o argumento de não apresentar vantagem econômica (paridade), maior autonomia e outras justificativas como potência ou corrosão de peças automotivas. No biodiesel, que tem um custo levemente superior ao do concorrente fóssil, encontramos o produto sem adição alguma ou com mistura abaixo dos 14%.
Olhando para o futuro, temos dois caminhos prioritários a seguir: melhorar a produtividade agrícola de nossos canaviais e extrair mais valor ou receita com novos produtos da cana. Num passado recente, a atividade agrícola apresentou avanços com a mecanização e a eliminação das queimas dos canaviais, mas ainda temos outros desafios a serem vencidos.
Enquanto as commodities agrícolas como soja, milho, algodão e as proteínas animais, que disputam a mesma área com a cana, cresceram mais de 100% em produtividade, nossos canaviais continuam com o mesmo índice TCH (tonelada de cana por hectare) de 40 anos atrás. Neste quesito, é preciso intensificar investimentos no desenvolvimento de novas variedades que apresentem maior e melhor rendimento agrícola.
A crescente participação do etanol de milho com menor custo de produção em relação ao etanol de cana é outro desafio. O etanol de milho vai continuar crescendo, com novas unidades produtoras pelo Brasil a caminho. Não é difícil imaginar o momento em que poderá superar a produção de etanol oriundo da cana.
Precisamos mitigar as adversidades climáticas, cada vez mais frequentes, com longos períodos de estiagem prejudicando a produtividade, impedindo renovação e plantio nos períodos adequados, além das chuvas em excesso, geadas imprevisíveis e os incêndios cada vez mais presentes. E, como oportunidade de negócios, a necessidade de reduzir emissões de CO2 e a transição energética apresentam enorme potencial.
É preciso que o governo regularize todos os grandes programas para dar maior previsibilidade e segurança jurídica ao produtor.
Deste modo, o Brasil dará início a uma escalada de investimentos para capturar os benefícios e reforçar a imagem do país como o maior produtor e fornecedor global de energia renovável e sustentável.