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Luciano Rodrigues

Diretor de economia e inteligência setorial da Unica - União da Indústria de Cana-de-açúcar

OpAA72

Os desafios do mercado de baixo carbono
A partir de 2020, os produtores de bioenergia e, em especial, a indústria sucroenergética, passaram a ofertar um novo produto associado aos benefícios ambientais dos biocombustíveis: os créditos de descarbonização ou CBIOs. Em 2022, cerca de 35 milhões de CBIOs devem ser comercializados, em um mercado que pode movimentar mais de R$ 3 bilhões no seu terceiro ano de funcionamento.
 
Esses títulos foram criados pela Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), representam a emissão evitada de uma tonelada de gases causadores do efeito estufa (GEE). O Programa prevê a compra do certificado pelos distribuidores de combustíveis para o cumprimento de suas metas anuais de descarbonização, sem, contudo, descartar o uso dos créditos para compensação de emissões por outras indústrias. O preço do CBIO, por sua vez, é determinado pelas condições de oferta e demanda, com ajustes realizados a partir da comercialização em mercado organizado.

A dinâmica inicialmente proposta pelo RenovaBio busca corrigir uma importante falha de mercado que caracteriza o mundo das energias renováveis: a presença de externalidades que resultam em um nível subótimo de produção e consumo dos biocombustíveis e um superinvestimento em fontes fósseis. Em essência, a externalidade positiva associada à descarbonização passa a ser um retorno econômico ao produtor de biocombustível; o que era externalidade negativa, por outro lado, se torna um custo privado adicional aos fósseis. A partir daí, cabe ao consumidor fazer a sua escolha, com base nos preços relativos, agora corrigidos, de cada combustível.

Esse ajuste de mercado e as transformações promovidas na indústria sucroenergética a partir da geração de CBIOs são, sem dúvida, mais importantes do que qualquer receita gerada com a venda desses títulos. As mudanças observadas desde a implementação do RenovaBio iniciaram um processo fundamental para que o setor possa enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades que serão geradas pela macrotendência mundial da energia de baixo carbono.
 
Em primeiro lugar, é nítido que os gestores das unidades produtoras incorporam novos conceitos ao sistema de produção, com a busca de produtos, tecnologias e processos redutores de emissões de GEE.  Termos como ciclo de vida, carbono equivalente, megajoule, etc. passaram a permear as discussões da indústria.
 
A adesão ao programa também impressionou. Atualmente, cerca de 90% do etanol comercializado no País já é ofertado com pegada de carbono auditada por planta industrial. Enquanto empresas de outros setores da economia correm para estruturar os seus inventários de emissões, temos uma condição única no mundo, com mais de 270 produtores vendendo etanol com intensidade de carbono certificada. 

Os primeiros resultados decorrentes da relação direta estabelecida pelo RenovaBio entre a menor pegada de carbono e o número de CBIOs emitidos pelo produtor já são observados. No último ano, por exemplo, cerca de 20 unidades produtoras solicitaram a sua recertificação voluntariamente e apresentaram ganho de eficiência energético-ambiental próximo de 25%. 

Os ajustes na produção e os aperfeiçoamentos na rastreabilidade da matéria-prima permitiram que essas empresas ampliassem o potencial de descarbonização do etanol ofertado em um curto espaço de tempo. Essa tendência deve ser intensificada nos próximos anos, gerando ganhos para toda a cadeia e para a sociedade.

Outro elemento trazido pelo mercado de CBIOs remete à estrutura regulatória e de governança criada para a geração de lastro, emissão e comercialização desses títulos. Trata-se de um arcabouço bem estruturado, que pode servir de padrão para outras iniciativas envolvendo a comercialização de créditos de carbono no País. 

A geração de lastro do CBIO se inicia com a identificação do local de origem da biomassa, excluindo eventuais propriedades com supressão de vegetação nativa ou que não atendam à legislação ambiental vigente. A mensuração da intensidade de carbono do biocombustível fabricado, por sua vez, é pautada pela avaliação de ciclo de vida, seguindo regras e padrões internacionais. O processo envolve, ainda, a auditoria dos indicadores por empresas externas, consulta pública com a divulgação ampla das informações apuradas e uma avaliação final realizada pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). 
 
Na sequência, a emissão dos CBIOs pelos produtores certificados exige a validação das notas fiscais de venda do biocombustível na base de dados da Receita Federal e a escrituração dos títulos por instituições financeiras. Toda a comercialização é registrada na B3, e os dados são reportados diariamente no site da bolsa. 

De fato, os CBIOs podem representar o começo de um mercado promissor para a cadeia sucroenergética e podem oferecer oportunidade de compensação de emissões de GEE para setores da economia com maior custo de mitigação. De todo o exposto, resta evidente que o setor avançou muito nos últimos dois anos. A despeito dessa condição, ainda existem desafios importantes a serem enfrentados na longa caminhada rumo à economia de baixo carbono. 
 
Sob o ponto de vista privado, é necessário manter os esforços para ampliar a eficiência econômica e ambiental da produção, entendendo que o futuro trará maior competição e multiplicidade de soluções energéticas. O desenvolvimento e a adoção de novas tecnologias, a consolidação da economia circular e o uso dos subprodutos, a diversificação dos produtos ofertados, a exploração de novos mercados e o maior esforço de comunicação são apenas alguns exemplos a serem trabalhados pelo setor.
 
Na esfera regulatória, as ações incorporam aperfeiçoamentos no RenovaBio e no mercado de CBIOs, harmonização e alinhamento entre as diferentes iniciativas para a criação de mercados de carbono no Brasil e a garantia de políticas públicas para a mobilidade que preservem a neutralidade tecnológica e visem à menor emissão de GEE por quilômetro rodado.

A indústria sucroenergética já mostrou capacidade de transformação e muita resiliência ao longo da sua história. Os próximos anos exigirão inventividade e empenho de toda a cadeia para se adaptar às mudanças impostas pela transição energética e se consolidar como fonte de energia limpa, acessível e confiável.