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Tassia Lopes Junqueira

Pesquisadora do LNBR/CNPEM – Laboratório Nacional de Biorrenováveis/ Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais

Op-AA-65

O impacto de novas tecnologias
A necessidade de transição dos combustíveis fósseis para fontes renováveis de energia – motivada pelo aumento da demanda global e por metas de descarbonização – não é novidade. Inclusive, o setor sucroenergético brasileiro tem tido papel ativo nessa transição há décadas, com a produção de etanol a partir de cana-de-açúcar e, mais recentemente, com a exportação de eletricidade.

Ainda, a integração com o milho, nas chamadas usinas flex, vem se destacando nos últimos anos. Adicionalmente, a utilização de biomassa para obtenção de produtos químicos apresenta grande potencial, explorando, cada vez mais, o conceito de biorrefinaria – de forma análoga à refinaria de petróleo – e possibilitando uma maior diversificação dos portfólios das usinas.

Essa diversificação foi e continua sendo essencial para a resiliência do setor sucroenergético, reduzindo a suscetibilidade às oscilações de demanda e de preços de etanol e açúcar nos mercados nacional e internacional.  Nesse contexto, o aproveitamento dos resíduos lignocelulósicos, como o bagaço e a palha de cana-de-açúcar, deve ter papel fundamental na reinvenção das usinas brasileiras, que há vários anos vêm enfrentando dificuldades em manterem sua operação frente a quedas do preço do petróleo; situação agravada pela redução do consumo durante a pandemia do coronavírus.

Em momentos como esse, a busca por maior eficiência ou, ainda, novas soluções é fundamental para a retomada econômica do setor sucroenergético. Para tanto, a utilização de ferramentas de simulação de processos e avaliação técnico-econômica pode desempenhar um papel importante.

Ainda pouco considerados, os impactos ambientais (por exemplo, emissão de gases de efeito estufa) – que vêm ganhando relevância com o RenovaBio – e sociais (tais como geração de empregos) deverão receber maior atenção no cenário pós-pandemia. Na decisão para a implementação de uma nova tecnologia ou de uma modificação operacional, modelos computacionais representativos e de boa qualidade utilizados para o cálculo de balanço de massa e energia, combinados a metodologias padronizadas e consistentes, podem guiar o desenvolvimento de projetos e apontar em que direção investir esforço experimentalmente ou até mesmo em escala industrial.

Com isso, é possível avaliar alternativas em menor tempo e com menor custo e, principalmente, minimizar os impactos na operação industrial das usinas. Combinando diferentes modelos matemáticos, ferramentas de simulação e metodologias, adaptados para o setor sucroenergético brasileiro, a plataforma Biorrefinaria Virtual, desenvolvida pelo Laboratório Nacional de Biorrenováveis - LNBR/CNPEM, vem sendo utilizada para avaliar diferentes tecnologias.

Um importante diferencial dessa ferramenta é a possibilidade de integrar toda a cadeia produtiva, incluindo a produção de cana-de açúcar, sua conversão industrial em produtos, como o etanol e a bioeletricidade, e, ainda, a logística associada à sua distribuição e uso. Ao longo dos últimos anos, outras biomassas, como milho, cana-energia e resíduos florestais, também foram sendo incorporadas na plataforma, tornando-a mais abrangente e flexível.

Esse tipo de abordagem permite mensurar o sucesso e a maturidade de diferentes tecnologias, considerando os impactos técnicos, econômicos, ambientais e sociais. Com caráter multidisciplinar, são integradas diversas especialidades (engenharia, biologia, química, economia, entre outras), de forma a possibilitar avaliações completas e abrangentes das mais variadas rotas tecnológicas.

Dessa forma, é possível antecipar as consequências antes da implementação real em larga escala, permitindo orientar a pesquisa e o desenvolvimento para promover a competitividade econômica e melhorar os benefícios ambientais e socioeconômicos. 

Para a simulação da fase agrícola, o LNBR/CNPEM desenvolveu um modelo que incorpora os parâmetros mais importantes do sistema de produção da cana-de-açúcar, como produtividade, tipo de plantio e de colheita, operações agrícolas, mão de obra, insumos, transporte, entre outros.

Para os cenários industriais, são calculados os balanços de massa e energia dos processos industriais, considerando, como base, fluxogramas de processos, condições operacionais e rendimentos validados junto a diversas usinas do setor.

Por fim, são determinados os impactos relativos à logística de distribuição e de comercialização e uso dos produtos. Através da metodologia de análise técnico-econômica, são calculados os indicadores econômicos, como custo de produção, taxa interna de retorno e valor presente líquido. 
 
Para a avaliação ambiental, utiliza-se a metodologia de Análise de Ciclo de Vida, que considera o uso de recursos e as emissões de todas as etapas de produção (desde a matéria-prima até o produto) e uso final dos produtos. Dentre os indicadores calculados, destacam-se: potencial de aquecimento global, uso de energia fóssil, uso de terra e água, entre outros.

Com relação aos impactos sociais, são quantificados diversos indicadores, tais como geração de empregos, número de acidentes, nível de escolaridade do trabalhador, entre outros. As avaliações já realizadas com a Biorrefinaria Virtual englobam uma variada gama de tecnologias, desde as agrícolas – cujos impactos são observados também na indústria, como a mecanização da colheita, recolhimento de palha, novas práticas agrícolas, entre outras – até diferentes propostas de biorrefinarias para produção de etanol de 1ª e 2ª geração, açúcar, eletricidade, biogás, querosene de aviação, biodiesel, butanol, ácido succínico, furfural, polímeros, entre outros produtos. 
 
Um exemplo de aplicação da Biorrefinaria Virtual que demonstra essa integração de tecnologias na cadeia produtiva de cana-de-açúcar é o projeto SUCRE – Sugarcane Renewable Electricity, cujos resultados foram divulgados em um relatório final no primeiro semestre deste ano.

As avaliações realizadas consideraram desde os possíveis impactos da remoção da palha no campo, as diferentes rotas de recolhimento (colheita integral e enfardamento) até as variações na produção de açúcar, etanol e eletricidade, entre outros aspectos. Através de parcerias com usinas, avaliações personalizadas – considerando, por exemplo, as configurações agrícola e industrial e contratos vigentes para comercialização de eletricidade – foram realizadas para identificar as condições de viabilidade econômica para cada caso.

Além disso, avaliações ambientais e sociais demonstraram os impactos em nível nacional do aproveitamento da palha. Nesse sentido, também foi desenvolvida uma calculadora que permite avaliações rápidas e preliminares do potencial da palha (PalhaCalc). Para o futuro, a Biorrefinaria Virtual deverá dar um maior enfoque às avaliações de processos biotecnológicos, atuando de forma sistêmica e sinérgica nos desenvolvimentos realizados no LNBR/CNPEM e validados em planta piloto, contribuindo para orientar e acelerar a transferência de tecnologia, bem como para o monitoramento georreferenciado de serviços ecossistêmicos – com foco nos impactos no uso de terra e no balanço hídrico –, em escala regional e nacional, para promover a utilização sustentável da biomassa.