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Sergio de Souza Araujo

Presidente da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis - Abicom

OpAA79

A porta estreita do refino brasileiro
Todos aqueles que têm menos de 30 anos devem se lembrar, mesmo que vagamente, das vultosas propagandas governamentais de que em 2006 atingimos a autossuficiência na produção de petróleo, ou seja, de que o volume da produção de petróleo nacional já era igual ou superior ao volume necessário para a produção dos derivados de petróleo demandados pelo mercado brasileiro. Tomando-se como base essa informação, surge a dúvida: por que o Brasil ainda importa alguns derivados de petróleo? Por que somos extremamente dependentes da importação do óleo diesel?

A principal resposta a essas questões encontra-se no conjunto das refinarias brasileiras, do número de plantas, da distribuição geográfica, da capacidade de processamento de petróleo e da complexidade de processo, ou seja, da sua capacidade de transformar o petróleo bruto nos derivados consumidos pela sociedade.

Nas últimas duas décadas, analisando os componentes: produção de petróleo, capacidade de refino e o consumo interno de derivados, percebemos que houve um foco muito grande em ampliar nossa produção de petróleo. 

Segundo dados da ANP, passamos dos 0,28 para 0,55 milhões de m³ por dia, entre os anos de 2007 e 2023, um aumento de 275%, que consolidou o Brasil como um dos 10 maiores produtores mundiais desta importante commodity.

Por outro lado, a última grande refinaria totalmente concluída e entregue foi em 1980, a Refinaria Henrique Lage (Revap), em S. José dos Campos-SP e, após isso, tivemos 30 anos sem a construção de novas refinarias. Somente em 2010, tivemos a entrada em operação da atual 3R Petroleum, antiga Refinaria Clara Camarão (RPCC) e, em 2014, o primeiro trem da Refinaria Abreu e Lima (RNEST), ambas com capacidades de processamento muito aquém do adicional necessário para suprir a demanda interna. No painel dinâmico da ANP, constam 19 refinarias, sendo 10 de grande porte.

A capacidade de refino nacional é de aproximadamente 0,38 milhões de m³ por dia e está concentrada na região Sudeste (62%), seguida das regiões Nordeste e Sul (18%). Além da maior capacidade de refino, a região Sudeste também possui vasta infraestrutura para movimentação de derivados, criando assim um cluster regional que complementa parte do déficit de outras regiões, realizando movimentações pelos modais rodoviário, ferroviário e de cabotagem.

Olhando a demanda interna, observamos que, de 2007 até 2023, as vendas de óleo diesel A (puro) subiram de 28 para 55 milhões de m³ por ano (crescimento de 96%) e as de gasolina A (pura) passaram de 13 para 31 milhões de m³ por ano (aumento de 138%), refletindo aspectos macroeconômicos do Brasil, como expansão da fronteira agrícola, recordes em diversas safras, aumento das exportações, vendas de automóveis e outros.
 
Até aqui temos um retrato do Brasil que investiu na expansão da produção de petróleo e a conjuntura econômica que elevou o consumo interno de derivados de petróleo. Entretanto, os investimentos na atividade de refino ficaram limitados ao atendimento das exigências das novas especificações dos derivados, notadamente àquelas ligadas ao controle de emissões atmosféricas, não havendo lugar para o aumento dos volumes produzidos de derivados. 

Grandes e promissores projetos como o COMPERJ (RJ) e as Refinarias Premium I (CE) e II (MA), e a atração de parceiros privados para investirem na expansão da capacidade de refino nacional não avançaram, contribuindo para o Brasil ficar dependente da importação dos principais combustíveis. Desde 2014, na média mensal, são importados cerca de 1 milhão de m³ de óleo diesel A, o que equivale a aproximadamente 20 navios do tipo MR (Medium Range, utilizados para transporte de produtos refinados) aportando no Brasil todos os meses.

Ao olharmos para frente, pelas projeções da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vemos que a necessidade de importação de óleo diesel A irá dobrar no horizonte de 10 anos; passando de aproximadamente 35 mil m³ por dia em 2022 para 52 mil m³ por dia em 2032, ou seja, será necessário que todos os dias um navio do tipo MR aporte no Brasil. Fato decorrente da projeção do crescimento médio do PIB brasileiro em 2,7% ao ano. A produção nacional, no mesmo período, terá um crescimento de apenas 1,2% ao ano, considerando que os investimentos atualmente previstos, como o 2º trem da RNEST, o Polo Gaslub e novas unidades de hidrotratamento, estejam conclusos até 2032. 

Ao abastecerem seus veículos movidos a motores diesel, os consumidores colocam nos seus tanques uma mistura do óleo diesel A de origem fóssil e do biodiesel, um biocombustível.

Assim, o aumento no consumo do biodiesel decorrerá de dois fatores: o aumento da demanda de óleo diesel B e o incremento do seu teor na mistura obrigatória que será de 14% a partir de março de 2024, com previsão de aumento gradual nos anos seguintes, dependendo de aprovações de qualidade em testes que precisam ser realizados.

Com um reduzido número de usinas produtoras, o Brasil possui uma posição de exportador líquido de biodiesel. Passados quase 19 anos após a inauguração da primeira unidade produtora de biodiesel, esse é o único combustível, fóssil ou renovável, que tem a sua importação vedada. Esse fato é prejudicial aos consumidores, pois o biodiesel é um produto com mandato, ou seja, com consumo obrigatório, oriundo de um reduzido número de produtores nacionais e cujo preço praticado não sofre nenhum tipo de contestação. 

Nos próximos 10 anos, o Brasil terá que enfrentar grandes e diversos desafios para garantir o abastecimento de óleo diesel, como a melhoria da infraestrutura dos portos para aumentar as suas capacidades e reduzir o tempo de espera para atracação e descarga de navios, o aumento da disponibilidade de terminais para movimentação de produtos e a infraestrutura para garantir a internação dos volumes importados, haja vista que temos uma grande demanda de óleo diesel no interior do Brasil.

Estudo contratado pelo Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) aponta que, no cenário base, serão necessários 9 bilhões de reais em investimentos em infraestrutura no setor de combustíveis para atender à demanda do país até 2035. Os desafios no mercado de biodiesel para os veículos do ciclo diesel passam pelo fim da reserva de mercado, permitindo a importação e a inserção de novos biocombustíveis  (Diesel Verde e HVO), utilizando novas rotas tecnológicas. Ações que induziriam a realização de investimentos na busca contínua pela melhoria da qualidade e da eficiência na produção e logística pelos produtores e comercializadores de biodiesel.

É preciso compreender que importadores e produtores não estão em lados opostos, como que “disputando um cabo de guerra”. São agentes que possuem características e modos de atuação diferentes. Os produtores atuam transformando matérias-primas em combustíveis de forma perene no território nacional e os importadores atuam identificando os déficits no suprimento e/ou as janelas de oportunidades, sempre visando complementar os volumes dos produtores para atender à demanda.
 
Assim, produtores e importadores atuam juntos para garantir o abastecimento nacional.