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Helvio Rebeschini

Diretor da DO & UP Consultoria

OpAA68

Etanol brasileiro, sucesso e frustração
O etanol brasileiro completou 45 anos desde a criação do Proálcool, em 1975. Um sucesso sob a óptica da produção de uma energia limpa e renovável, com avanços gigantescos em diversas áreas, desde a biotecnologia, o desenvolvimento e a inovação de equipamentos e de insumos, na eficiência logística, no desenvolvimento humano, até no manuseio da terra, dentre vários outros.
 
O etanol já ultrapassa 50% do volume dos combustíveis consumidos no ciclo Otto, totalizando 28,9 bilhões de litros em 2020, posicionando o Brasil dentre os países líderes em consumo de energia veicular renovável. A frustração decorre da sonegação e da inadimplência tributária no hidratado, que atinge 1/3 do volume comercializado, principalmente do (ICMS) segundo apurado por entidades do setor, o que o torna o combustível campeão de sonegação e inadimplência, num montante estimado de R$ 5 bilhões ao ano e crescente. Perde a sociedade, o erário e os concorrentes leais que pagam seus impostos normalmente.
 
O valor elevado dos tributos, a complexidade da legislação tributária, a morosidade da fiscalização e do judiciário e a impunidade criam um ambiente propício para os contribuintes mal-intencionados, mais conhecidos como devedores contumazes (aquele contribuinte que constitui uma empresa com o pressuposto de não pagar tributos, enriquecer rapidamente através da prática predatória de preços, gerando uma concorrência desleal sem precedentes).  

1) O valor elevado dos tributos: Combustível tem tributação elevada em quase todo o mundo. O Brasil se situa numa faixa intermediária. Importante ressaltar que, no caso dos combustíveis, dependendo do produto e do estado onde é comercializado, a tributação pode atingir de 5 a 10 vezes o total das margens de comercialização. 

2) A complexidade da legislação tributária: No que tange aos combustíveis, além das legislações sobre os tributos federais, existem 27 legislações estaduais que tratam do ICMS, uma para cada tipo de combustível, ou seja, os 3 principais combustíveis demandam 81 legislações sobre o ICMS.

No caso específico do etanol hidratado, entre um estado e outro, as alíquotas do ICMS variam entre 12% e 30% dos preços médios praticados nas bombas (PMPF). Outro aspecto relevante, no caso específico do etanol combustível, diferentemente da gasolina e do diesel, cujos impostos são recolhidos no elo produtor e/ou importador da cadeia, no etanol hidratado a arrecadação ocorre em 2 etapas: parte na produção e/ou importação e parte na distribuição.  

3) Morosidade do sistema: A complexidade da legislação somada ao rito processual no julgamento de um auto de infração tributária (AI) demandam entre 4 e 6 anos para a conclusão. Cerca de 2 anos na esfera administrativa junto ao Conselho de Contribuintes, estatísticas mostram que, no setor, mais de 85% dos AIs são favoráveis aos estados. Os devedores contumazes imediatamente questionam judicialmente, e lá se vão mais 3 a 5 anos de discussão com a infinidade de recursos e apelações que a legislação permite. Importante ressaltar que, no setor de combustíveis, o estado sai vencedor na maciça maioria, porém dificilmente recebera a dívida,como veremos a seguir. 
 
4) Impunidade: Talvez, esteja aqui o maior incentivo à sonegação e/ou inadimplência dos tributos. As secretarias de fazenda
dos estados estão abalroadas de contribuintes condenados a pagar após 4 a 6 anos de demanda. Ocorre que esses contribuintes, muitas vezes, já estão inativos. No caso das distribuidoras, a maioria não possui bens ou ativos para honrar a dívida. Ou seja, 
o devedor contumaz, em 5 anos, se tornou milionário e, ao final, ficou impune. Para a União e os estados, resta a frustração do
 “ganhou, mas não levou”.
 
Os estados, através dos Regimes Especiais de Fiscalização e Tributação, procuram diferenciar o contribuinte normal e adimplente dos contribuintes sistematicamente sonegadores e/ou maus pagadores (o devedor contumaz). No entanto, sem muito sucesso, pois esses contribuintes questionam judicialmente os regimes especiais alegando que são meios coercitivos usados contra o contribuinte, obtendo, na maioria das vezes, liminares, afastando os regimes e, por consequência, aumentando o passivo tributário. 
No que pese a Constituição Federal de forma acertada proteger o contribuinte da voracidade do estado na arrecadação, essa mesma Constituição também prevê que regimes especiais possam ser adotados. 

Art. 146-A. Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo.

Existe solução sem uma ampla reforma tributária? 

Sim, se observamos o que já está previsto na Constituição Federal, bem como a jurisprudência estabelecida pelo STF sobre o tema sonegação/inadimplência e seus impactos na concorrência, é possível mitigar a maioria dessas fraudes. Veja:

a) Os Conselhos de Contribuintes devem rever normas e procedimentos internos, visando a maior celeridade na análise dos AIs, estabelecendo filtros que levem em consideração o tempo do AI, o montante, a recorrência, dentre outros, observando-se obviamente as limitações previstas na legislação. 

b) Tramita no Congresso o PLS 284/17 de autoria da ex-Senadora Ana Amélia, que visa regulamentar o Artigo 146-A da CF. Esse PLS visa caracterizar o devedor contumaz de tributos, na medida em que valida os Regimes Especiais Fiscalização e de Tributação, reduzindo drasticamente os questionamentos judiciais e as consequentes liminares tributárias.

c) Sempre defendi que, no caso de o Judiciário entender que ainda assim deva conceder uma liminar a um contribuinte, que, nessa decisão, o montante do tributo correspondente seja depositado em juízo. Isso não prejudica o contribuinte, uma vez que ele continuará comercializando em condições de igualdade com o seu concorrente leal sob a ótica da tributação. Dessa forma: 1) a concorrência desleal deixa de existir, 2) ao final da discussão do processo, caso o contribuinte tenha razão, ele terá o montante depositado a seu dispor, e 3) caso o Estado tenha razão, até então tem sido superior a 85%, ele, Estado, e a sociedade não perderão, revertendo a situação vigente hoje do “ganha, mas não leva”.
 
d) A decisão por maioria do STF no RE 550769/RJ, de 25/05/2013, cria jurisprudência a respeito do tema: 
 
e) Trecho do voto do Ministro Joaquim Barbosa: “não há que se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica [cassação] objetivam combater estruturas empresariais que têm, na inadimplência tributária sistemática e consciente, sua maior vantagem concorrencial”;

f) Através de Lei Complementar regulamentar, O artigo 155 da CF., onde caberá aos estados e ao DF: 1) definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez, qualquer que seja sua finalidade, 2) serão uniformes em todo o território nacional, podendo ser diferenciadas por produto, 3) poderão ser específicas, por unidade de medida adotada, ou ad valorem, incidindo sobre o valor da operação ou sobre o preço que o produto. f1) A Emenda Constitucional 33, de 11 de dezembro de 2001, estabeleceu que:  Art 4º   Enquanto não entrar em vigor a lei complementar de que trata o art. 155, § 2º, XII, h, da Constituição Federal, os Estados e o Distrito Federal, mediante convênio celebrado nos termos do § 2º, XII, g, do mesmo artigo, fixarão normas para regular provisoriamente a matéria.

g) Recentemente, o Poder Executivo enviou ao Congresso o Projeto de Lei Complementar (“PLC”) nº 16/2021, que visa justamente regulamentar o Art. 155 da CF, instituindo o ICMS monofásico sobre combustíveis derivados e não derivados do petróleo.

Existe um receio dos estados de perder arrecadação, uma vez que a definição de única alíquota nacional do ICMS por produto tenderia a ser definida pela média ponderada Brasil; como consequência, alguns estados teriam perda de arrecadação num primeiro momento, no entanto outros teriam ganho. Para solucionar isso, bastaria criar um fundo de compensação temporário e progressivo, para o qual os estados ganhadores repassariam o excedente de tributos auferido, e este, por sua vez, repassaria aos estados perdedores. 

Em resumo, existe solução, independentemente de uma Reforma Tributária. É preciso sim vontade política em se aprovar o que está proposto na mesa, bem como os conselhos de contribuintes reverem seus procedimentos visando a maior celeridade, e o Judiciário, definir o depósito em juízo dos tributos nas decisões liminares tributárias onde se caracterize o devedor contumaz.