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Jefferson Melhim Abou-Rejaile

Diretor do BrasilCom

Op-AA-08

Mais do que falar em números

Mais do que falar em números, oferta, demanda, safra, entre todos os assuntos relacionados à discussão do álcool combustível, deveríamos fazer uma avaliação do projeto álcool. Sua importância e objetivos, benefícios e contra-prestação esperada. Com esta reflexão, teremos uma avaliação de responsabilidades e do rumo a ser tomado no período de entressafra deste produto.

Todo projeto, na iniciativa privada, tem por origem uma visão, mas seu êxito depende de planejamento. Um planejamento eficiente contempla que cada ônus ou bônus seja destinado ao agente certo, desta forma, todas as atribuições, conexões e obrigações serão exercidas por agentes comprometidos com o resultado. A reflexão proposta é fundamental para esta seleção. É importante que o ente que catalisa o movimento desta estrutura esteja ciente das responsabilidades de cada agente.

Quem será o beneficiário e quais os objetivos? O país, empresários, população, consumidores, agricultores, governo, geração de divisas, geração de empregos, geração de renda no interior, concentração da população no interior, exportação, saldo positivo na balança comercial, enriquecimento da tecnologia, exportação dela, liderança em um produto importante na matriz energética mundial, menor dependência aos combustíveis fósseis, energia ecológica, ferramenta política de relevância internacional, etc.

Importância, objetivos e beneficiários não faltam, como poderíamos interrelacioná-los? Partindo do pressuposto que não estamos investindo dinheiro público para geração de renda dos empresários, que pretendem investir no setor, nem tampouco para beneficiar a indústria canavieira, que no passado já obteve todas benesses possíveis e imagináveis do governo, resta-nos três caminhos.

O primeiro, trata da utilização desta tecnologia e desta oportunidade para maior exposição do país, e conseqüente utilização como ferramenta de pressão, por maior respeitabilidade no cenário internacional. Ser respeitado, como os países que ditam as regras na distribuição de derivados de petróleo, ter peso e relevância na tomada de decisão de pontos estratégicos na política internacional e obter a chancela necessária para participar ativamente dos rumos da humanidade são nobres atribuições, que dependem de uma série de fatores, e o projeto do álcool pode ter uma relevante contribuição para que passemos a fazer parte deste seleto grupo.

Todavia, este caminho, sozinho, seria mesquinho e individualista. Creio que este não seja o objetivo final e sim mero subproduto do principal. O segundo caminho, que tem o primeiro como acessório, seria a preocupação quanto à questão ambiental. Acredito que o projeto do álcool passa por esta seara, contudo, não creio que seja este o mote de nossa empreitada. Este rumo depende da soma de vários fatores, uma iniciativa isolada ficaria apenas no campo das boas ações.

Por fim, nossa empreitada no álcool poderia estar focada no crescimento do país, gerando riqueza no campo e utilizando nossa estrutura natural. Seriam atingidos os pontos anteriores e contribuiria para a solução dos problemas sociais e econômicos. Desta forma, temos a noção perfeita do grande beneficiário. O bônus tem endereço certo, portanto o ônus deve ter o mesmo caminho.

Partindo do pressuposto legal, não há dúvida de que a criação e a manutenção de estoques reguladores são uma atribuição do Governo Federal. O marco legal é claro com relação a isto e o respeito a este preceito é condição fundamental para a manutenção do Estado de Direito. Devemos contar, porém, com a fragilidade e a efemeridade da estrutura legal, em nosso país.

Não somos reféns da vontade individual, como no passado, mas somos suscetíveis a decisões emocionais e pouco embasadas, o que contamina a segurança jurídica do país. Respeitamos as leis e os contratos, porém, as primeiras, inacreditavelmente, são mais frágeis, dentro da atual estrutura, que os segundos. Desta forma, nossa articulação e motivação devem ser claras e objetivas para que não pereçamos no rumo inadequado, tomado por uma decisão autocrática.

Moralmente, a atribuição de formação de estoque regulador passa pelo Governo Federal. É o único agente que não tem interesse econômico no projeto. Administra a maior e mais eficiente estrutura logística do país. Conhece as carências, fragilidades e todos os pontos críticos, que podem gerar a falta ou o excesso de produto. Não há outra forma de regular, especialmente uma commodity agrícola, que não por meio de estoque regulador. Houve grandes riscos tomados no período da entressafra, em janeiro de 2006. Ninguém consegue conter o mercado por decreto, exceto se forem criadas barreiras.

A mera cogitação de criação de sobretaxas para exportação e de não cumprimento dos contratos internacionais de fornecimento podem acabar com toda a credibilidade do produto e do país. Não podemos mais ter este tipo de atitude para proteger demagogicamente o preço de um produto. Existem ferramentas legais e aceitáveis, que podem e devem ser utilizadas.

Em um momento crítico do mercado, na década de 90, a indústria canavieira tentou obter a proteção do governo, pois estava sucumbindo, e não obteve êxito. Estruturados e organizados, retiraram o excesso de produto do mercado, tornando-o atrativo, utilizando-se da única lei de mercado que ninguém revoga ou modifica, oferta e demanda. Esta é a iniciativa que se espera do governo, para que a sociedade fique protegida das oscilações de preço na entressafra.

Não esperamos normas paliativas, nem tampouco a ameaça à credibilidade do país. Há necessidade de uma política de abastecimento transparente, que passe por este produto. Esperamos apenas uma atitude firme e consistente. Assumindo a responsabilidade pela proteção do grande beneficiário do projeto: toda a população do Brasil.