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Monalisa Sampaio Carneiro

Professora de Genética e Melhoramento da UFSCar

Op-AA-17

Melhoramento molecular

Os programas de melhoramento genético clássicos de cana-de-açúcar fundamentam-se no cruzamento de uma centena de genitores, através de cruzamentos biparentais, especiais ou múltiplos, visando obter milhões de novos genótipos, que após alguns anos de seleção geram poucas variedades. No ano de 2007, por exemplo, a Ridesa gerou cerca de 2,1 milhões de novas plântulas de cana.

Nas primeiras fases de seleção, o número de clones é muito elevado, fazendo com que os melhoristas enfatizem a seleção em poucas características, como teor de sacarose, presença ou ausência de doença, ausência de florescimento, chochamento e número de colmos. Feita a seleção inicial, milhares de indivíduos serão avaliados nas fases seguintes para produtividade, performance em diferentes ambientes, colheitabilidade mecânica em experimentos com várias repetições e em diferentes locais.

A experimentação agrícola em cana é extremamente laboriosa, sendo necessárias avaliações de vários anos de colheita (cana-planta, soca e ressoca), além da forte interação dos genótipos com os ambientes de produção. Desde a realização dos cruzamentos, até a liberação de variedade comercial, o tempo gasto é de cerca de 10 a 12 anos.

Nos últimos 40 anos, o melhoramento clássico tem sido responsável pelo aumento do teor de sacarose e do potencial produtivo das variedades modernas de cana. No entanto, o número de genes envolvidos na determinação de um caráter de herança complexa (e.g. tolerância à seca) sofre grande influência do ambiente, dificultando o trabalho dos melhoristas na seleção dos melhores clones.

Diante das dificuldades vivenciadas no melhoramento clássico, surgiu o melhoramento molecular, com um conjunto de abordagens que compreende a informação genética, em escala das moléculas (DNA, RNA e proteína), e suas interações, reunindo conhecimento para gerar novas variedades de cana, mais ricas e produtivas.

O melhoramento molecular não substituirá o melhoramento genético convencional, muito pelo contrário, somente a ação conjunta destas estratégias alcançará elevados ganhos de produção. Para que o melhoramento molecular seja utilizado de forma rotineira nos programas de melhoramento clássico, ainda é necessário um contínuo desenvolvimento de pesquisa básica.

No entanto, o Brasil tem destaque internacional na biotecnologia da cana. Parte desse cenário é resultado da iniciativa pioneira da Fapesp, no projeto Sucest, que permitiu isolar 33 mil genes de cana. As principais atuações do melhoramento molecular em cana são os marcadores moleculares e a transgenia. Os marcadores moleculares são características de DNA (ou cDNA), que diferenciam dois ou mais indivíduos e são herdadas geneticamente.

Em outras palavras, esses marcadores são dispostos em todo o genoma da cana, funcionando como etiquetas que identificam regiões associadas a características de interesse (e.g. teor de sacarose, resistência a doenças). Vamos imaginar que o genoma da cana seja uma megametrópole, e os marcadores moleculares sejam uma lista organizada de todas as casas existentes nesta cidade.

Sendo assim, a tarefa para encontrar uma residência torna-se mais fácil e menos demorada. No caso da cana, os marcadores moleculares contribuirão na seleção de genótipos desejáveis, durante as fases de seleção, no programa de melhoramento clássico. Esse processo é denominado seleção assistida por marcadores, e consiste na seleção indireta e precoce de clones de cana.

Os marcadores moleculares são valiosa ferramenta na organização dos bancos de germoplama, na identificação varietal e na escolha de genitores, que propiciem a realização de cruzamentos dirigidos, com maior eficiência na obtenção de clones promissores. No Brasil, um grande avanço nos marcadores moleculares em cana-de-açúcar foi o desenvolvimento dos marcadores microssatélites funcionais, por pesquisadores da Unicamp.

Atualmente, os programas de melhoramento genético do IAC, UFSCar/Ridesa, CTC e CanaVialis vêm utilizando essa ferramenta para estudo da variabilidade genética presente no seu germoplasma e também para orientação dos seus cruzamentos. No entanto, mais pesquisas deverão ser desenvolvidas, na busca de outras classes de marcadores, que ampliem a cobertura do genoma de cana, permitindo a total automatização do processo de genotipagem.

A transgenia possibilita que a constituição genética de uma variedade de cana seja alterada pela introdução controlada de um gene definido (genes de arroz, por exemplo), sem ocorrência de cruzamento. Em outras palavras, a transgenia pode ser comparada a uma “pequena cirurgia plástica”, onde desejamos modificar alguns traços indesejáveis, e não “consertar” o indivíduo como um todo.

Eventos transgênicos de cana vêm sendo produzidos, visando ao aumento no teor de sacarose e à tolerância a estresses bióticos e abióticos (pragas e seca). No Brasil, nenhum evento transgênico de cana foi liberado comercialmente ao setor produtivo. A adoção da tecnologia dos marcadores moleculares pelos programas de melhoramento de cana é fundamental para garantir ganhos genéticos paulatinos e constantes.

Diferentemente, uma variedade transgênica provocará mudanças rápidas, mas é uma tecnologia que não produz um cultivar, apenas corrige defeitos daquelas que foram obtidas nos programas de melhoramento genético convencional. Finalmente, a utilização de estratégias moleculares nos programas de melhoramento genético de cana-de-açúcar terá forte impacto na geração de novas variedades.