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Manoel Carnaúba Cortez

Membro do Conselho da Impacto Bioenergia

OpAA79

Utilização do etanol como insumo da indústria de plásticos
Os últimos dois séculos trouxeram grandes transformações para a humanidade. A maior, em minha opinião foi, sem dúvida, o fato de o homem passar a viver em grandes cidades, trazendo mudanças significativas no seu estilo de vida e modificando suas demandas. Mas foram as grandes descobertas tecnológicas que possibilitaram a vida nessas grandes metrópoles.

A transição da utilização em larga escala do carvão para o petróleo, ao longo do século XX, talvez tenha sido a maior das contribuições para essa mudança no estilo de vida da humanidade. Não podemos esquecer a grande contribuição da energia elétrica, em suas diversas formas de geração.

O processo de industrialização acelerou a urbanização das sociedades, trazendo a necessidade da construção de novas formas de fornecimento de água, transporte, alimentos, energia, saneamento, etc.

No final do século XIX, o carvão e a biomassa eram as grandes fontes de energia para as grandes cidades da Europa, EUA e da Ásia. É nesse período que o petróleo começa a sua trajetória no sentido de tornar-se a maior fonte de energia e importante matéria-prima para aquela nova sociedade. O século XX se inicia com importantes avanços tecnológicos, como a consolidação da geração de energia elétrica em grande escala, o desenvolvimento do fracionamento do petróleo em várias correntes, o desenvolvimento dos motores a explosão e a diesel, entre tantas outras invenções. Destaco a primeira produção de plástico, o “Bakelite”, por Leo Baekeland, em 1909.

O século XX avança e a descoberta de novos produtos sintetizados a partir de derivados de petróleo segue crescendo. Entre 1914 e 1918 ocorreu a primeira grande guerra, acelerando ainda mais a demanda por petróleo e seus derivados. Em 1927 é produzida a primeira borracha sintética: “Buna-N”. Em 1933, a Imperial Chemical Industries, inicia a produção do “polietileno”, dando início ao novo universo dos termoplásticos!

Entre 1939 e 1945 temos a Segunda Guerra Mundial, período triste da humanidade, pelo elevado número de mortos, feridos e incapacitados, entre outros danos, mas que, por suas demandas tecnológicas, no seu fim, trouxe um novo conjunto de produtos para a sociedade. A segunda metade do século XX acelera a transformação da humanidade. O “homem urbano” das grandes metrópoles passa a ter um novo estilo de vida com a demanda exponencial por transporte, energia, em várias formas, alimentos, saúde, água, etc., isto tudo demandou novos materiais.

Além disso, o “homem rural” passa por grande transformação para poder atender às demandas da nova sociedade urbana. A utilização de novas formas de materiais e energias são incorporadas ao seu novo estilo de vida. 

Os combustíveis fósseis, os fertilizantes sintéticos e os novos materiais, principalmente os termoplásticos derivados de petróleo, passam a ter papel fundamental. O século XX termina com a humanidade tornando-se predominantemente urbana e consumidora de quantidades de materiais fósseis inimagináveis. Os efeitos colaterais dessas demandas aparecem e o aquecimento global, e suas  consequências, torna-se o principal deles.

A sociedade do século XXI, por suas destacadas características, tem hoje uma grande necessidade por termoplásticos, que atendam a uma gama imensa de aplicações, desde embalagens para alimentos e bebidas, água e saneamento, transporte, energia, produtos médicos, vestuário, agricultura, etc.

A produção desses termoplásticos, em sua grande maioria, demanda derivados de petróleo ou gás natural, com destaque para os polietilenos, polipropileno e PVC, que juntos representam o maior consumo global e a maior emissão de gases de efeito estufa desse setor, durante a sua fabricação.

A busca por rotas alternativas de produção para esses termoplásticos são pesquisadas há bastante tempo e soluções já têm sido aplicadas em larga escala. Para a produção do polietileno e do policloreto de vinila (PVC), a matéria-prima básica é o etileno, hoje obtido da Nafta petroquímica ou da fração de etano do gás natural. No entanto, desde a metade do século passado, conhece-se a rota de desidratação catalítica do etanol, que proporciona a fabricação de eteno.

O Brasil já utilizou essa rota, em escala industrial, em duas unidades fabris, localizadas no Nordeste. Na Cia. Alcoolquímica Nacional, em Cabo de Santo Agostinho-PE e na Salgema Indústrias Químicas, em Maceió-AL.

A Salgema, utilizando tecnologia desenvolvida pela Petroquisa, empresa subsidiária da Petrobras, construiu e operou durante cerca de 10 anos uma unidade com capacidade de produção de 120.000 t/ano de eteno, totalmente direcionada para a produção de dicloroetano/PVC. 

No início dos anos 90, a rota petroquímica para a produção de etileno tornou-se mais competitiva e essas unidades foram descontinuadas. Em 2005, já com a população mundial consciente da necessidade de substituição dos produtos fósseis, emissores de gases de efeito estufa, estive numa visita, como integrante da Braskem, a Toyota Motor Company, em sua unidade de desmantelamento do carro Corolla, o veículo de maior produção global naquela época, localizada na cidade de Nagoya, Japão, onde uma unidade foi totalmente desmantelada e seus componentes separados por tipo de material, visando reaproveitamento.

Na visita, tomei conhecimento de que o maior desafio, naquele momento, era a substituição de produtos produzidos a partir de matérias-primas fósseis. Foi, então, que lembrei da unidade e do eteno a partir de etanol em Maceió. Voltei com a ideia fixa de produzir eteno a partir de etanol, produto que o Brasil se tornaria o maior produtor mundial.

Junto com colegas, concebemos uma unidade piloto para o desenvolvimento de eteno de alta qualidade, que pudesse ser utilizado nas unidades de produção dos diversos tipos de polietileno (linear, alta densidade, etc.). Um ano após minha visita, tínhamos protótipos de pequenos carros plásticos, feitos com eteno a partir de etanol de cana-de-açúcar!

A Toyota vibrou com o desenvolvimento e apoiou a Braskem no desenvolvimento do projeto em escala industrial. Em 2010, no Polo Industrial de Triunfo, no Rio Grande do Sul, iniciava a produção numa unidade industrial, com capacidade para 200.000 t/ano de eteno, que passaram a ser utilizados nas unidades produtoras de Polietilenos, ali já existentes, tornando a Braskem a maior produtora de Biopolímeros do mundo. 

O produto, hoje comercializado globalmente, é um grande sucesso, levando a Braskem a expandir em cerca de 50.000 t/ano a capacidade original da unidade. Assim, a demanda de etanol para a produção de termoplásticos nessa unidade já é superior a 600 mil m³/ano. 

Novas fábricas devem ser construídas usando essa tecnologia, como o projeto em andamento na Tailândia. Várias iniciativas encontram-se em desenvolvimento para a produção de propeno, também a partir do etanol e espera-se a viabilidade econômica dessas rotas para o futuro. É o etanol brasileiro na vanguarda ecológica mundial. Daqui a dez anos teremos muito mais plásticos verdes.