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Roberto Rodrigues

Coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas

Op-AA-11

O álcool como commodity mundial

Em seu discurso no State of The Union, no último dia 17 de janeiro, o Presidente George Bush fez estremecer o mundo da agroenergia, ao anunciar que desejaria, em 2017, a produção de 35 bilhões de galões de etanol, tendo em vista a mistura de 20% deste aditivo à toda gasolina consumida no país. Não foi a primeira vez.

Em janeiro de 2006, no mesmo pronunciamento anual, o presidente George W. Bush disse que a “América está dependente de petróleo, que é freqüentemente importado de instáveis regiões do planeta”, desencadeando uma forte reação privada a favor do etanol de milho, como combustível aditivado ou substituto da gasolina, movendo empresários e consumidores norte-americanos, e determinando uma importante soma de investimentos na produção de álcool de milho.

Em abril seguinte, o governador da Flórida, Jeb Bush, enviou, ao irmão presidente, uma carta detalhada sobre o tema, sugerindo estratégia para o etanol nos Estados Unidos e no hemisfério, propondo uma produção doméstica de 15 bilhões de galões em 2015, reduzindo a forte dependência daquele estado, quanto à importação de petróleo. Tal proposta foi agora superada pelo presidente.

A partir desta carta, reuniões de técnicos da Flórida e do Ministério da Agricultura do Brasil sucederam-se, tendo em vista a criação de uma Comissão Hemisférica para a promoção do biocombustível, sob as seguintes premissas: os dois países eram os maiores produtores/consumidores mundiais do etanol, e o Brasil detém 30 anos de experiência, desde o Proálcool, em 1975.

Trata-se de um tema recorrente para nós: a temerária construção, ao longo do século XX, de toda uma civilização baseada no petróleo, revista no início do terceiro milênio. Os preços de óleo, a poluição pelo seu uso, a segurança energética, indicavam mudanças nesta civilização e que, em algumas décadas, seriam necessárias uma ou mais alternativas energéticas.

Em outros termos, e bem fortes, a idéia é a da construção de um novo modelo de segurança energética, tão relevante hoje no mundo, quanto foi a questão da segurança alimentar no pós-guerra para a Europa. O etanol possui características apropriadas para esta “revolução”, no caso dos combustíveis: qualquer país pode produzi-lo, a partir de diferentes matérias-primas (o que eliminaria, em termos, a dependência de países produtores excedentes), é um combustível renovável (e, portanto, “eterno”) e, é ambientalmente muito menos agressivo.

A idéia da criação da comissão evoluiu para uma instituição não ligada a governos, para ficar independente de ações oficiais, apesar da necessidade de engajamento oficial no processo. Entrementes, o presidente do BID mostrou-se entusiasmado com o tema, que poderia ser uma poderosa alavanca de desenvolvimento nos países mais pobres da América Latina. Desta forma, após diversas rodadas de negociação, em 18 de dezembro do ano passado, foi lançada, em Miami, com a assinatura do hoje ex-governador Jeb Bush, do presidente do BID, Luis Alberto Moreno, e da minha, pela FIESP, a Comissão Interamericana do Etanol.

Seus objetivos podem ser assim resumidos: recomendar que a política energética do hemisfério defina regras para mistura do etanol no combustível de toda região; promover a integração dos esforços da pesquisa técnica e científica em todo o hemisfério, relacionada com a produção e distribuição do etanol; determinar necessidades de investimentos em agricultura e infra-estrutura, que permitam uma larga mistura do etanol ao combustível; recomendar mecanismos de incentivos para atrair investimentos privados; verificar a quantidade de crédito de carbono que este projeto possa gerar e as implicações econômicas e ambientais desses créditos, bem como propor que estes possam ser usados como incentivo para investimentos privados, em projetos de etanol; e promover ações para criar um mercado internacional do etanol.

Para isso, alguns estudos serão indispensáveis: determinar a quantidade de etanol que está sendo usada atualmente na mistura dos combustíveis, sob as leis vigentes; quanto seria necessário para suprir uma potencial regra de 10% de mistura, em 10 anos; determinar a necessidade de matéria-prima para a produção de etanol, satisfazendo tais regras; determinar o impacto econômico, político e social em áreas rurais, em que haja expansão da produção de cana-de-açúcar e outras matérias-primas, em todo hemisfério.

Tudo isto exigirá uma forte infra-estrutura binacional, o que dependerá de um orçamento a ser criado a partir do setor privado, nos próximos meses. É importante ressaltar que não se trata de uma “OPEP” do etanol, mas de um projeto de estímulo e promoção do seu uso e produção, como um relevante aditivo ao petróleo.

Aliás, numa segunda etapa, já se pensa em trazer para a Comissão, representantes da Ásia e da Europa, o que implicaria em mudança de “Hemisférica” para “Mundial”. E aí sim, seria promoção de produto planetariamente, dando-lhe a condição de commodities. As primeiras ações da Comissão já estão sendo implementadas: o levantamento sobre produção atual de cana, potencial produtivo, legislação pertinente, e outros temas, já está sendo encaminhado pelo IICA, Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura. O MBA em agroenergia, tripartite (FGV, Esalq e Embrapa) está na linha de montagem. E o mundo todo se debruça sobre o tema, com interesse e curiosidade.