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Gustavo Spadotti Amaral Castro

Chefe-geral da Embrapa Territorial

OpAA74

O carro elétrico a etanol
“O mercado dita!” Esta frase sempre me acompanhou. Por onde andei, no agro e na vida, o mercado sempre impôs sua verdade, suas condições e suas demandas em troca do desenvolvimento. Mas essa verdade histórica está na corda bamba. 
 
Um novo ciclo de desenvolvimento baseado nos pilares do ASG (Ambiental, Social e Governança), uma variação mais moderninha do tripé da sustentabilidade (Ambiental, Social e ECONÔMICO), parece buscar alternativas mirabulosas para as chamadas emergências climáticas.
 
Uma dessas alternativas diz respeito aos veículos automotores. Vistos como vilões da emissão de gases por queimarem combustíveis fósseis em troca da energia necessária para mover os pistões, nosso “poisé” está prestes a perder seu motorzão barulhento por uma maravilha da ciência, o motor elétrico. 
 
Todos estavam felizes: cientistas, montadoras (novas e tradicionais), ambientalistas, mídia, países desenvolvidos e mineradoras. Só faltava convencer o mercado. Apesar de um primeiro momento muito favorável à eletrificação das frotas, alguns players resolveram queimar ATP (adenosina trifosfato), o combustível do nosso cérebro, para fazer cálculos. 

O  primeiro cálculo diz respeito ao valor investido sobre o retorno esperado. Considerando os preços de aquisição e abastecimento dos veículos movidos a gasolina, etanol, gnv ou eletricidade, somente após 965 mil quilômetros rodados, haveria algum retorno financeiro pela troca de um veículo híbrido por um movido unicamente por eletricidade.

O segundo se refere às emissões de gases de efeito estufa (em gCO2e/km). Nessa comparação, verifica-se que o carro elétrico (baseado na matriz dos EUA) emite, segundo o método do “poço à roda”, 111 gCO2e/km. Bem menos que o carro movido a etanol de milho (230), gás natural (277) e gasolina (324 gCO2e/km). 
 
Faz sentido, certo? Mas apareceu o cálculo com etanol de cana-de-açúcar, tipicamente tupiniquim. Marcelo Gauto, especialista em marketing energético da Petrobras, mostrou que nosso biocombustível emite, da "fazenda à roda", apenas 65 gCO2e/km, considerando um rendimento de 9 km/L.  Supimpa!
 
Nosso país é o segundo produtor mundial de etanol. Nosso biocombustível renovável é vendido em todos os postos do País. E, graças a uma revolução tecnológica, o etanol passa a ser também uma opção aos carros elétricos, substituindo a energia da rede de tensão, dispensando as tomadas no sistema plug-in e abrindo mão das baterias de lítio. 

Na mágica do processo, catalisadores eficientes quebram as moléculas de etanol (C2H6O), liberando o hidrogênio necessário para as reações químicas que resultam na geração de energia elétrica na presença de uma célula de combustível de óxido sólido. No futuro, outras fontes, como biogás, biometano e o gás natural, poderão ser viabilizadas. 

O problema a ser superado é a “sobra” de carbono desse processo, que, mesmo em baixas concentrações, se acumula como resíduo. Longe de ser uma barreira intransponível para a ciência tropical, destacadamente para Unicamp, Ipen e Embrapa, financiados pela Fapesp, Finep, Ministério de Minas e Energia e parcerias público-privadas com montadoras e demais empresas do segmento.

Essa revolução traz enormes benefícios para o presente e futuro da humanidade. O primeiro na redução da demanda de eletricidade da rede. No Brasil, mesmo com fontes cada vez mais limpas, como energia eólica, solar e cogeração, não há um excedente de eletricidade suficiente para suprir a demanda imposta por uma frota elétrica, o que exigiria investimentos gigantescos e urgentes em infraestrutura para geração, transmissão e pontos de abastecimento. No mundo, o impacto é maior devido à enorme dependência de fontes poluentes, advindas de combustíveis fósseis, para geração de energia elétrica. 

Outro ponto a ser considerado são os materiais exigidos para a produção das baterias automotivas, dentre os quais se destaca o lítio. Na coluna 1A da tabela periódica, ele é o mais leve e menos denso entre os metais, o que lhe garante propriedades excepcionais. Sua exploração se concentra em 3 países - China, Austrália e Chile – que detêm 87% de toda a produção. 
 
O processo de extração demanda grande quantidade de água e energia, além de ocasionar expressivo impacto ambiental com o descarte inadequado das baterias. Para atingir as metas estimadas de eletrificação das frotas, seria necessário aumentar em seis vezes a produção mundial de lítio, além de outros elementos, como cobalto, níquel e grafite. 

Por fim, temos a questão da praticidade. Como a fonte de eletricidade para este motor provem do etanol, o carro não precisa de uma bateria que representaria até 25% do seu peso. Ainda com a célula de combustível a etanol, não se faz necessária uma rede de carregadores distribuídos pelo país (haja investimento!), tampouco aguardar horas para recarregar a bateria. Com nossos milhares de postos em todo território nacional, em minutos temos tanque cheio e garantia de ótima autonomia. Parece sonho, mas o veículo elétrico com célula de combustível a etanol poderá superar os 1.000 km com aproximadamente 40 litros de combustível!
 
Os benefícios são tantos que, no futuro, novos catalisadores desse processo de conversão de etanol em energia elétrica podem até mesmo impulsionar a geração de energia em escala suficiente para abastecimento de cidades. Esse futuro promissor me lembrou o relato de nosso eterno ministro Antonio Cabrera, que, ao passar por Fernando de Noronha, se deparou com pontos de carregamento de carros elétricos, mas lembrou os desavisados que toda a energia produzida na ilha advém da queima de óleo diesel, ou seja, uma ineficiente transferência de emissão de gases. 

Os próximos passos para o sucesso da célula de combustível a etanol são fundamentais. Vamos continuar a extrair petróleo (carbono) para sua queima em motores a gasolina e diesel ou aproveitar ao máximo as oportunidades que o etanol, o biodiesel da soja e do sebo bovino, o biogás e o biometano têm a oferecer? Podemos aproveitar ao máximo o ciclo do carbono da superfície terrestre. A COP27 se avizinha. Nosso país poderá ser protagonista nas questões climáticas, ou apenas ser reativo às pressões externas. Defenderemos o Brasil, nossa ciência, nossa tecnologia, nossa indústria e nossos produtores rurais, ou aceitaremos uma imposição pra lá de questionável do ponto de vista ambiental, social e econômico? O mercado ou globalismo ditará. A conferir.