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Zilmar José de Souza

Gerente de Bioeletricidade da Unica e Professor da FGV-SP

Op-AA-35

Bioeletricidade: 26 anos contribuindo para a sustentabilidade

Uma tonelada de cana-de-açúcar moída durante o processo industrial de fabricação de açúcar e etanol resulta, em média, em 250 quilos de bagaço. Além disso, temos a palhada, cada vez mais preservada devido ao avanço da colheita mecanizada, que pode representar mais de 200 quilos do total da biomassa disponibilizada em cada tonelada de cana.

Essa condição da biomassa disponível cria uma vantagem comparativa para o setor sucroenergético brasileiro, que tem utilizado parte dessa matéria-prima na produção de vapor e de energia elétrica para a fabricação de açúcar e etanol, proporcionando a autossuficiência energética durante o período da safra.

No entanto, desde 1987, num trabalho pioneiro de usinas da região de Ribeirão Preto-SP, além de suprir as necessidades da indústria da cana, essa biomassa tem possibilitado a geração de excedentes de energia elétrica, que têm sido fornecidos para a rede elétrica brasileira, a chamada bioeletricidade da cana-de-açúcar.

A partir do trabalho dessas usinas pioneiras, em 26 anos, chegamos a um total entre 150 e 160 usinas já comercializando energia elétrica da cana para a rede nacional. Em 2011, a bioeletricidade fornecida ao sistema foi de 1.133 MW médios, equivalente a entre 2 e 3% do consumo nacional no ano passado, ou 25% de toda a energia que será produzida pela Usina Belo Monte, quando ela estiver em pleno funcionamento.

Em 2012, estima-se que a bioeletricidade sucroenergética para a rede tenha atingido quase 1.300 MW médios, representando um crescimento de 5% em relação ao ano anterior. Usando dados de 2011, podemos comparar que esses quase 1.300 MW médios fornecidos à rede pela bioeletricidade no ano de 2012 foram equivalentes ao abastecimento de 5,5 milhões de residências brasileiras durante um ano inteiro, ou quase sete vezes o consumo anual da cidade de Ribeirão Preto, além de evitar a emissão de mais de três milhões de toneladas de CO2.

Sem essa energia da bioeletricidade em 2012 e a redução das emissões de CO2, nossa matriz elétrica seria 11% maior, em volume de emissões de gases de efeito estufa (GEE). Também devemos considerar a água poupada nos reservatórios das grandes hidrelétricas com o uso da bioeletricidade, gerada justamente no período seco e crítico do sistema elétrico: essa energia da bioeletricidade economizou 5% da água nos reservatórios do Sudeste e Centro-Oeste em 2012, um ano crítico em termos de garantia de suprimento.

Mas podemos ir além com a bioeletricidade. De acordo com o atual Plano Decenal de Expansão de Energia 2021, o potencial técnico de produção de energia elétrica a partir da biomassa de cana-de-açúcar para o sistema nacional, considerando-se apenas o bagaço, supera os 10 mil MW médios até 2021.

A Unica - União da Indústria de Cana-de-Açúcar, estima que, agregando também a palhada da cana, o potencial da bioeletricidade sucroenergética atingiria 15,3 MW médios até 2020/21, energia equivalente à produção de três usinas Belo Monte. Se houvesse aproveitamento pleno dessa fonte, a bioeletricidade chegaria a representar 18% da demanda nacional por energia elétrica em 2020/21.

Contudo, entre o potencial técnico e a energia efetivamente fornecida para a rede elétrica, há um hiato que se tem ampliado ano após ano, principalmente depois de 2008. No atual modelo de contratação regulada de energia, diferentes fontes, como bioeletricidade, eólica e gás natural, concorrem em um mesmo pregão, sem que peculiaridades econômicas e de produção sejam devidamente consideradas. Isso tem contribuído para a retração da bioeletricidade, de forma extremamente preocupante.

Em 2008, o setor sucroenergético chegou a comercializar quase 600 MW médios, mas, de 2009 a 2012, sem política setorial bem definida e leilões “genéricos”, o total comercializado anualmente pela bioeletricidade no ambiente regulado ficou em apenas 85 MW médios. Com isso, cria-se capacidade ociosa na cadeia produtiva, e surgem sinais de desestímulo para o investimento no setor sucroenergético, caracterizado por ser de longo prazo e, por isso, dependente de parâmetros institucionais adequadamente delineados antes do efetivo investimento.

O modelo atual dos leilões regulados tem levado à expansão da geração praticamente concentrada em duas fontes apenas – eólica e (grande) hidrelétrica –, proporcionando ganhos tarifários de curto prazo, mas que podem não ser sustentáveis no longo prazo, em virtude da elevação do risco de suprimento. Resgatando a Teoria do Portfólio e as ideias de Harry Markowitz, ganhador do prêmio Nobel de economia em 1990, entendemos que o planejamento de leilões de energia voltados para a construção de um portfólio de fontes de geração renovável é a ferramenta mais apropriada para que riscos de falta ou falhas no suprimento de energia sejam diluídos de forma consistente.

Grandes obras hidrelétricas e de transmissão são importantes para um País em que o consumo de eletricidade deve crescer 4,5% ao ano até 2020, mas é desejável também aprofundar a diversificação na direção da geração renovável descentralizada, de pequeno e médio porte, com balanço ambiental positivo e próximo aos grandes centros consumidores.

Nesse aspecto, somente as grandes hídricas da região Norte e as eólicas não são capazes de dar essa resposta para um País continental como o Brasil. Precisamos estimular outras fontes e preservar o que já construímos, como a cadeia produtiva da bioeletricidade.

Um investimento sustentável em bioeletricidade contribui diretamente para a competitividade do etanol. A sinergia entre bioeletricidade e etanol faz com que a energia elétrica da cana já seja parte do modelo de negócio, quando há expansão em novos parques produtivos de etanol.

“Destravar” o desenvolvimento da bioeletricidade na matriz de energia elétrica significa contribuir para a reconquista das condições que levarão à retomada dos investimentos e da ampliação da produção não só da bioeletricidade, mas do setor sucroenergético como um todo.

O momento é ideal para traçarmos uma política setorial de longo prazo, não só para a bioeletricidade, como também para o setor sucroenergético como um todo, pois precisamos dobrar, até 2020, a atual produção de cana-de-açúcar para atender à demanda prevista para os produtos sucroenergéticos, sobretudo o etanol.

Uma política setorial consistente para a bioeletricidade, que reestimule a inserção dessa fonte na matriz elétrica, certamente ajudará a criar também as condições necessárias para a expansão do etanol na matriz de combustíveis, tão relevante e premente do ponto de vista da segurança energética e da sustentabilidade de longo prazo.

Uma verdadeira avenida de novos produtos de baixo carbono a partir da cana-de-açúcar deve revolucionar o setor nos próximos anos. Mas, por meio de uma política energética, também devemos consolidar a linha de produtos existentes – o etanol e a bioeletricidade, energias premium, que já vêm contribuindo, há 26 anos, para a sustentabilidade da matriz de energia elétrica no Brasil.