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Nilza Patrícia Ramos

Pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente

OpAA81

CBio: o avanço dos biocombustíveis rumo ao desenvolvimento sustentável
A sociedade abriu os olhos para a realidade dos efeitos devastadores que as mudanças climáticas trazem ao campo e às cidades. Os gases causadores de efeito estufa (CO2, CH4 e N2O) têm acelerado as alterações naturais, atribuídas ao ciclo da terra, levando ao aumento na frequência de veranicos, de chuvas torrenciais, de ondas de calor ou frio exacerbados, que se refletem em prejuízos globais. 
 
Os compromissos de redução nas emissões começaram a sair do papel rumo à realidade, com países e grandes empresas adotando medidas efetivas para frear o aumento da temperatura da Terra. 
 
A Política Nacional de Biocombustíveis – RenovaBio (Lei 13.576) é uma das medidas concretas, adotadas pelo Brasil, para incentivar o aumento da participação dos biocombustíveis na sua matriz energética e reduzir o consumo de combustíveis fósseis, que são grandes emissores de gases de efeito estufa (GEE). 

Para se ter uma ideia, 1MJ (unidade energética) de gasolina emite para a atmosfera cerca de 87,4 g de CO2eq (o equivalente a 2.583,81 g de CO2eq/L), em seu ciclo de vida, enquanto este mesmo 1MJ de etanol vindo da cana-de-açúcar emite, em média, 30 g de CO2eq (o equivalente a 640,24 g de CO2eq/L). A diferença de 57,4 g entre eles é, justamente, a quantidade de CO2eq evitada.
 
Valorizar o esforço de evitar emissões para a atmosfera é a força motriz do RenovaBio, que premia financeiramente os biocombustíveis que comprovem sua maior eficiência energético-ambiental, em relação ao combustível fóssil de referência. 

A diferença mais expressiva, em relação a outras iniciativas externas, é o reconhecimento do perfil do biocombustível individualizado de cada uma das unidades produtoras, que participam da Política. Com isto, o esforço investido para melhorias de desempenho ambiental e produtivo (de cada usina) é valorizado e não se perde em certificações feitas por rotas fechadas (todo o biocombustível produzido por uma determinada rota recebe a mesma nota de desempenho ambiental). 
 
O CBio – Crédito de Descarbonização é o ativo financeiro, comercializado na B3, que remunera o biocombustível certificado no RenovaBio. A cada 1 tonelada de CO2eq evitada é possível emitir e comercializar 1 CBio. O montante emitido entre janeiro de 2020 e julho de 2024 foi de 139 milhões de CBio's, segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Brasil (ANP). 
 
Isto equivale a 139 milhões de toneladas de CO2eq que não foram emitidas para a atmosfera, devido ao uso de um biocombustível certificado, ao invés de um fóssil. Desse total, 85% corresponde ao etanol gerado em diferentes rotas, com maior contribuição do etanol de cana-de-açúcar na rota de primeira geração – 78,4%, conforme o gráfico abaixo demonstra.

Todos os biocombustíveis produzidos no Brasil são candidatos à emissão de CBio? O biocombustível precisa da certificação no RenovaBio para emitir CBio. Podem-se certificar biocombustíveis nacionais e importados, usados nas frotas do país, desde que sigam as diretrizes da Política.

A certificação é feita por uma firma inspetora, credenciada junto à ANP, que confirma a eficiência energético-ambiental do biocombustível, usando uma ferramenta de cálculo oficial – RenovaCalc, e o cumprimento de algumas regrinhas simples de sustentabilidade, que o tornam elegível, como não ter sido produzido a partir de biomassa produzida em área de desmatamento (data de aprovação da lei do RenovaBio) e estar em dia com o CAR (Cadastro Ambiental Rural). A imagem  traz um esquema simplificado do processo percorrido pelo biocombustível até a emissão do CBio.  

A lógica de contabilidade das emissões, considerando o ciclo de vida (“do poço à roda”) dos biocombustíveis, norteou toda a inteligência de cálculo da RenovaCalc, que apresenta como resultado final a NEEA (Nota de Eficiência Energético-Ambiental) de cada biocombustível, que nada mais é do que a emissão evitada, já descrita anteriormente.

Ela possui sete rotas, envolvendo o etanol de 1ª e 2ª geração, o biodiesel, o biometano e o bioquerosene. Apenas o bioquerosene ainda não possui nenhuma unidade produtora certificada e, portanto, não emitiu CBio, mas isto deve mudar diante do interesse em SAF (Combustível Sustentável de Aviação) para atender à demanda de redução de emissões no setor de Aviação Civil.
 
Cabe incluir um parêntese no presente texto, justificando a escolha metodológica pela Avaliação do Ciclo de Vida (ACV). Esta decisão foi cuidadosamente estudada e debatida, com o intuito de garantir a aceitação do CBio como instrumento de descarbonização em vários mercados, não só o brasileiro. 

Ao apresentar as emissões de seus biocombustíveis, em seu ciclo de vida, o RenovaBio traz à luz a necessidade de o mesmo cálculo se aplicar à eletricidade, usada nos carros elétricos europeus, e outros combustíveis denominados como sustentáveis, evidenciando que a fonte usada para produzir a energia pode não ser tão limpa quanto se apresenta para toda a sociedade.

Entendida a importância do CBio para o meio ambiente e a credibilidade necessária para sua aceitação nos compromissos assumidos pelo Brasil, há ainda dois pontos: a sua comercialização e seu valor econômico. A comercialização do CBio é sustentada pela obrigatoriedade de distribuidoras de combustível fóssil cumprirem metas de descarbonização, determinadas pelo governo (baseadas na comercialização no ano anterior), mas existe, também, a possibilidade de compra por partes não obrigadas (mercado em geral).

O valor oscila pelo mercado, com altas e quedas por escassez ou oferta de grandes volumes de papéis. Desde o início da comercialização, os valores médios anuais dos CBio's foram R$43,48 em 2020, R$39,312 em 2021, R$111,63 em 2022, R$ 114,17 em 2023 e R$98,94 até final de julho de 2024.  
 
Quem recebe pela receita gerada com o CBIO? Os produtores de biocombustíveis é que recebem pela comercialização do CBio, ficando a critério de cada empresa o repasse de parte da receita aos produtores da biomassa. Tramita o Projeto de Lei 3149 para a inclusão formal dos produtores de matéria-prima, independentes, no RenovaBio (Lei 13576), o que lhes atribuiria direitos formais ao CBio. O setor sucroenergético já se manifestou favorável a esse projeto e vem repassando parte do CBio aos seus fornecedores.

Como funciona a comercialização? As distribuidoras adquirem os CBio's na B3 e, imediatamente, realizam sua aposentadoria, seguindo a Normativa nº 56/GM/MME/2022. Com isso, os CBio's saem de circulação e são impedidos de negociações futuras. A quantidade de CBio's aposentados é o indicador de cumprimento das metas de descarbonização projetadas pelo governo. Desde 2022, quando se iniciou a comercialização dos CBio's, já foram aposentados 74 milhões de CBio's (ANP), valor dentro do esperado, considerando ajustes realizados devido ao período de pandemia.
  
Um ponto de tensão é o descumprimento de metas, por parte de algumas distribuidoras, que tem provocado a imposição de sanções pela ANP. Cabe citar que a meta para 2024 acabou de ser ajustada para 46,4 milhões de CBio's (meta anterior + o que não foi cumprido em 2023), o que equivale a dizer que, até dezembro, as distribuidoras têm obrigatoriedadede adquirir e aposentar esse montante de créditos.

A compra do CBio, por partes não obrigatórias (mercado comum), ainda é insignificante, mas as expectativas são otimistas de que, num futuro próximo, o CBio se torne um instrumento de descarbonização cada vez mais relevante para o país e para o meio ambiente, considerando a necessidade crescente de empresas zerarem suas emissões com carbono certificado. 
 
A mensagem a ser reforçada é de que o CBio é o resultado material de um importante serviço ambiental de descarbonização do meio ambiente. No cenário iminente de catástrofes climáticas globais, só a combinação de todas as estratégias possíveis de descarbonização (cada uma com seu papel) pode frear o avanço das emissões dos gases causadores de efeito estufa, incluindo RenovaBio, Programa ABC+, Programa Combustíveis do Futuro, CORSIA e todas as iniciativas privadas e compromissos formais de net zero.