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Sergio Rodrigo Vale

Economista-chefe da MB Associados

OpAA78

O Brasil do agro como modelo de práticas ESG
Nos últimos anos, o termo ESG tem atraído atenção e demandado investimento por parte das empresas como um novo modo de ver a presença das companhias na sociedade. Já se foi a época em que o resultado buscado por elas tinha que ser apenas o lucro, como defendido por Milton Friedman, nos anos 70. Claro que o lucro segue sendo de vital importância para as empresas, mas o consumidor mudou e tem, cada vez mais, demandado ações corporativas que visem, também, ganhos para a sociedade.
 
Parte dessa mudança de visão do consumidor pode ter a ver com o forte aumento da desigualdade de renda nos países desenvolvidos desde os anos 80. Em momentos mais graves, como na crise financeira de 2008, a distância entre os ganhos das empresas e a renda das pessoas ficou ainda mais explícito e movimentos, como o Occupy Wall Street, ganharam as manchetes. 

Isso demandou um esforço por parte das empresas de melhorar a parte do S (social) na sua relação com os funcionários. Diversos escândalos empresariais, como o da Enron, em 2001, o vazamento de petróleo da Deepwater Horizon, em 2010, a fraude nos testes de emissão de poluentes na Volkswagen, em 2015, e o escândalo de privacidade de informação do Facebook, em 2018, têm gerado discussão, também, sobre o aspecto do G (governança) nas companhias.

De certa forma, o S e o G estão bastante interligados. Parte das explicações de uma piora na desigualdade de renda nos últimos anos tem a ver com certa concentração de poder econômico e político das empresas americanas, as quais têm feito com que os salários por lá permaneçam pressionados para baixo. Nesse sentido, vale muito a leitura do livro de Thomas Philippon, The Great Reversal: How America Gave Up on Free Markets. 

A melhora de governança passa por continuar aumentando os lucros, mas melhorando o soft power da companhia, a imagem que ela tem na sociedade, ao mesmo tempo, e isso passa por melhorar a qualidade de vida de seus funcionários, além de ser vista pela sociedade como uma empresa merecedora do consumidor adquirir seus produtos.

Essa ideia do impacto do soft power da empresa ficou muito clara ano passado na invasão da Ucrânia pela Rússia. Diversas empresas saíram desse último país com receio da contaminação de sua imagem ao permanecer num país agressor. Em outros tempos de governança, de menos preocupação com a imagem e com a sociedade, isso seria impensável. 

Mas, a discussão foi além do social e da governança e avançou para o ambiental, o E de Environmental. As mudanças climáticas têm claramente um peso na decisão das empresas de se tornar Net Zero em emissão de carbono, o que tem sido uma constante nos relatórios trimestrais apresentados pelas companhias de capital aberto. Os consumidores, também, têm ampliado essa visão e demandado a compra de produtos de empresas que tenham responsabilidade ambiental. Os jovens chineses, por exemplo, em pesquisas recentes, demonstram um grau de comprometimento, cada vez maior, com a compra de produtos que tenham origem ambientalmente correta.

É interessante observar que esses critérios ESG são importantes do ponto de vista das empresas, mas é igualmente relevante pensar no papel dos países e de setores segundo esses critérios. Da mesma forma que pensamos em métricas que podem avaliar a qualidade desses três indicadores em uma empresa, cada vez mais, será relevante pensar isso, também, do ponto de vista da atração de investimentos que um país pode fazer se ele, também, tiver uma política pública voltada a atender a esses três critérios, bem como, a setores específicos nesses países, como o agro brasileiro.

Pois, como imaginar uma empresa que tenta seguir da melhor forma possível os três critérios em um país que não respeita minimamente essa agenda? E vejam que esse movimento não parte, apenas, de uma mudança de percepção das empresas, mas, também, dos consumidores. Mas, se as condições e regulações ambientais de um país não são adequadas para suprir as demandas desse novo consumidor, como produzir adequadamente nesse país?

Para isso, eu e Lourdes Sola apresentamos um artigo no último Congresso Internacional de Ciência Política, em Buenos Aires, em julho, com o intuito de criar um ranking ESG de países. A ideia era observar como cada país tem lidado com essas questões e como isso pode se tornar um atrator de investimento estrangeiro direto. Ou seja, a tese é que países que tenham responsabilidade social, de governança e ambiental podem se tornar importantes atratores de investimento.

De fato, fizemos uma estimativa econométrica bem simples para estimar o impacto do ranking ESG de países, com dados de investimento estrangeiro direto, e identificamos uma elasticidade bastante alta de 2,3. Ou seja, para cada aumento de 1% no ranking ESG, o investimento estrangeiro direto subiria 2,3%, o que mostra o potencial de atração de recursos que os países poderiam ter se seguissem essas métricas. Aqui, vale a ideia de os países começarem a trabalhar a sua imagem externa como portadores de bons índices, em cada um desses critérios, para começar a ser usado pelos países como objeto de decisão para investimento.

Infelizmente, o Brasil se encontra numa posição em desvantagem no ranking. Dentre 150 países analisados, o Brasil se encontra na 104ª colocação, sendo que nossa melhor posição é a métrica ambiental. Como não poderia deixar de ser, os três escandinavos, Dinamarca, Finlândia e Suécia se encontram nas três primeiras posições, respectivamente.

Por mais que a questão ambiental tenha se tornado corretamente incontornável, a ideia de os países precisarem ter boa governança e gestão social de suas populações é essencial para, inclusive, que se tenham boas práticas ambientais e consigam atrair investimentos de qualidade. O agronegócio tem um papel relevante nesse sentido, porque ele comporta os três critérios de uma forma particularmente importante no Brasil.

Do ponto de vista de governança, as empresas do setor são reconhecidas pela qualidade da gestão, até porque, por serem muito expostas às exportações, isso exige que a governança tenha paridade internacional e não apenas local. O Mato Grosso, por exemplo, é responsável por um terço da balança comercial brasileira e isso coloca um senso de responsabilidade em ter de se manter uma governança de alto nível.

Do ponto de vista social, cada vez mais, vemos o impacto local que o setor tem trazido nas regiões que se encontram. O Centro-Oeste, por exemplo, tem se tornado polo importante de crescimento econômico. Desde 1986, por exemplo, o Mato Grosso viu seu PIB crescer 782%, enquanto a média do Brasil foi de, apenas, 121%.

Mais ainda, os indicadores sociais na região têm crescido com força e é provável que, no final da década, a desigualdade de renda da região se torne menor do que a da região Sul, historicamente, a de melhor distribuição de renda do país. Por fim, na questão ambiental todos sabemos que o setor segue as regras, e que os culpados pelo desmatamento que afeta a mudança climática se encontram nos garimpos e madeireiras ilegais em sua vasta maioria.
 
O agro brasileiro é um microcosmo das boas práticas ESG, as quais deveriam se espalhar como modelo para o resto do país, pois geram qualidade empresarial, bons indicadores sociais e responsabilidade ambiental. O agro tem se transformado no que o Brasil todo ainda não conseguiu se transformar.