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Joel Velasco

Representante-Chefe da Unica nos Estados Unidos

Op-AA-18

Queremos abrir e ser líder do mercado americano

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a toda equipe da Unica, inclusive ao Conselho, por ter me trazido a esse setor. Há um ano, o Marcos Jank estava me convencendo a largar um emprego em Washington, para lá permanecer, mas para defender o setor canavieiro. O meu primeiro dia de trabalho foi fazer um depoimento perante uma Comissão do Congresso Americano.

Passei o final de semana lendo tudo que achei no Google e ligando para todos que conhecia no Brasil para me contar um pouquinho sobre o setor, a fim de tentar parecer inteligente. Não sei quanto aprendi no último ano, mas, certamente, acho que tenho mais conhecimento, e estou muito feliz com esse setor. Temos muito a fazer.

Vou expor três questões. Em primeiro lugar, avaliarei o mercado americano, a questão da oferta-demanda e a dinâmica da tarifa americana atualmente. Em segundo, analisarei as eleições nos EUA, seu o impacto em nosso mercado. E, por último, a estratégia da Unica, do ponto de vista de Washington, na questão de engajamento e de articulação das nossas posições e do que consideramos interessante para o setor.

Mercado de etanol nos Estados Unidos: A demanda oficial dos Estados Unidos, no inglês Renewable Fuel Standard - RFS, é a obrigação que o mercado americano de gasolina tem em consumir biocombustível, grande parte em etanol. Os EUA têm, em 2008, uma demanda obrigatória por volta de 34 bilhões de litros de combustível E-10 (gasolina com mistura de 10% de etanol).

Mas, na realidade, como os Estados Unidos consomem hoje 145 bilhões de galões, assim 14,5 bilhões de galões ou 55 bilhões de litros, é a demanda natural de etanol que existe hoje. Isso é importante porque, mesmo que exista a demanda oficial, o mandado oficial do Governo Federal de consumir, no curto prazo. Assim a demanda natural do mercado será maior do que a demanda obrigatória dos Estados Unidos. Isso porque a gasolina, hoje, custa bem mais caro do que o etanol de cana e de milho.


Temos, hoje, uma situação em que a demanda americana de etanol é bem maior do que a oferta existente no mercado, pelo menos, no curto prazo. No gráfico Mercado da Mistura E-10 nos EUA, podemos avaliar o percentual das vendas do ano passado e o percentual atual das vendas do E-10.

A Flórida, por exemplo, que no ano passado consumia 2% da mistura gasolina-etanol, de um ano para o outro, por causa do aumento do preço da gasolina, passou para 55% da gasolina misturada com, pelo menos, 10% de etanol.

Esse é o reconhecimento do mercado de que o etanol é mais barato do que a gasolina e de que existe um incentivo econômico nesta ação. O gráfico Demanda e Oferta de Etanol no Mercado Americano é o que eu considero mais importante, do ponto de vista dos interesses do Brasil. Essa é a forma como entendo o mercado americano.

As colunas são o mandado federal, a linha em laranja é o máximo possível de 10% de mistura de etanol na gasolina americana - baseado na demanda de gasolina americana e a linha em verde representa nossas exportações para os Estados Unidos - diretamente ou via Caribe, projetada na expansão natural existente no Brasil. Existe uma demanda fixa da mistura gasolina-etanol e a capacidade americana instalada, hoje, é por volta de 37 bilhões de litros, com previsão de expansão entre 6 e 9 bilhões de litros para os próximos dois anos.

Porém, com o preço atual do milho americano e a dificuldade de financiamento de novas plantas nos Estados Unidos, é bem provável que a oferta não vá chegar à demanda do mercado doméstico e isso acaba sendo uma boa notícia para o Brasil. Mas, vai depender da nossa agilidade de captar essa oportunidade e responder ao que achamos que o mercado vai fazer. Isso porque existem vários países, como a Tailândia, que estão olhando para o mercado de biocombustíveis e dizendo: “eu também consigo produzir esse produto”. Ao contrário do que parece, isso é bom para o Brasil.

Mas, o importante é que entendamos que tem um mercado lá - e não estamos falando de E-85, nem em mudar a mistura de etanol na gasolina americana, estamos simplesmente dizendo que isso é possível dentro da lei hoje em vigor nos Estados Unidos. Obviamente, existe a questão da tarifa, que todos conhecemos. Utilizo muito o gráfico Preço Final do Etanol no Mercado Americano no Congresso Americano para explicar porque que o Brasil briga tanto pela questão das tarifas.

Em junho, o etanol de milho subiu no mercado americano, por causa das enchentes, a US$ 2.75 o galão, para entrega em Nova Iorque, no atacado. O etanol brasileiro chegava a US$ 2.00 o galão, pagava US$ 0.05 de uma tarifa primária, US$ 0.54 de uma tarifa secundária, atingindo US$ 2.60 o galão em Nova Iorque. Havia muita gente vendendo etanol naquele ano, para contratos de julho. Em agosto, o preço do etanol americano abaixou.

Ainda assim, o etanol brasileiro chega ao porto dos Estados Unidos abaixo do preço do americano, mas com a adição das tarifas de US$ 0,05 mais US$ 0,54, o produto brasileiro acaba ficando bem mais caro para o americano. Utilizamos esse gráfico no Congresso Americano por duas razões. Uma, por questões da previsibilidade necessária, porque para o produtor brasileiro continuar a produzir excedentes de etanol para exportação acaba sendo uma decisão difícil, pois, de um mês para o outro, ele passa de vendedor para permanecer em espera de uma próxima onda de subida de preços nos EUA.

A segunda razão é que, em um cenário como esse, não é possível esperar que o consumidor americano seja beneficiado pelo preço mais baixo do etanol. Em um momento em que todo mundo, nos Estados Unidos, está preocupado com o preço da gasolina na bomba, a única coisa óbvia é que - como o próprio Presidente do Banco Central americano reconhece, o único mecanismo que pode fazer abaixar o preço da gasolina em um curto prazo é o etanol sem tarifas.

Por isso, devemos nos alicerçar nessas duas razões. Obviamente que a importação não é boa para o produtor americano, mas quem paga esta conta é o próprio consumidor dos EUA. Isso, para um político, é uma mensagem bem clara.

Eleições Americanas: Vamos mudar de assunto e tentar encaixar essas duas questões nas eleições americanas. Nos EUA, os colégios eleitorais são divididos por estados. Para ganhar a eleição, é necessário conquistar 270 eleitores no colégio eleitoral.

As eleições sinalizam que o candidato Barack Obama pode ganhar uns 260 votos no colégio eleitoral, o candidato John McCain uns 176. Ficam sobrando mais uns 120 votos de colégio eleitoral, dos indecisos. São os famosos swing states, os fiéis da balança. Há uma enorme indecisão sobre quem será o próximo presidente dos Estados Unidos. Se os democratas e o Obama não conseguirem ganhar a eleição dessa vez, depois de terem ganho e não levado a eleição de 2000, de 8 anos de desastre econômico e desastres políticos em série, está na hora de procurar outra profissão.

A eleição vai ser decidida, obviamente, por questões de economia e de energia, que hoje são os dois assuntos mais importantes para o povo americano. Mas, para o setor sucroalcooleiro brasileiro, eu diria que a eleição presidencial não vai mudar muito, porque o presidente americano tem pouca força sobre as questões que nos preocupam, como comércio exterior, tarifas e mercado. Essas questões são decididas pelo congresso, já que a constituição americana obriga o congresso e não o presidente a definir tarifas.

A câmara e o senado, hoje, são dominados pelos democratas, e segundo a previsão dos pesquisadores e cientistas políticos americanos, eles vão aumentar o número de cadeiras na câmara. Quinze vagas deverão passar dos republicanos para os democratas. Isso é muito importante por causa das comissões, pois a divisão é feita pela representação dos partidos. No senado pode-se ter uma situação semelhante, com os democratas ganhando 5 novas cadeiras.

Se isso acontecer, os democratas ficarão com 56 cadeiras, e terão muita força política, pois precisarão de apenas 4 votos de republicanos para dominar a pauta inteirinha do congresso. Como se diz nos Estados Unidos, se o senado tem 61 pessoas, de um lado do partido, é quase uma ditadura, porque do jeito que o congresso americano funciona, com 60 votos no senado, aprova-se o que quiser. Fecha-se o debate e a oposição não consegue bloquear.

Digo isso porque o senado é onde a nossa briga de tarifa é mais difícil, é onde os ruralistas e os protecionistas americanos têm muito mais força. A tarifa hoje não baixa, não porque a gente não consegue 51 votos, mas porque a gente não consegue 60 votos para abrir a pauta. A mídia fala apenas se Obama ou McCain vai vencer, mas para mim, é muito mais importante saber quem vai vencer as eleições na câmara e no senado.

A estratégia da Unica: Quanto à estratégia da Unica, temos que pensar em duas coisas: engajamento com o congresso, governos estaduais, federais e a sociedade civil e uma nossa articulação específica. Que seja isso chamado de lobby, comunicação, seja o que for – acontecendo nos Estados Unidos e aqui no Brasil. Em setembro, recebemos aqui, no Brasil, senadores e deputados dos Estados Unidos e representantes do “Ibama” americano. Essa é a forma como temos trabalhado na Unica.

Eu diria que o próximo governo americano vai ter que lidar com, pelo menos, três questões de grande importância para o nosso setor: A questão das mudanças climáticas - pois o presidente eleito terá que fazer uma severa decisão na questão de mudanças climáticas, de como os Estados Unidos se engajarão nessa questão Pós-Kyoto.

A segunda questão é sobre o aumento na exploração de petróleo e os investimentos em fontes renováveis. Os discursos de ambos os candidatos prometem isto. Obama promete US$ 150 bilhões, nos próximos 4 anos, para o setor de exploração de energias renováveis investir na redução da dependência do petróleo estrangeiro, bem como em energia renovável - etanol celulósico, biodiesel, dentre outras opções.


O terceiro ponto é que temos uma agenda que, ao nosso ver, vai ser defensiva, que é tentar evitar que aquele mandado federal seja revisto de uma forma que nos atrapalhe. Existe uma indústria alimentícia que está muito brava com o grande consumo de milho para etanol e, dentre outras coisas, quer ver uma redução total desse negócio e uma real redução das tarifas.

São nossos aliados em algumas questões. Mas, ao mesmo tempo, queremos que o mercado americano continue comprometido com o biocombustível. Então, em parte o etanol de milho pode ser nosso rival, mas também é amigo de batalha. Em termos de tarifas, as questões, obviamente, não estão em pauta, como eu disse sobre a indústria alimentícia, mas chamo a atenção para a questão do drawback.

É possível que vá existir uma reforma, no próximo ano, sobre o processo de drawback americano, que pode levar à volta do drawback para o etanol. Temos, hoje, pelo menos dois projetos de leis em andamento no congresso que lidam com tarifas. Um na câmara, com poucas chances de ser votado e muito menos de ser aprovado em curto prazo, que acabaria com a tarifa completamente.

Mas, tem um projeto no senado, que eu acho que é possível ser votado este ano - que pretende reduzir a tarifa ao nível do incentivo fiscal americano, com uma redução de US$ 0,54 para US$ 0,45, por galão.

Tenho trabalhado muito nessa área, especialmente porque é no senado, e temos a possibilidade mesmo de ter uma maioria absoluta nesta isntituição a favor disso, no curto prazo. Seria, obviamente, muito bom para o setor sucroalcooleiro brasileiro. Não vai solucionar todos os problemas de acesso de mercado, mas será significativamente importante.

Estamos fazendo nos Estados Unidos um sério trabalho na área de comunicação, em grande parte em parceria com a Apex. Nós sabemos muito bem o que queremos. Queremos abrir e ser líder deste mercado, mas a mensagem que a gente leva em cada lugar tem que ser um pouco diferente. A estratégia é definida baseada na demanda do mercado, e a demanda, hoje, no mercado americano, é a redução do preço da gasolina, que subiu muito e já passou de US$ 4 o galão.

Fizemos uma campanha que saiu nos jornais, que colocamos na porta de cada apartamento de hotel-base dos hóspedes da convenção do partido democrata, que é muito similar a que fizemos em 4 de julho, com a Apex, na Califórnia e na Flórida. A campanha diz, literalmente, que se o americano quer realmente ter independência energética, tem que diversificar as fontes de energia através, especialmente, do etanol de cana, que hoje é taxado pelo Governo.

Temos também um site na internet especialmente voltado para o público americano - www.SugarCaneEthanolFacts.com, que tem todos os fatos, argumentos e a cobertura da mídia, com tudo sobre a questão da tarifa. Pela primeira vez, acho que o setor está engajado, e não estamos falando nessas campanhas publicitárias, que tem que ser o etanol de cana do Brasil, mas é fato que os Estados Unidos consomem petróleo da Arábia Saudita, da Venezuela e de vários outros países – que entra no país sem tarifa, mas o etanol renovável de países amigos, não entra desta forma. E, se permitissem, isso poderia, efetivamente, abaixar o preço.

Concluindo, estamos em uma briga de gigantes. Pelos meus cálculos, o que está sendo gasto em relações públicas e institucionais nos Estados Unidos, nessa briga sobre tarifas, etanol e biocombustíveis, deve ser da ordem de US$ 100 milhões, só este ano. Grande parte desse dinheiro vem da indústria alimentícia, da indústria do etanol de milho, mas estamos sendo pontuais e procurando focar melhor nossa mensagem.

Sempre me perguntam o que o Obama e o McCain pensam sobre o Brasil. O que eles irão fazer na questão da tarifa? Penso que devemos esquecer o que eles farão ou vão querer fazer. Em primeiro lugar, porque a necessidade de outras questões são prioritárias e, em segundo, porque temos que procurar o nosso interesse. Não devemos esperar o que eles irão propor para gente, mas irmos lá propor, demonstrar que o etanol de cana pode participar desse setor como complemento.

Precisamos ter ambição, não podemos ficar sonhando em ter 5%, como é hoje, do mercado de E-10 americano ou até 5% de E-10 mundial. Precisamos ser líderes. Líderar não quer dizer dominar. Significa ser o símbolo e levar o mercado sucroalcooleiro à frente. O Brasil tem a oportunidade e as condições necessárias para ser o líder no mundo e nos Estados Unidos.

O nosso hino diz que somos “gigante pela própria natureza” e, mais tarde, “que o teu futuro espelha essa grandeza”. Que assim seja. O Brasil é realmente gigante e estamos em uma briga de gigantes, o futuro vai ser gigante para a gente, mas vai necessitar que façamos nossa parte, precisaremos ter um grande nível de ambição, de vontade e de trabalho.