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Luiz Gustavo Junqueira Figueiredo

Diretor Comercial da Usina Alta Mogiana

Op-AA-55

A surpreendente reviravolta do etanol
Nos últimos anos, o Brasil se tornou um grande player no mercado internacional de açúcar, com volumes que chegam a representar até a metade de tudo que é transacionado no mundo. Essa dominância brasileira tem gerado reflexos nem sempre favoráveis em outros países produtores, que tentam, de todas as formas, se defender da alta competitividade que encontramos por aqui, com uma combinação perfeita de solo e clima que raramente encontra paralelo em outras regiões.

Fatores exógenos ao ambiente de proteção, como políticas públicas e interesses comerciais, têm inibido a penetração da nossa commodity em destinos com alto potencial de consumo. Vou me concentrar nessas duas variáveis, por acreditar que elas são, hoje, um dos maiores desafios setoriais na nossa indústria.
 
A China, um mercado extremamente promissor, subiu suas tarifas de importação no ano passado para 95%, ante o valor anterior de 50%, já extremamente elevado. A Índia, temendo uma queda de preço no seu mercado doméstico, recentemente adotou uma tarifa de 100%, o que torna as exportações do vizinho Paquistão inviáveis. 
 
Esse aumento no protecionismo ocorre em meio a um crescente desejo desses países em protegerem seus produtores rurais, na sua maioria pequenos lavradores que dependem da atividade para sobreviverem. Preços elevados de matéria-prima, fixados pelo governo, são amplamente utilizados para esse propósito.

Apesar do fim nobre, o que temos presenciado é uma dicotomia entre preços livres e regulados, pois, à medida em que se protege demais um mercado, não são dados sinais claros para que haja uma diversificação de lavoura em anos de superoferta. Dessa forma, as indústrias desses países acabam, em algum momento, não conseguindo arcar com os pagamentos da matéria-prima, forçando o governo a subsidiar pesadamente a atividade,muitas vezes na forma de exportações com prejuízos aos cofres públicos.

Não raro, o mercado doméstico desses países se torna alvo de importações via contrabando, mostrando claramente que excessos de proteção acabam incitando consequências indesejáveis. Também espanta a maneira como os produtores de açúcar europeus precificaram a beterraba para os próximos anos.

Muitos contratos de fornecimento foram feitos a um preço fixo por duas ou até três safras, sendo que todos sabemos que o mercado mundial é notório em surpreender os agentes em grandes oscilações de preço. O resultado dessa política desastrosa é a manutenção da produção europeia em níveis elevados, a despeito de uma queda colossal de preços nos últimos meses.
 
O mais curioso é observar como o mercado de etanol, por sua vez, vem atravessando um momento completamente oposto ao observado pelo açúcar. Desde que a política de preços dos derivados de petróleo no Brasil começou a seguir as cotações internacionais, tivemos um enorme interesse dos produtores em alocar um maior mix de produção a esse combustível. De uma hora para outra, tivemos um mercado livre, com efeitos imediatos na demanda, que respondeu favoravelmente aos preços praticados.

O robusto crescimento econômico global, aliado a uma restrição de oferta de petróleo da OPEP e da Rússia, colocou os fundamentos e os preços em patamares bem melhores do que se imaginava anteriormente. Ao mesmo tempo, o componente dolarizado do mercado de petróleo acabou tornando o etanol sensível ao câmbio, algo que era único apenas ao açúcar. Como a maioria das usinas possui dívidas em dólar, ter um produto em estoque que se valoriza quando a cotação da moeda americana dispara é um grande alívio em momentos de estresse financeiro. 
 
Aliado à grande liquidez, o etanol não deve nada hoje a commodities mais sofisticadas, sendo possível, inclusive, obter proteção de preço (hedge) de longo prazo, através de operações financeiras no mercado de gasolina internacional. Essa visibilidade de preços também está ajudando os contratos de derivativos de etanol na B3 (antiga BM&F) a aumentar a sua liquidez, criando um círculo virtuoso de novos entrantes.
 
Nesse sentido, a recente aprovação do RenovaBio só fez aumentar ainda mais o interesse dos produtores em direcionar cada vez mais a sua produção e os seus investimentos no combustível renovável. Temos visto vários anúncios de ampliação de capacidade em usinas brasileiras, apesar de, surpreendentemente, essa expansão estar sendo atendida por plantas de milho.

Como o Brasil se tornou um grande exportador desse cereal, essa abundância de oferta se traduz em custos de aquisição extremamente interessantes. Aliado ao fato de que muitos equipamentos são comuns aos dois produtos nas usinas de cana-de-açúcar, o investimento inicial é baixo, e a produção é complementar à cana, aumentando o faturamento com basicamente o mesmo número de funcionários. Essa competitividade do milho coloca em xeque qualquer pretensão dos fornecedores de cana tradicionais em aumentar o valor recebido pelas indústrias em seus contratos de fornecimento. 
 
A melhora da rentabilidade terá que ser dada por mais eficiência e produtividade, e não através de mais receita. Ainda é cedo para quantificar os efeitos do RenovaBio nas decisões de ampliação, mas, certamente, a previsão de crescimento sustentado do PIB brasileiro nos próximos anos ajudará muito a criar um ambiente favorável a novos investimentos. 
 
Há percalços no caminho? Sim, e não podem ser desprezados. Os preços do petróleo podem sofrer uma forte correção caso a restrição de oferta não continue. Além disso, todos sabemos da crescente importância dos carros elétricos e híbridos na matriz de produção das grandes montadoras mundiais nos próximos anos. No curto prazo, porém, essas ameaças não parecem conter o entusiasmo com uma demanda aquecida e revigorada de combustíveis no Brasil pela frente.
 
Dessa forma, podemos deduzir que a melhora nos fundamentos do etanol irá continuar trazendo um maior interesse dos produtores em explorar seus atrativos, enquanto o mercado de açúcar ficará refém dessas políticas danosas e ultrapassadas de artificialismos de precificação de matéria-prima, tornando mais lenta e mais dolorida a solução de sobreoferta mundial que enfrentaremos neste próximo ciclo de 2018/2019.