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Humberto César Carrara Neto

Consultor especialista no sistema bioenergético

OpAA76

Um manejo para lá de doido
Estamos diante de um tema particularmente interessante, especialmente para o seguimento sucroenergético e que muito me atraiu enquanto operava mais ativamente no setor. Vamos entender melhor o significado de manejo para melhor contextualizar a importância o assunto. 
 
Manejo: é o ato de manejar, de fazer uso de algo com as mãos, ação de dirigir, governar, chefiar, conduzir, controle ou gerenciamento de negócios ou bens, administração. Gostaria, no entanto, de sugerir uma definição peculiar e adequada ao desenvolvimento do assunto: Manejo no sistema bioenergético pode ser definido como a forma de escolher como extrair melhores resultados, levando-se em consideração as limitações, as oportunidades e as caraterísticas de sua unidade, a tecnologia e os recursos disponíveis ao gestor. 
 
Portanto, podemos entender que manejo é uma ferramenta de gestão, meio etérea, sem forma ou padrão definidos, indisponível nas prateleiras de software. Outro entendimento seria que manejo é uma característica inerente ao comportamento intelectual e cognitivo do gestor que toma decisões e escolhas baseado em condições que lhe são apresentadas naquele momento, de acordo com determinadas características, auxiliado ou não, por tecnologias e recursos disponíveis.
 
Antes de entrar nas especificidades do nosso seguimento e relembrando experiencias vividas, posso dar exemplos de inúmeros softwares de gestão, ERPs, que conheci e ajudei a desenvolver e a instalar. Todos possuíam inúmeros recursos de modelagens, históricos de resultados e até inteligência artificial; porém, nenhum com capacidade de interpretar o biossistema como um todo e decidir qual seria o melhor caminho, nem a rota de melhor resultado. 
 
Evidentemente, a quantidade de dados examinados e a velocidade de informações geradas são de grande utilidade, mas não consigo enxergar o manejo como um produto disponível no qual se coloca todos os pré-requisitos do seu negócio e ele lhe oferece a forma de fazê-lo da maneira mais eficaz e rentável.
 
Vamos examinar mais especificamente o nosso seguimento, e me desculpem os leitores se me torno repetitivo, mas acho importante entender e diferenciar o setor sucroenergético dos demais setores da agroindústria para poder entender onde se encaixa e qual a importância do manejo.
 
Pode parecer muito conceitual, mas, apesar de toda tecnologia industrial e motomecanizada aplicada, nosso setor é dependente de uma planta, a saccharum officinarum, de ciclo anual, semiperene, cultivada em solo aberto e que necessariamente precisa estar viva, até horas antes de ser processada.
 
Sendo assim, a planta viva de ciclo anual, por ser um vegetal, deve ser plantada, cultivada e cuidada por todo seu ciclo vital útil, exposta às intempéries do clima ao longo de 12 a 18 meses, colhida e processada em poucas horas, geralmente em volumes de milhares de toneladas por hora, sem a possibilidade de se formar estoques reguladores, ou buffer em toda a cadeia produtiva.

Além disso, a colheita não tem somente o propósito de entregar a melhor matéria-prima possível na indústria, que escolhe os campos com melhores índices de maturação. Também, deve atender a logística de distância e a manutenção de raios médios a liberar áreas para o replantio quando não houver cereais intercalados, a liberar área para adubação e cultivo, área para aplicação de vinhaça, área de fornecedores. E, se houver necessidade, deve recolher a palha no meio dessas operações.
 
Penso que haverá um melhor entendimento, se examinamos outras culturas que, apesar de riscos inerentes a cada uma (janelas de operações e possibilidade de perdas) têm algumas características diferenciadas: 
 
Cadeia de celulose: a planta é perene de crescimento contínuo. Quando colhida, pode ser armazenada. O processamento é o ano todo, não há lead time para os tratos culturais que, se vierem a ocorrer, são extremamente simples.
 
Cadeia de cereais: quando colhidos podem ser estocados e armazenados antes do processamento, bem como podem ser comercializados antes da colheita, pois são commodities. 

Até mesmo o boi que, apesar de riscos e perdas, mas que, em última instância, pode ser mantido a pasto.

Pessoalmente, não consigo identificar nenhuma cadeia do agronegócio que movimente volumes parecidos, em just in time com tantas interferências ou laços, ou interferências e interdependências entre os processos, como se diz em softwares de gestão. Portanto, como manejar tudo isso com eficiência e eficácia, maximizando resultados em ambientes comerciais normalmente agressivos?
 
Não consigo me recordar nos meus tempos de bancos escolares de nenhuma matéria que ensinasse como manejar. Ensinaram-nos a produzir dentro das melhores condições, ou dentro da CNTP, mas não me recordo  de aprender a conviver com as mais variadas condições, utilizando as tecnologias de produção e de gestão combinadas com fatores socioambientais, edafoclimáticos, industriais e comerciais e em just in time. Tudo isso, realmente é, no mínimo, desafiador.
 
Creio que, agora, trouxe o conceito de manejo mais adequado ao sistema de produção do setor sucroenergético. Diferente da definição coloquial de “fazer com as próprias mãos”, podemos entender que manejo é utilizar de todo o conhecimento possível e tecnologia disponível para definir o que, como, onde e quando realizar os processos e os meios de produção, visando maximizar os resultados.
 
O que, devido as particularidades e laços do sistema produtivo sucroenergético, citadas acima, torna o exercício do manejo dos processos mais desafiador ainda. Devido ao tamanho das unidades atuais e da extensão de terras cultivadas, é praticamente impossível uma unidade produtora operar em um único tipo ou padrão de solo. Muitas vezes, podem ocorrer até mudanças de microclima dentro de uma mesma unidade. Selecionar as variedades mais adequadas e com maior potencial de produção em um ambiente variegado já é o primeiro exercício de manejo a ser aplicado.
 
A partir daí, conduzir esses campos, selecionando/escolhendo dentre as mais diversas formas de cultivo, adubação e tecnologias disponíveis, até chegar ao momento de colher. Quando outras variáveis e laços entrarem em jogo, e, mais uma vez, os profissionais, municiados de informação e com ferramentas adequadas, serão constantemente instigados a manejar seus processos. Eles terão que tomar decisões, avaliando cenários, projetando resultados baseados nas mais diversas formas de fazer.
 
Um leitor incauto pode pensar: “Ok, parece complicado, mas é repetitivo; ano que vem, é só fazer tudo igual ao que deu certo esse ano”. Que bom seria se o ano que vem todas as condições climáticas, socioeconômicas e comerciais fossem iguais também; se a planta não fosse viva, se seu comportamento fisiológico não fosse mutável.
 
Se assim fosse, editar-se-ia um manual prático de manejo de produção, criar-se-ia uma cadeira nos quadros curriculares das universidades e pronto... formaríamos os manejadores profissionais.
 
O interessante do manejo é exatamente isso: raramente teremos iguais condições de produção, e, nem sempre, as práticas utilizadas nos processos produtivos podem ser adequadas para um ciclo vegetativo como o foram em outro. Como equacionar a questão e como capacitar os profissionais para esse complicado exercício de gestão? Na minha concepção, a equação começa com uma adequada gestão do conhecimento adquirido em pesquisas nos institutos de tecnologia e universidades, na incansável observação de campo, na “prosa com a planta”, na prática de tentativas experimentais, na observação incansável de causa e efeito e, principalmente, na difusão e troca desse conhecimento adquirido, que simplesmente acumulado e retido, não resultará em nenhum resultado de sucesso perene.
 
Acima de tudo, diante da possibilidade de aplicar os recursos da tecnologia de informação digital hoje disponíveis, trabalhar esse conhecimento acumulado em bancos de dados relacionais, aplicando sobre eles a inteligência artificial para, nesse imenso universo de dados, poder relacionar as informações e, assim,  adquirir segurança para definir o que, como, onde e quando. 
 
Somente assim, manejaremos plenamente os processos de produção de forma mais assertiva, sem dispensar a capacidade cognitiva inerente ao bom gestor.