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Afonso Henriques Moreira Santos

Diretor da MS Consultoria

Op-AA-15

Podemos ser otimistas?

Colaboração: David Zylbersztajn, Presidente da DZ - Negócios em Energia

A pretensão inicial deste artigo era traçar perspectivas para o setor elétrico nacional, neste ano que se inicia. Entretanto, é necessário olhar para trás, analisando o passado, para aí poder vislumbrar algumas possibilidades para esse setor, que dependerão, além da conjuntura mundial, dos posicionamentos do governo e da sociedade.

Destaque-se a sociedade, pois se iludem aqueles que pensam que o setor elétrico não depende do pequeno consumidor, ou do poupador familiar. Cada dia mais, são esses pequenos agentes que direcionam a economia. Vale a pena, então, fazer uma breve retrospectiva, e, depois, mapear alguns caminhos (ou descaminhos).

O setor de energia elétrica tem uma história relativamente recente: pouco mais de cem anos. Neste período, no Brasil, bem como nos Estados Unidos e muitos outros países, houve um movimento pendular entre um modelo liberal, como o que aqui existiu, com a primeira constituição republicana, e um modelo que poderia ser chamado de intervencionista. O marco regulatório deste último foi o Código de Águas de 34.

Esta forte intervenção do Estado enfraqueceu-se no final da década de 70, movimentando o pêndulo de volta a um modelo mais baseado nas forças de mercado, conforme consolidado na Constituição Federal de 1988. Assim, o país, mais uma vez, rendia-se às forças internacionais, mesmo que, muitas vezes, tentando mostrar o contrário.

Este último movimento, embora revelado pela incapacidade do setor de se desenvolver de forma sustentável, nos anos 80, foi consolidado na primeira metade da década de 90, com as leis 8.631, 8.987, 9.074 e 9.427. Estas tiveram um papel relevante de, não só criar o novo marco regulatório, mas permitir que o setor saísse de uma situação de endividamento insolúvel, e evitar que tal situação se repetisse.

É corriqueiro ouvir de pessoas ligadas ao atual governo críticas ao suposto enfraquecimento das estruturas de planejamento, que, segundo os mesmos, teriam levado o país à crise de 2001. Esses “planejadores” prendem-se a um relativo sucesso das estruturas de planejamento, criadas a partir da década de cinqüenta, destacando-se o Grupo Coordenador para a Operação Interligada - GCOI, resultado da necessidade de se operar um sistema que se tornava cada dia mais malhado e espacialmente espalhado.

Surgiu mais tarde, sem a mesma força, o Grupo Coordenador do Planejamento do Sistema Elétrico - GCPS. Este último avançou na modelagem e no ferramental matemático, mas deixou a desejar no que se refere ao equilíbrio de interesses dos agentes. E é aí, exatamente, que reside a maior dificuldade dos modelos de planejamento centralizado.

O que se passou, na construção deste novo modelo (é conveniente dizer que ele é o mesmo até os dias de hoje, tendo, este governo, apenas feito adaptações, algumas delas já previstas, como os leilões), e que não é suficientemente divulgado, por interesses diversos, foi a priorização de etapas, de forma a se ter a base necessária para a existência de um mercado relativamente forte.

Partiu-se, inicialmente, para se construir o aparato da política setorial, destacando-se as já referidas leis e a criação do Conselho Nacional de Energia Elétrica; avançou-se na construção de um novo modelo de regulação, totalmente distinto daquele que nasceu para a intervenção estatal; então, se abriu espaço para captação de capital de risco, através da privatização de empresas e da criação de novas oportunidades, como os investimentos em transmissão e em geração com energia renovável, que hoje se mostram um sucesso absoluto; modernizou-se e fortaleceu-se o papel do GCOI, criando o Operador Nacional do Sistema Interligado - ONS.

O próximo passo, já previsto, seria a criação de um ente de apoio ao planejamento, já que este era privativo da administração direta. Não houve tempo, deixando, para este atual governo, a criação da Empresa de Pesquisa Energética - EPE. Estaria assim consolidado, um modelo para sustentar o setor elétrico, por mais trinta ou quarenta anos. Mas...

Mas, nem sempre (ou quase nunca), acontece como se supõe. E foi assim para a energia elétrica, como testemunham os “soluços” freqüentes que vive o setor. Foi a crise de 2001, com falta de energia após uma maléfica sobra, que comprometeu as finanças de distribuidoras e consumidores cativos; pouco depois, um novo período de escassez no Nordeste, seguindo-se o Sul e agora, quase todo o país vive um momento de preço elevado, com significativo risco de desabastecimento.

Cabe a pergunta: o problema é o modelo liberal ou a sua prática? Talvez presos a conceitos ou preconceitos, os autores concluem pela segunda opção. E, de pronto, caberia a contestação: se a prática é exercida pela sociedade, por que ela teria que se adaptar, e não o modelo? A resposta extrapola uma simples escolha, mas pode-se dizer que a opção por um ou outro modelo, como ficou evidenciado na primeira parte deste artigo, dá-se pela própria integração do país na economia mundial e a forma preferencial de captação de recursos (de risco ou empréstimo).

Então, conclui-se que existem obstáculos para o pleno funcionamento do mercado. São muitos os pontos que pode-riam ser citados como impedimentos deste amadurecimento, mas podem-se listar alguns:

1. Má sinalização para os consumidores cativos, que ainda não distinguem o que é o produto “energia”, do serviço “transporte”.

  • Esta distinção permitiria uma correta sinalização de preços para todo o mercado, deixando-o elástico. Esta seria a base para leilões do lado da demanda (Demand Side Bidding), como foi praticado, com sucesso, no racionamento, e levaria, em curto espaço de tempo, a uma ampliação do número de consumidores que seriam livres.

2. Atuação das empresas estatais de forma pouco racional, não buscando a maximização da rentabilidade, como se espera de qualquer empresa.

  • Não interessa de quem seja o controle do capital (se público ou privado), mas sim que este aja sem privilégios ou ônus distintos. A participação de capital privado - como é o caso da CEMIG, dá transparência e eficiência à empresa.

3. Engessamento do planejamento, notadamente na hidreletricidade, com reserva de direito a EPE, em estudos de inventário.

  • Um dos maiores sucessos da implantação deste modelo foi a liberdade de se prospectar potenciais hidrelétricos, sejam grandes ou pequenos. O número de PCHs em construção e a licitação do Rio Madeira são testemunhas disto.

4. Má sinalização a potenciais investidores, fazendo crer que haverá uma sobreoferta e criando regras assimétricas.

  • Nenhum agente irá investir com lógica de preço, quando o governo age com a lógica de custo. Ainda mais quando se afirma que haverá sobre-capacidade (ainda que as evidências a contestem). Além do mais, o governo cria subsídios cruzados para viabilizar seus projetos, em detrimento dos demais. Com este quadro, os consumidores livres fatalmente procurarão o abrigo das distribuidoras, retornando à posição de cativos.

5. Restrições a novos potenciais hidrelétricos de médio e grande portes.

  • Ilude-se o governo ao dizer que assim estará protegendo o consumidor cativo. De nada servirá à sociedade ter abundância de energia para o setor residencial e comercial, enquanto o setor energo-intensivo amarga falta de energia, o que representa mais de 25% do setor industrial. A oferta de parte da capacidade da UHE Santo Antônio para o mercado livre teve ares de subsídio cruzado, permitindo uma falsa redução de tarifa.

6. Dificuldade de promover a diversidade da matriz do setor elétrico, acreditando ser a expansão hidrelétrica de grande porte a vocação natural do país.

  • O relativo sucesso da licitação do Rio Madeira fortaleceu uma posição dogmática do atual governo, que se traduz na crença que ainda há no país um potencial infindável para geração hidrelétrica de grande porte (entenda-se, Amazônia). Os recentes problemas de descontrole sobre o desmatamento naquela região não põem em dúvida, mas também a conveniência do avanço da pecuária ou da agricultura (incluindo a cana) para aquela região.

A construção de grandes hidrelétricas funciona como âncora para a entrada do homem, através de caminhos e urbanização. A partir daí, pode ocorrer a maléfica capilaridade, vista em todo o entorno da Transamazônica, da região de Tucuruí e do Jari, dentre outros. Não se observa o mesmo esforço para se viabilizar a energia eólica, principalmente no Nordeste, onde ela se constitui quase a única opção, ou a geração a biomassa (não apenas associada ao etanol), através de regras semelhantes às utilizadas para o Madeira (ressalte-se que o conceito de subestações coletoras – em desenvolvimento – é uma ação positiva neste sentido).

Do mesmo modo, são incipientes as sinalizações para a autoprodução in situ (cogeração ou não), que pode trazer uma significativa redução de perdas e melhoria de confiabilidade, quando vista em conjunto.

7. Falta de foco no lado da demanda.

  • Assim como o produtor, o consumidor é parte fundamental em um mercado, e sua capacidade de escolher produtos e de reagir a preços é que direciona os produtores. A prática da eficiência energética, aprendida duramente durante o racionamento de 2001, está sendo esquecida, pela total falta de interesse em promovê-la.

Entenda-se eficiência como sendo a escolha técnico-econômica entre consumir ou não, comprar ou produzir sua energia, produzir seu produto ou vender a energia poupada, dentre outros arranjos. Esta capacidade de ser elástico é o principal seguro para o setor, desde que se tenha a devida sinalização. Alguns outros pontos poderiam ser listados, no sentido de se avançar no modelo de mercado, garantindo sustentabilidade técnica, econômica e ambiental ao setor elétrico.

Esta seria conseguida pelo envolvimento de um maior número de agentes e tornando o consumidor mais ativo no processo. Esta diversidade levará a nichos ainda não explorados, como acontece com todos os setores mais livres. A partir do exposto, volta-se à pretensão inicial: quais as perspectivas para o ano de 2008, no que diz respeito ao setor elétrico?

Não se crê que as sugestões propostas sejam implantadas em curto prazo, mesmo que houvesse vontade política. Portanto, ainda por algum tempo, o setor continuará a ser conduzido por um tecnicismo, que só olha a si próprio, prendendo-se ao antigo objetivo de “atender à demanda”, como se essa fosse inflexível; tentando controlar as incertezas, ao invés de buscar instrumentos de proteção.

Tem-se que entender que a discussão entre se ter um planejamento manda-tório ou um indicativo é passada, cabendo agora um planejamento que defina estratégias para enfrentar o presente, mapeando o espaço. É a própria essência do planejamento estratégico, tão comum nas empresas. Enquanto se gastar mais energia em se prever vazões, do que em avaliar impactos do preço do petróleo ou da expansão do parque gerador; enquanto se olhar quase que exclusivamente para a expansão da oferta, ao invés de integrar efetivamente o consumidor; enquanto se confundir modicidade tarifária com tarifas baixas, mesmo a altos custos para a sociedade, não se poderá ser otimista. Assim, pede-se para que 2008 não seja tão ruim como pode ser. Que tenhamos a sorte hidrológica dos anos anteriores, combinada com uma redução do preço do petróleo. Desta maneira, será possível esperar o amadurecimento dos avanços necessários.